Cada dia da nossa vida é de um jeito. Sem regras ou com regras.
De qualquer forma, nada é igual.
Aqui cada dia é dia de um texto diferente.
Quer sair da rotina? Fica com o Salada!

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Pequenas Confissões - texto 7 - Quando conversar já não adianta mais

Por Amanda Leal




Oi Fernando. Como você já deve ter percebido, eu entrei no seu apartamento. Peguei as minhas coisas e dei um jeitinho em algumas outras pra você. Se você procurar a sua coleção de carrinhos e não a encontrar, peça ao porteiro para te ajudar procurando-a na lixeira do condomínio.  Suas cuecas estão todas de molho na água sanitária e é bom que você as retire de lá assim que chegar em casa, pois a tendência é que percam a cor e  a elasticidade.  Suas camisas eu achei que estavam pequenas e doei para o zelador. 

Aconteceu um pequeno acidente e a sua cama foi banhada por alguns engradados de cerveja...acho que você terá que jogar o colchão fora.

E ahh, antes que eu me esqueça: seu notebook estava aberto em cima da mesa, esbarrei e ele foi parar direto na tela da sua tv nova. Uma pena ter perdido logo duas coisas tão importantes para você. Enfim, acidentes acontecem.

É isso. 

Ass: Flávia.


Ps= A vagabunda da sua amante te ligou 3 vezes.



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quarta-feira, 26 de novembro de 2014

No mural

Por Marcela de Holanda


Nando. Você sempre reclama que eu pareço esconder nosso amor do mundo. Que eu não faço demonstrações públicas de afeto o suficiente. Que você gostaria de ter nosso amor por escrito para que pudesse reler sempre que batesse insegurança. Por isso, estou registrando aqui no seu mural para quem quiser ler e para que você guarde para sempre. Você foi a melhor coisa que já me aconteceu. Antes eu estava quase sempre triste sem saber bem o porquê. Não me sentia confortável em lugar nenhum. Não entendia o que me faltava. Hoje eu não sei como sobrevivi tanto tempo sem você do meu lado. Era como se a minha alma vivesse em Londres, nublada, e agora pulsasse com a energia solar do Rio. E eu trocaria uma vida inteira nublada por esse nosso ano de sol. Sorte que eu não preciso fazer isso e que muitos anos podemos ter pela frente. Com você eu quero conhecer o mundo, saltar de paraquedas, fazer o jantar, brigar pelo controle remoto, andar de mãos dadas, chorar, gargalhar, descobrir, envelhecer. Eu nunca pensei que um dia quereria casar, ter filhos e tal. Mas com você nada parece mais natural, embora difícil. Mas eu não tenho mais medo do difícil. Eu, você e nosso amor já formamos uma família. Eu te amo. Obrigado por fazer de mim um cara melhor. Me desculpa por não conseguir ser sempre do jeito que você gostaria. Mas não tem nada que eu queira mais do que te fazer feliz. Beijos, do para sempre seu.



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quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Tempo

Por Marcela de Holanda
      

Tempo. Sempre passando tão rápido que fica difícil se manter no presente. Como um touro que se tenta agarrar à unha, ele te joga pra lá e pra cá. Se você se deixa levar pra trás vai encontrar muitas coisas que não tem mais. Para umas vai pensar “Graças a Deus”, mas para outras protestará “Por que, meu Deus?”. Quando visitar o passado não se demore. Corra para se alcançar assim que puder. Mas quando ele te projeta para frente sabe lá onde você vai parar. Num futuro desejado, num futuro temido, no vazio de não mais existir, numa incerteza com certeza. Ah, a dor de inventar mil futuros esperando um momento chegar. Estar fora de si, não se encaixar, ansiar. Tempo, para que a pressa? Chega lá um pouco atrasado, mas se dê o prazer de admirar as belezas do caminho. Vai com calma. Ouve, Tempo. Está vendo aquela pessoa a quem chamei, chamo e chamarei de meu amor? Nos leve sempre juntos ao longo do tempo, seu Tempo. Independente do tempo que o tempo todo durar, nos deixe amar por todo o tempo e nós nos deixaremos levar suavemente pelo tempo que for.


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terça-feira, 18 de novembro de 2014

Bem depois do BIP

   Por Rec Haddock


(Mulher está sentada na beira da cama, ao telefone)

Oi Pedro. Eu sei que você ta aí, atende, por favor. Ta bom. Vou falar pra secretária eletrônica mesmo.

Eu sei que quando a gente brigou, eu falei coisas que não devia, mas você também disse umas coisas horríveis ao meu respeito, e foi por isso que eu terminei contigo.

Eu estou disposta a esquecer tudo isso e voltar com você se você simplesmente pedir desculpas pelo que você disse. Só precisa disso, pê, e eu peço desculpas também, porque eu estou arrependida, e não fui sincera. Eu só queria te machucar quando falei aquelas coisas. Atende, por favor.

Enfim. Eu encontrei um carinha hoje num sebo, e ele me chamou pra sair. Ele está aqui embaixo, e se você não atender agora, eu vou entender que você não quer mesmo mais nada comigo e vou sair com ele. E só Deus sabe o que eu sou capaz de fazer.

Vou desligar, pê. Não vai atender? Beleza. Tchau, então. Foi bom.

(Ela desliga o telefone e se deixa cair na cama, desolada. O telefone toca na mão dela, e ela senta pra atender)

Pedro! Eu sabia que você ia ligar!


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segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O açougueiro do convento

Por Rodrigo Amém


Edgard foi levado a uma chácara, longe da cidade. Foi recebido por dois marginais de olhar vazio, sobre olheiras.

- Esse é o “açougueiro do convento”? – perguntou um deles ao motorista, diante do porte pouco intimidador do novato.

Edgard levou uns segundos até se dar conta de que o “açougueiro do convento” era ele. Sentiu vergonha.

Ninguém perdeu muito tempo com apresentações. Edgard foi encaminhado até a varanda da casa, onde um terceiro meliante aguardava, sentado numa cadeira de balanço. O vai e vem da cadeira impulsionou o gesto de “aproximem-se” que o bandido fazia com a mão esquerda. A mão direita pousava sobre uma M-16.

- Até que enfim, caralho. – Disse, aproveitando o balanço para se por de pé. – Eu sou o Pereira. Vem comigo.

Pereira e Edgard entraram na casa. Os demais capangas montaram guarita na varanda. Difícil diferenciar entre o que era tentativa de mobiliário e o que era lixo. Um sofá quebrado, colchão velho, uma mesinha ostentando uma caixa de pizza azeda. Um radinho de pilha. Armas. Várias armas. Baratas, muitas baratas.

- Você sabe qual é o serviço? – disse Pereira. Edgard balançou a cabeça negativamente.

- O serviço é esse aqui. – Pereira abriu uma porta para um pequeno quarto escuro. Acorrentada ao pé de uma cama de ferro, uma menina de uns dez anos dormia em posição fetal. O cômodo todo fedia a urina. A comadre no canto jazia meio cheia. 

- Ela é o serviço.

Edgard não entendeu.

- Essa pirralha é filha de um figurão. Cheio da grana. To negociando o resgate. O cara tá jogo duro.

Edgard lembrou de Socorro.

- Da última vez que eu falei com o pai, deu pra sacar que já tinha polícia na escuta. Ele tentou dar uma enroladinha, sabe? Pra dar tempo de localizarem a chamada. Pediu prova de que a menina tava viva, o filha da puta. Pediu, vai ter. E vai aprender a não meter a porra da polícia.

Edgard continuava confuso. O que aquilo tinha a ver com ele? Se era pra cuidar de criança, porque não usar a prostituta que agora estava com sua filha? Por que envolvê-lo nisso?

- Seteoito falou que não é pra aliviar. Se ele quer prova da filha viva, a gente vai dar. Uma por dia até ele resolver pagar. Esse é o seu trabalho. – Disse Pereira, abrindo um armário e entregando o facão na mão de Edgard.

Edgard deixou o facão cair. O barulho acordou a menina, que deu um grito ao ver dois homens no quarto com ela.

- Pega o facão. E você, garota, cala a boca.

Edgard hesitou.

- Pega...a porra... do facão. – A mão de Pereira repousou ameaçadora sobre o coldre da pistola na sua cintura.

Lentamente, Edgard abaixou-se e pegou o facão. A menina choramingava, cobrindo a boca com as mãos. Pereira agarrou o braço de Edgard e tirou ele de dentro do quarto, fechando a porta atrás de si.

- Você vai “colher” a prova. Uma por dia. Você escolhe. Dedo do pé, da mão, orelha. Só não pode matar a guria.

Tudo o que Edgard conseguiu balbuciar foi uma pergunta. Por que ele?

- Porque eu tenho família e tem coisa que eu prefiro não fazer. E eu já to na pista tem tempo, mano. Tem coisa que eu posso escolher não fazer. Seteoito me garante. E ele me disse que você não tem tempo ruim. Que você é o açougueiro do convento. Que você arranca cabeça de freira. Que você mata mulher e criança. Pra quem já vai pro inferno, um dedo a mais, a menos, que diferença faz, né?

Edgard até tentou argumentar. Explicar que não era bem assim. Mas Seteoito disse que era. E, se não fosse como Seteoito queria, quem garantia a segurança da sua filha?


Edgard se calou diante da realização de sua sina. Ele era agora o especialista em atrocidades para o chefe do morro. Esse era o preço da vida de Socorro. Edgard olhou para Pereira, olhou para o facão, entrou no quarto da refém e fechou a porta atrás de si. Do outro lado, Pereira preferiu sair da casa quando a menina começou a implorar. 


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sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Pequenas confissões - texto 6 - Sem prescrição médica

Por Amanda Leal



Toda mulher sonha um dia em ser mãe, eu confesso que não sonhava assim, muito não. Sonhava de leve. Como se fosse uma coisa natural da vida, assim como menstruar ou fazer preventivo: toda mulher um dia teria que passar por isso.

Acontece que há dois anos eu fui mãe, casei e o casamento já estava pedindo um algo mais e acabou acontecendo, foi natural. Eu gostei da sensação de barriga crescendo, dos mimos que eu recebia, do carinho do marido, ah... Eu gostei de tudo na gestação.

Me considero uma excelente mãe. Eu sou participativa, dou muita atenção, zelo pela saúde e bem estar do Pietro, mas também não me tornei o tipo de mãe chata que posta tudo no Facebook ou que conta pra todo mundo cada passo do meu pequeno. Fico na minha. Sou reservada.

Algumas vezes eu sinto falta de ter mais tempo para mim, acho que toda mãe sente isso e o problema maior é que eu, às vezes, não consigo conviver comigo mesma. Me dá uma vontade enorme de sumir, desaparecer de casa e ficar longe das responsabilidades. Normal, coisa de quem carrega muita carga nas costas.

Eu trabalho numa agência de publicidade e meu tempo até que é bem flexível, o que por um lado seria ótimo, se eu não tivesse que dar conta de tantas coisas ao mesmo tempo. Meu marido ajuda, um pouco, mas ele é muito agitado, é música alta, muita falação, com ele em casa parece que a casa está sempre cheia. Com criança então, pior ainda. Me cansa.

 Faz uns três meses que eu descobri uma maneira de melhorar a minha qualidade de vida e venho pondo em prática desde então. É simples, nos dias mais agitados eu coloco umas gotinhas do meu calmante preferido no suco do meu filho e do meu marido. É tudo natural, muito confiável e seguro. Eu estou gostando muito dos resultados.

Meu filho que era uma espoleta e não dormia uma noite sequer agora tira boas sonequinhas e meu marido que não parava de falar um segundo agora está sereno. Sinto que fiz um bem, não só para mim como para os dois. Acredito muito que a gente está aqui nessa vida pra ajudar quem precisa e eu comecei a minha missão aqui dentro de casa.

Outro dia eu estava num congresso e tinha uma moça alta, agitadíssima, dessas que gostam de falar alto, pisar forte no scarpin e dar umas risadas grotescas e berrantes. Aquilo me doeu por dentro. Como ela conseguia se aguentar? Estava na cara que ninguém tava à vontade com tamanha animação. Vi que não foi à toa que nossos caminhos se cruzaram.

Descobri que ela era coordenadora da minha área, o nome dela era Ivone. E toda a Ivone que eu conheço é assim, grande, esquisita, com uma voz forte, finais de frases prolongados e sem noção. Deve ser uma coisa do nome, sei lá.  Eu vi na cara dela que aquela agitação toda era uma mistura de muito cansaço e frustração. Ela estava um pouco deprimida também, embora se forçasse (até demais) em não demonstrar.

 A moça logo fez amizade comigo, sentamos para tomar um café e ela foi rapidamente pegar um papel no estande ao lado da lanchonete. O café chegou antes dela. Considerando peso e altura que prontamente calculei, vi que cinquenta gotas podiam dar a ela a paz interior que provavelmente ela nunca encontrara.

Três dias depois ela foi internada. Fiquei sabendo por uma amiga do trabalho. Foi um mês no hospital, intoxicação. Uma coisa terrível. Nossa amiga em comum disse que ela só culpava o cafezinho do congresso e que ficou admirada de eu ainda estar viva. Desde então ela nunca mais tomou café e eu achei melhor jogar fora a ideia de continuar dopando meu marido e filho, afinal, é melhor prevenir do que remediar. 



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quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Traição

Por Marcela de Holanda



Naquela manhã, acordou com o coração pesado e o amor desgrenhado. Sua cabeça não conseguia se desviar um segundo do acontecido. As imagens voltavam a todo momento. Não conseguia vislumbrar um plano para seguir em frente. Nunca tinha imaginado que um dia veria ele fazendo aquilo com ela. Doía demais. A confiança sempre tinha sido o forte da relação dos dois. E ainda pior do que a traição em si tinha sido a falta de cuidado. Se pelo menos ele tivesse tido o cuidado de esconder... Se não tivesse exposto aquele desrespeito para quem quisesse ver. Amigos dos dois estavam por perto. Ela viu. Ninguém contou. E todos viram que ela tinha visto. Enquanto escovava os dentes se olhou no espelho e tentou imaginar se teria mudado tanto assim nos últimos anos. Será que ele não se sentia mais atraído por ela como antes? O que será que tinha feito de errado para as coisas se encaminharem pra aquilo? Se sentiu envergonhada por se culpar pela traição do marido. Era só o que faltava. Ele chegaria daqui a pouco para almoçar em casa. Decidiu que precisava estar linda quando ele chegasse e tomou as providências necessárias. Não sabia como se sentiria quando ele chegasse. A dor e a raiva ainda estavam muito presentes. Como perdoá-lo e recebê-lo como se nada tivesse acontecido? Como culpá-lo pela traição que ele nem sabia ter cometido nos seus sonhos? Resolveu engolir a mágoa e não contar nada que era pra não dar ideia.


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terça-feira, 11 de novembro de 2014

Exercício anti - criativo 3

Por Rec Haddock


Cristina – Você não sabe o que aconteceu!

Martina – Sei sim.

Cristina – Como você soube?

Martina – Eu tava lá, Cris.

Cristina – E você não fez nada?

Martina – Fiz, ué. Pedi desculpas.

Cristina – Desculpas? Do que você está falando?

Martina – Hoje, no metrô. Eu estava sentada, e o metrô estava meio cheio. Daí entrou uma grávida no trem, e eu levantei e disse: “Pode sentar, madame." E ela começou a me xingar. Ela não estava grávida. Só era gorda, vê se pode?

Cristina – MARTINA! O meu namorado me traiu!

Martina – Com a gorda?

Cristina – Com a gorda? Pelo amor de Deus! Foca, Martina, foca!

Martina – Cadê?

Cristina – Cadê o que?

Martina – A foca!

Cristina grita – Sua inútil! O meu namorado me traiu e você fica aí falando de grávidas de araque e focas imaginárias! Eu preciso de uma amiga melhor do que você!

Martina – Mas você não tem. Eu sou a única.

Cristina – Você é mesmo? Você nunca me apóia, fica sempre falando das suas besteiras sem sentido. Mesmo quando é sério que nem agora. A gente lê todos aqueles livros. O Harry com a Ginna, o Ron com a Mione, A Catniss e o Peeta. E eu? Cadê o meu Percy Jackson? Cadê o meu Legolas? Isso não existe, Ma? É tudo ficção?

Martina – O amor?

Cristina – É. O amor também. Mas mais do que isso, sabe? A sinceridade, o companheirismo.

Martina – Mas como você espera ter essas coisas se não é sincera consigo mesma? Você sempre soube que ele não presta, e agora espera fidelidade?

Cristina – Espero. Eu espero porque eu acredito nas pessoas. Eu acredito em você, por exemplo.

Martina – É diferente, Cris. Eu existo mesmo.

Cristina – Que nem nos livros.

Martina – Que nem nos livros.

Cristina – Mas a vida não é um livro. O Pedro fez questão de jogar isso na minha cara com aquelazinha. O que eu tenho, no fim das contas, é medo de ficar sozinha. Sabe? De morrer sozinha.

Martina – Você não vai ficar sozinha. Eu vou estar sempre aqui.


Cristina – Você não serve. Você é imaginária. Eu vou sair pra procurar uma amiga de carne e osso.


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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A conta

Por Rodrigo Amém


As palavras escorriam moles da boca de Seteoito, arrastadas numa ginga de morro quase caricatural. Gírias, contrações, equívocos gramaticais e palavras de baixo calão escoavam daquela torneira de dentes de ouro como se tentassem afogar Edgard. E Edgard, submerso, registrava apenas ecos daquele discurso que já se arrastava por quase uma hora.

A verborragia só parava quando o chefão acendia um cigarro, tomava um trago de whisky, cheirava uma carreira. Mas não, o discurso não era substituído pelo silêncio. Os barulhos guturais dos vícios de Seteoito eram tão audíveis quanto sua malandragem. Goles, tragos e aspirações eram seguidos de expirações vocais, gritadas, num exaspero forçado que parecia querer avisar a todo morro que Seteoito gozava os privilégios dos Reis.

Sentado em sua cadeira intencionalmente mais baixa, Edgard só enxergava um homem se esvaindo em ruídos autoindulgentes. Se Seteoito era essa fonte transbordando de si mesma, Edgard era só aridez. Não é que ele não sentisse medo, inveja ou admiração do poder de Seteoito. Mas, ao mesmo tempo, era difícil entender para que aquela força da natureza precisaria de Edgard, ou de qualquer um. Do jeito que Edgard via o mundo, os poderosos dividiam sua atenção sobre o resto do mundo em dois grupos: utilidade e desinteresse. E, na cabeça de Edgard, as autoridades o colocaram na segunda categoria. Por que Seteoito seria diferente? E quando chegaria a conta dessa exceção? No caminho até a mansão no topo do morro, Edgard tremeu ao pensar que a hora chegara. Edgard pensou na sua filha e na puta batida que lhe fora escalada como babá. Será que o plano é me matar e entregar a bebê pra adoção? Ou pior, matá-la também? Mas o que Seteoito ganharia matando um “zelador” do seu império? Por outro lado, o que ele ganha agora, mantendo-o vivo?

A recepção foi inadequadamente calorosa. Seteoito perguntou da criança, mas não esperou resposta. Emendou um “fica tranquilo”, porque a “babá” era de confiança. Fez um comentário de mau gosto sobre a noite em que Joana morreu, mas Edgard não registrou, e Seteoito riu sozinho até virar o copo. Aí soltou um “ahhh” de prazer e começou a enfileirar o pó branco sobre a mesa com a ajuda de uma gilete. Fez que ia oferecer outra linha para Edgard, mas desistiu no meio. “Você não precisa, já nasceu teso”. E riu. Edgard esforçou um sorriso pra não parecer indelicado, submerso em confusão.

Seteoito seguiu inabalado, como um guia turístico numa excursão pelos círculos do inferno dantesco. Edgard se refugiou no seu bunker mental, onde guardava seus maiores tesouros. A lembrança de sua mãe e das canções de ninar que venciam o medo e a fome, a sensação do pé descalço na lama fria numa manha quente. O abraço de Joana, o sorriso de Socorro.

Quando finalmente emergiu, Edgard notou que o chefe finalmente adentrava na razão de sua convocação. Era um trabalho para um perfil especializado. Um trabalho que exigia um pai. Um pai que soubesse matar. Caso necessário, claro.

Alguém sequestrou o filho de um figurão. Alguém que não tinha jeito com criança. O choro do moleque podia virar problema. Edgard perguntou por que não enviar a puta batida pra cuidar dessa criança diretamente. Seteoito explicou que precisava de alguém que pudesse dar cabo do pirralho. Alguém pra confiar vida e morte. Caso necessário, claro. O sangue de Edgard ferveu. Nunquinha que ele mataria uma criança!

Seteoito abriu um sorriso e tirou um jarro de dentro do armário. Boiando num líquido amarelado, a cabeça da freira de olhos vazados.  “Mas lavaria o chão de um orfanato com sangue?”

Edgard entendeu que não era uma proposta de trabalho. Era hora de pagar a conta. 



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sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Pequenas confissões - texto 5 - Quando o amar bate na porta

Por Amanda Leal


 Sou ariana com família em peixes, ou descendente de peixes, com lua em peixes, sei lá como é que se diz... Eu penso no agora, no presente, eu amo o André. Amo agora! Quero estar com ele agora, fazer tudo por ele agora.

Se ele é natureba, ok, eu como integral. Se ele gosta de acordar cedo pra caminhar na areia, ok, eu vou. Preciso da positividade desse momento a dois. Eu não vou desperdiçar a minha vida pensando no amanhã. O amanhã é hoje.

Deixa eu falar mais dele, bom...Ele é bacana, gosta de curtir o pôr do sol e tomar suco verde. Se energiza com um banho de mar e curte uma corrida no aterro nos fins de semana. Eu tenho espírito aventureiro. Então eu tenho pique pra acompanhar.

Tinha uma época em que eu jogava cartas, uma amiga me disse que era preciso estudar o tarô porque se você conhece as cartas, você conhece a si mesma. Fiquei buscando algum sentido nisso. Por um tempo até. Então, eu fiz. Estudei, eu tentei e não entendi nada, dai passou um tempo e eu desisti. Acho que foi uma coisa de momento, então nem posso dizer que eu tenha uma experiência como taróloga. E também não posso dizer que me conheço o suficiente. Ok. Eu nem sei porquê eu comecei a falar disso.

Ah, eu já disse que sou apaixonada pelo André, né? Estou. Quero dizer,estou. Agora. No momento. Amanhã eu já não sei. O André é bacana e tem uma energia bem boa. Gente bacana tatua um elefante nas costas e ele tem um. Elefante significa poder, paciência, sabedoria e grande energia sexual. Cara, o elefante do André é lindo. Mó vibe boa. Eu gosto.

Quando a Amanda me perguntou se eu queria me confessar aqui eu achei que não tinha nada a dizer. A minha vida é muito maneira, mas eu nunca tinha me tocado sobre os grandes acontecimentos que pudessem gerar uma história irada e ir parar num blog. Ainda mais num blog como o Salada de textos, que tem essa energia ótima. Mas aqui estou.

Eu ontem fiquei refletindo sobre o amor e percebi que amar é a coisa mais relaxante que existe na face da terra e que sexo é apenas a consequência desse amar. Eu não devia ter perdido a virgindade aos 14 com um índio de 18 numa tribo que fui visitar com meu pai no Mato Grosso na época do doutorado dele. Devia ter feito como antigamente, me guardado para o cara ideal e ter exibido ao mundo meu lençol com mancha de sangue depois da noite de núpcias, assim como os ciganos fazem.

Eu era totalmente contra o matrimônio e pregava o amor com liberdade. Eu acho que eu não sabia o que era o amor. Eu achava que sabia. Eu não era muito a fim de ter filhos, pois não me julgava capaz de ser uma boa mãe para eles. Eu realmente achava que uma mãe precisava ter espírito de mãe e eu tinha visto no meu mapa astral que eu não seria mãe nessa vida. Talvez em outra eu pudesse nascer evoluída o suficiente e pudesse, então, encarnar esse espírito mãe.

Desde ontem algo mudou dentro de mim e não foi culpa do pão de queijo de tapioca que eu comi na beira da estrada voltando de um fim de semana no Sana. Algo mudou dentro de mim um pouco antes de comer o pão de queijo. Foi quando o André me disse, na beira da cachoeira, que queria se casar comigo. Eu fiquei no mais profundo choque e a água ficou ainda mais fria nos meus pés e o meu estômago e o coração foram rapidamente apertados por um trovão daqueles que só acontecem em dias de chuva forte.

Eu fui tomada por uma sensação que eu jamais havia sentido, um constrangimento misturado com uma vergoinha boa e uma paz imensa. E a ficha caiu: eu amo esse cara! Eu não o amo como eu achava que amava antes não, eu amo por tudo que a gente viveu e por tudo que ainda vamos viver.

De repente eu quis ser mãe, esposa, amante, dona de casa, porto - seguro, naquela hora eu quis ser dele pra sempre. E desde então eu parei de me deixar levar só pelo momento e comecei a pensar em construir algo com ele para o amanhã. O nosso amanhã. No fundo, como uma boa ariana eu sabia que eu era um pouco egoísta por só pensar na minha felicidade momentânea e por não o deixar entrar de verdade na minha vida a ponto de construirmos algo. Ele forçou. A porta estava aberta e o amor entrou.

Acho que é a primeira vez que falo com alguém sobre isso. Não liguei pra amiga, não falei nem com ele, mas depois daquela experiência do pedido de casamento, estamos mais grudados, sintonizados, eletrizados. E hoje consigo até nos imaginar no amanhã, juntos sentados na orla admirando o pôr do sol, bem velhinhos e ainda muito apaixonados.


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quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Carteira

Por Marcela de Holanda


— Passa a carteira.

— Calma.

— Calma coisa nenhuma. Me dá sua carteira.

—  Tá aqui.

— Tá achando que pode me enganar? Cadê o cartão?

—  Tá aí.

—  Não esse. O de crédito.

—  Não sei. Devia estar aí.

—  Eduardo, cadê o cartão de crédito?

— Por que isso agora, amor?

—  Você sabe muito bem.

—  Se você quer comprar alguma coisa, é só me pedir. Eu compro para você.

—  Eu não quero comprar nada.

— Vai fazer o que com o cartão então?

— Picadinho.

—  Tá maluca?

—  Eu que estou maluca? Você compra cinco camisas do Flamengo e quatro óculos e eu que estou maluca? Eu vi na fatura.

—  Mas não foram cinco camisas iguais. Elas são bem diferentes aliás. E são perfeitas pra usar na academia!

—  Você precisa se tratar. É sério. Tá virando uma compulsão.

—  Desculpa, amor. Se você quiser eu mando devolver tudo quando chegar.

—  Sério?

— Se é importante para você, eu devolvo. Só tem uma coisa. Os óculos são para você. Era para ser uma surpresa. Eu só comprei quatro porque queria que cada um combinasse com uma das suas bolsas preferidas.

—  Sério?

—  Sério.

—  Bom, se você acha que pode pagar e que o dinheiro não vai fazer falta agora. Dessa vez passa. Mas se controla. Tá bem?

—  Claro.

—  Toma aqui a sua carteira.

—  Valeu.

—  Te amo.

—  Eu também.


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terça-feira, 4 de novembro de 2014

Note from Tijuca National Ministry Facilities Park in Rio de Janeiro

Por Rec Haddock


Devo admitir que houve uma época em que fui assessor parlamentar, ainda que num passado longínquo. Sempre tive algum talento diplomático e naquela época ainda podia utilizá-lo: eu era bastante útil em matéria de fazer arranjos para aprovar leis. Hoje - quando a comunicação entre nós é essencialmente digital e robôs falam com a voz que antes apenas seres conscientes tinham - fico perdido em meio a tantos canais, e vejo que virei inútil.

Falo apenas para leitores que não vejo, neste openjoulying melancólico. Mas esta entrada não é para tratar disto.

Hoje venho falar (quem dera que isto fosse falar) sobre as leis e costumes que nos impõe que não sejamos nós e sim quem se espera que sejamos, o que, no fim das contas, é o dever de todo político: moldar as atitudes e vontades individuais em prol do que se acredita que seja o bem maior para todos os cidadãos de uma nação.

Pois bem.

Quando eu estava no Senado Federal, passei uma lei que hoje, 60 anos depois, está sendo revogada. A tal lei garantia que todo ser humano brasileiro, ao completar 21 anos poderia escolher o seu nome. Se ele quisesse manter o seu, poderia, mas se quisesse mudá-lo também poderia. Mais do que atender a Clédstons e Jhonniestons, a lei tinha o claro propósito de facilitar a vida do jovem transexual ou crossdresser que tinha de enfrentar um desgastante processo civil toda vez que gostaria de ver no extinto RG um nome correspondente à orientação sexual que seus pais não tinham como reconhecer em um recém-nascido.

Com o tempo, a lei denotou a presciência dos seus redatores – a modéstia me obriga a salientar que foi uma presciência que previu o que aconteceria até um futuro a médio prazo, apenas – e fez parte de um movimento ainda mais amplo. Dentro de um contexto onde os jovens brasileiros se politizaram e passaram a reconhecer o seu papel de protagonistas no futuro da nação – estes mesmos que agora são os novos coronéis da política e legislam em favor dos seus próprios umbigos-centro-do-universo – a lei serviu para que os jovens adotassem nomes que bradassem o que de fato eram ou queriam ser.

Forte de Albuquerque, Águia Meniscepal, Tupã Magalhães e Fogo Fátuo Silveira são exemplos de uma cultura que se instalou entre os jovens que remete às nossas mais verdadeiras raízes indígenas. Somada à uma diversidade de outras medidas, propiciou o que hoje entendemos como Cultura de pré-Identificação Digital, ou “C PID”, como chamamos mais comumente.

A princípio, hoje, pode parecer uma lei inútil e sem propósito (ou é isso que os parlamentares que a derrubaram insistem em afirmar), afinal, qual é a diferença que faria modificar o nome civil se é possível mudar o seu avatar ao seu bel-prazer?

"Na época de sua aprovação a pertinência da lei 0056/3 de 2015 não poderia ser questionada, com todas as confusões causadas pelo movimento transgênere, conhecido pelo caráter subversivo de seus conceitos. Hoje, esta lei só contribui para o acúmulo de normas prescritas na prática que insistem em pesar o judiciário com sua teoria ultrapassada". Cito o excrementíssimo Deputado Federal Lofre Buba, senhor conhecido por sua luta contra os direitos individuais dos outros, em prol do seu individual sem escrúpulos.

Eu, claramente, discordo da visão do Deputado. A questão da escolha é fundamental. O livre-arbítrio de ser quem se é ou de ser quem se quer ser é fundamental em qualquer sociedade que preze pela constituição de seus indivíduos, na medida em que, a partir do momento em que esse direito lhe é retirado, ele passa a ser apenas o que se quer – o outro quer – que ele seja. Talvez hoje em dia, o conceito tenha caído em desuso, mas o nome das coisas devem representar quem elas são em seu âmago mais imutável. Todos devem ter o direito de se dizer o que quer que queiram e participar dos movimentos que se chamem como querem que se chamem. E nada nem ninguém deveriam se colocar no meio disto.

Estou mesmo muito ultrapassado ao acreditar que as pessoas possam querer construir uma autoimagem individualizada no âmbito carnal? Será que somente o digital – e, portanto, o que os outros veem ou sabem a nosso respeito – importa hoje em dia? Não vejo como uma sociedade pode conseguir se sustentar sem que seus integrantes se vejam olhos nos olhos? Mesmo que fossem eyescopes.

E, entrando no mérito de trocar partes saudáveis do seu corpo por partes biônicas, será que não trocamos também a nossa humanidade por um pragmatismo robótico?


Talvez a nossa ânsia de nos manter vivos e saudáveis, longe de doenças, presos em cápsulas herméticas, esteja nos fazendo simplesmente menos humanos. Nem tudo pode ser gente. Nem mesmo toda gente o pode.



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