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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Socorro

Por Bernardo Sardinha


"Still do filme "A tortura do Silêncio" (1953) 
direitos reservados da Warner bros."

Era a primeira segunda-feira do ano e o padre já sentia que o dia seria um saco. Recolheu-se no confessionário abafado e escuro para ouvir os pecados acumulados das festas de final de ano. Então, resignado, ouviu cada um dos pecados velhos e repetitivos das pessoas de sempre daquela paróquia.

Um senhor confessou que bebia escondido da mulher, outro que cobiçava a filha de um amigo - que tinha 12 anos de idade. Uma senhora confessava todo dia que queria convidar o porteiro para subir e "tirar a poeira dos lençóis" que seu marido "deixava acumular". Ouviu uma moça de família confessar que se masturbava com a escova de cabelo da sobrinha.

Como de praxe, todos foram aconselhados exatamente como nas outras vezes, TODAS as outras vezes. Mas o padre sabia que no final das contas, o homem ia continuar bebendo escondido da mulher, o outro ia continuar cobiçando a filha do amigo até ela ter uns, sei lá, trinta e tantos anos. A senhora ia continuar desejando o porteiro e a moça, bem, para ela acho que deixar de se masturbar não estava nos seus planos. Os mesmos pecados para mais um ano igual.

O som da portinha de madeira do confessionário batendo era como uma campainha. O padre tinha, mais ou menos, 30 segundos entre uma atrocidade moral e outra para pensar na sua música favorita, no que ia comer a noite, como ia pagar o cartão de crédito ou em peitos.

 O som daquela portinha fininha de madeira era o sinal para ele sair do mundo da lua e voltar para a terra. Mas nesse dia, o padre não escutou nada e só se deu conta que tinha alguém do outro lado da treliça quando o sujeito falou:

- Padre, você está me escutando?! - disse firme o sujeito.

O pobre eclesiástico deu um pulo e respondeu com fingida severidade.

- Cada palavra que você disse meu filho. Cada palavra.

- Então. O que eu faço com a criança?

Naquele momento, se açoitou mentalmente, e teve certeza que Deus já o estava castigando por ter mentido no confessionário.

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