Cada dia da nossa vida é de um jeito. Sem regras ou com regras.
De qualquer forma, nada é igual.
Aqui cada dia é dia de um texto diferente.
Quer sair da rotina? Fica com o Salada!

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Realidades

Por Amanda Leal


Acordo de um sonho esquisito, levanto da cama e meu coração bate a mil por hora. Nele meus amigos morriam com vários tiros  dentro de um prédio residencial que virava uma casa de festas infantis. Homens armados entravam e atiravam em todo mundo. Não tinham medo de mostrar o rosto e também não tinham misericórdia.

 Eu escutava tudo de dentro de um armário. Ficava ali por horas esperando que ninguém me visse, mas eu tinha mesmo um papel invisível naquilo tudo. Meu papel era assistir ao sonho e narrá-lo pra quem eu encontrasse depois.

No fim, quando já estavam todos mortos, a polícia aparecia e matava os bandidos. Parte do sonho em que (com certeza) fui influenciada pela minha paixão por séries policiais.  Os corpos de bandidos e vítimas ali no chão e eu passando como uma mulher invisível entre eles, carregando a mesma sensação de tristeza que milhões de famílias brasileiras já sentiram nessa vida. Sem ao menos eu ter passado por isso.



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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Carnaval fora de época

Por Bernardo Sardinha

Ela se entregou totalmente àquele beijo roubado e os dois, enrolados em uma bandeira do Brasil, se afastaram da multidão que se aglomerava em frente à residência do governador, no Leblon, para se conhecerem melhor. Ele fazia engenharia, tinha 20 anos e dois graus de miopia em um olho. O mais importante de tudo, era o hipster mais gatinho que ela já conheceu.

 De longe observaram juntos aquele mar de pessoas, com cartazes irreverentes e máscaras, que cantavam e pediam a cabeça do governador. Para ela, faltavam apenas o confete e as serpentinas, porque até um amor de carnaval ela havia encontrado naquela noite. 


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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Às Quartas – Parte 1

Por Marcela de Holanda

Sentou no banco da praça como sempre sentava às quartas, sempre naquela hora. Esperou por cinco minutos. Será que ele não apareceria? Mas lá veio ele correndo, suado e sentou ao seu lado como de costume. Com a respiração ofegante, ele parecia até que estava prestes a falar alguma coisa, mas abriu um livro. Ela já estava com o seu.

Há três meses, repetiam esse ritual e nunca tinham trocado nenhuma palavra. Só ficavam ali, lado a lado, por mais ou menos uma hora, conscientes da presença um do outro. Nessa quarta, ela sentiu que ele não estava bem, mas não tinha coragem de quebrar o silêncio mágico daquele momento. Tinha medo de perdê-lo se falasse.

Ela o amava. Esperava a semana toda por aquela horinha. E ele devia sentir alguma coisa por ela também já que era impossível que a sua presença fosse mera coincidência. Pouco antes de 13:00, percebeu que ele estava chorando. Quis consolar, quis perguntar, mas não conseguia nem olhar para o lado.

Ele se levantou, se afastou e só aí ela se virou. Trocaram um olhar pela primeira vez e ele se foi. Reparou que ele tinha esquecido o livro no banco. Preferiu guardar do que correr atrás dele. Na quarta seguinte devolveria e, quem sabe, ele agradeceria.



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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A 30 por hora

Por Rec Haddock

INT. SALA DA CASA DO DON - MANHÃ
AVI está sentado no sofá, assistindo, sem interesse, a um documentário na TV, com cara de quem não dormiu a noite toda. DON entra comendo cereal com leite. Repara em Avi no sofá.

DON
A Bia já tá fazendo uma pressão.

AVI
Você está me expulsando?

DON
Não, Avi! Que isso?

AVI
Eu vou pegar as minhas coisas.

DON
Assim não. Você só sai daqui com seu problema resolvido. Você falou com a Zoé?
Avi faz que não com a cabeça.

DON (CONT’D)
Porque você não liga pra ela? De repente vocês fazem as pazes e você pode voltar pra casa.
O telefone de Avi toca alto. Don se assusta e derruba o leite do cereal em si.

DON (CONT’D)
Merda!
Avi pega o telefone, que estava ao seu lado, no sofá, e vê quem está ligando. Na tela do celular está escrito: “Zoé ligando”. Ele mostra o celular pra Don.

DON (CONT’D)
Atende!
Avi atende ao telefone.

AVI
Oi! (Pausa) O que? Você já ligou pro Dr. Silvio? (Pausa) Eu to indo praí, amor. Faz o seguinte: deita, respira e fica calma. Eu cuido de tudo. Qualquer coisa me liga.
Avi pega as chaves do carro de Don sobre o aparador da sala e joga-as pra ele, agitado.

AVI (CONT’D)
Me leva pra casa.

DON
O que aconteceu?

AVI
A bolsa estourou.
Avi pega sua jaqueta, e coloca sobre o pijama. Saem, apressados. O cereal, ainda por comer, fica sobre a mesa da TV, ligada no documentário.

CORTA PARA:
EXT. RUA MIGUEL PEREIRA, HUMAITÁ - MANHÃ
Uma placa de limite de velocidade de 30 km/h indica o limite da via. Sobre a pista, insere-se digitalmente, o título do curta. O carro do Don passa na via e o título some.

AVI (O.S.)
Ela entrou em trabalho de parto com menos de sete meses de gravidez. (Pausa) Eu pago uma fortuna pra vocês. Se minha esposa e meu filho morrerem quem vai se responsabilizar?

CORTA PARA:
EXT. CARRO DO DON - CONTINUOUS
Avi está ao telefone, sentado no banco do carona. Don está dirigindo o carro, olhando, ora para a pista, ora para o Avi.

AVI
Você vai mandar uma ambulância para minha casa agora. (Pausa) Epitácio Pessoa 1832/101 Lagoa.
Avi desliga o telefone, com dificuldade, porque suas mãos tremem.

DON
Vão mandar a ambulância?
Avi acena que sim com a cabeça, com os olhos focados na pista à sua frente.

DON (CONT’D)
Então tenta manter a calma.
Avi fuzila Don com o olhar.

DON (CONT’D)
Ficar nervoso não vai te levar a lugar nenhum.
Avi desvia o olhar para a sua janela. Suspira. Estão no carro em silêncio.

AVI
Você tem razão. Desculpa. É que tem tanta coisa em cima de mim, que eu acabo explodindo com as pessoas erradas. Você pode ir mais rápido?

DON
To no limite.

AVI
No limite estou eu, Don. Tá foda com a Zoé. Ela não me respeita. Fica fazendo umas brincadeirinhas babacas, sabe?
Don concorda com a cabeça com o que Avi está falando, alternando o olhar entre Avi e a pista.

AVI (CONT’D)
Faz três dias, ela pôs sal no meu café. Ela tinha jurado que não ia fazer mais isso.
Quando Avi está terminando de falar, Don está olhando para ele. Volta a olhar para a pista, mas interrompe o movimento no caminho e volta a olhar para Avi, incrédulo.

DON
Foi por isso que você saiu de casa?

AVI
Como eu posso confiar numa mulher assim?
Don para o carro e começa a bater em Avi.

DON
Seu babaca! Você ficou alugando o meu sofá por três dias por causa disso?

AVI
Ela mentiu pra mim! Ai! Para!
Don para de bater em Avi.

DON
Olha só. Por alguma razão que eu não entendo, eu gosto de você. Então eu vou te ajudar a salvar o seu casamento. Você precisa entender que a Zoé é uma mulher maravilhosa. Deixa de ser babaca. Se você não se levar menos a sério e lutar pelo seu casamento, ela vai arranjar outro assim, ó.
Don estala os dedos.

DON (CONT’D)
Você está me entendendo?
Avi faz que sim, com a cabeça, efusivamente. Ele está claramente assustado, seus movimentos estão todos interrompidos, e ele está olhando ora pra pista, ora para o Don.

AVI
Você pode voltar a dirigir? A Zoé tá parindo.
Don volta a dirigir o carro. Eles ficam em silêncio por um tempo.

DON
Sal no café... Puta que pariu.

AVI
A Bia nunca te encheu o saco a ponto de você querer sair de casa?

DON
Claro que sim. Mas relacionamento é isso aí. A gente tem que passar por cima se quiser que dure.
Eles ficam em silêncio no carro.

AVI
Passar por cima de qualquer coisa?

DON
Qualquer coisa! Qualquer...
Don vê a sua namorada, Bia, na rua com um amante, Eli. Eles estão trocando carinhos e carícias explicitamente. Don perde toda a força da fala.

DON (CONT’D)
Caralho...
Don ultrapassa os amantes de carro. Avi olha para trás, buscando entender o que causou a reação de Don.

AVI
Era a Bia?
O carro para num sinal vermelho mais a frente. Don coloca a mão sobre a trava do cinto de segurança, mas não o destrava.

AVI (CONT’D)
A Zoé tá parindo, cara. Vamos embora, por favor.

DON
Você pode ir sozinho.
Don não destrava o cinto de segurança. O sinal abre.

AVI
Eu não sei dirigir, Don.
Som de buzina.

AVI (CONT’D)
A Zoé tá precisando da gente.
Don engata a primeira e sai, com o carro. Eles ficam em silêncio.

AVI (CONT’D)
Você quer...

DON
Agora não, Avi!
Eles ficam em silêncio. Enquanto Don está completamente introspectivo, Avi não para de olhar para a pista, antecipando o momento do encontro com Zoé. O carro para num trânsito pesado. Avi, extremamente inquieto, começa a buzinar.

CORTA PARA:
EXT. LAGOA RODRIGO DE FREITAS. MANHÃ
Avi coloca o tronco para fora da janela, tentando descobrir até onde vai o trânsito, sem sucesso. Saindo pela sua janela, sobe no teto do carro, e fica de pé. Olha para frente e vê o trânsito interminável da Lagoa. Grita com o trânsito, mandando-o abrir para que ele possa passar, coisa que não acontece. Desesperado, olha para todos os lados, buscando um caminho, e vê a ciclovia. Pausa.

CORTA PARA:
EXT. CARRO DO DON. MANHÃ
Avi desce do teto do carro pelo para-brisa e pelo capô, e sai correndo pela rua em direção a ciclovia. Don reage.

CORTA PARA:
EXT. CICLOVIA DA LAGOA. MANHÃ
Os pés descalços de Avi correm pelo asfalto da ciclovia. Os passos grandes revelam braços apressados com mãos apertadas. O seu olhar expressa dor, angústia, ansiedade, medo, mas acima de tudo foco. Ele ultrapassa o enquadramento.

CORTA PARA:
EXT. PORTÃO DO PRÉDIO DO AVI. MANHÃ
Avi alcança o portão do prédio e o abre.

Continua...




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segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Como a chuva nos faz falta: o silêncio

Por Danilo Marcks

Foto de divulgação da peça 
" Como a chuva nos faz falta" . 2012


A – Eu tentei. Juro. Eu tentei muito mas não veio e é admirável o esforço que você fez pra tentar mudar.

B - Eu tentei. Eu tentei muito mas a cada batalha vencida parecia que vinha outra muito mais complicada.

A – É. Eu sei. Mas não fica triste. Você vale muito!

B - Muito como?

A – Você lutou pelo que acreditava. Pelo que sentia aí dentro.

B – Sozinho.

A – É sozinho. A gente às vezes ama quem não nos ama. É assim. É a vida.

B – Em silêncio.

A – Também. Sozinho. Em silêncio.


Continua ...




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domingo, 26 de janeiro de 2014

Unhas na carne

Por Halliny Lima

Arranhada
Alma acabada
Braço
Não quero que se desfaça
Laço
Entrou na carne
Arde
Torra o sangue
Ódio
Regando com mais
Ódio
Vontade de ficar bem
Juro
Vem
Esquece isso tudo
Olha
Quanta coisa você tá perdendo
Tá rasgado
Dentro
Abre seu coração
Sinta o vento
Molha
Mesmo que com a nossa lágrima
Deixa o sol entrar
Abre a sua cortina
Cura a nossa ferida
O braço está em brasa
O choro refresca a pele



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sábado, 25 de janeiro de 2014

O Mercador de um Olho Só

Por Rodrigo Amém

Acanhado e tosco, inacabado e pestilento, segue a pé, sob o relento, o mercador de um olho só. Manca e arfa. Quase canta, quase dança, o mercador de um olho só.
Viajantes e prostitutas, soldados e assassinos, são os clientes favoritos do mercador de um olho só. O povo que para, que pede e implora, que grita e que chora, procura e que acha o mercador de um olho só.
De sua bolsa de couro, as coisas que tira, os males que sara, as vidas que vira, as preces que ora, as peças que prega, as pragas que roga o mercador de um olho só. Quem escuta seus versos, segue seus passos, compra seus frascos, aplaude animado as profecias e mágicas do mercador de um olho só.
No caminho de casa, mulheres e homens, crianças e velhos, comentam e falam dos feitos e fatos do mercador de um olho só. E dormem tranquilos, sonham sorrindo: “Um dia, quem sabe. Serei mercador. Terei um olho. Só.”

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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Meu branco. Meu vazio.

Por Amanda Leal


Está quente lá fora. Sentei na frente do computador e nada me sai.  Sem ideias, sem saber por onde começar. O branco da tela ilumina o meu rosto e as páginas do meu dia. Nenhuma ligação no celular, nenhuma certeza, nenhum assunto.

Ouço uma música que toca lá longe, me lembra a nossa. Agora ela parece tão distante de mim, tão vazia, mas cheia de significado e lembranças. Meu branco. Meu vazio.

Só queria poder escrever tudo o que não consegui te dizer ontem e mesmo que essa carta nunca chegasse até você, ao menos sairia de mim. Minhas mãos não se mexem, nada sai. Branco no papel em branco.

As quatro da tarde a campainha toca e penso:  - Será novamente a chata do 302 falando do vazamento? Corro para entender, esbarro na escrivaninha e derrubo um copo de água. Ele quebra. Vou espumando de raiva para abrir a porta e quando vejo ali está você. Me quebro toda por dentro, me derreto por fora. Me esquento e sinto frio ao mesmo tempo.

Você me abraça, pede desculpas, eu digo que era eu quem deveria pedir. E você me beija e você me ama e você colore a minha vida, a minha tela em branco, o meu coração.



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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Mundo podre

Por Bernardo Sardinha

Cobal do Humaitá, sexta-feira à noite. Junto com uma torre de chopp, um jovem designer que trabalha para uma grande firma de comésticos, a qual não mencionaremos, contou uma história que deixou todos com a pulga atrás da orelha:

- Tô falando, eu perdi dois meses trabalhando, tentando bolar uma escova para a nova linha “teen” de utensílios de beleza. Após vários conceitos, protótipos, meu supervisor gostou de uma que eu batizei de Pinkteen. Adivinha que cor era? Rosa, delicada, com um cabo reto e anatomicamente perfeito para as mãos delicadas da princesinha que vai escovar suas lindas madeixas. As cerdas eram de pelo de javali, boa qualidade sabe? Porra! Eu pensava: “Aonde há lugar para inovação na area de design de escovas?”. Não estava muito motivado, sabe? Pois bem, entreguei a merda da escova e estava esperando um “ok” dos diretores da empresa. Depois de uma semana, fui chamado para uma reunião cujo conteúdo não me foi passado. Obviamente fiquei com o cu na mão e achei que ia ser demitido.

Quando chegou o dia da tal reunião minhas mãos suavam bicas e na sala só estava a diretora de produção e planejamento. Era uma loira gordinha com um terninho hiper comportado. Como ela estava com um sorriso na cara, eu me acalmei e consegui até conversar algumas amenidades até que ela começou a me rodear com perguntas sobre a escova, coisas como: “ pode fazer uma escova com menos cerdas?” ou “ponta mais tortinha”. Obviamente, eu disse sim a todas as alterações que ela sugeria. Mas lá pelas tantas me dei conta: “Cacete, essa escova está cada vez mais parecida com um vibrador.” E puta merda, e comecei a rir na cara da loira. Ela me perguntou o porquê de eu estar rindo, e eu, disse que era besteira minha e desconversei. Mas os pedidos estavam cada vez mais difíceis de atender, empunhadura esquisita, e detalhes estranhos. Então eu soltei logo: “porque você não me fala logo o que você tem em mente?” e ela disse: “Não é óbvio? Eu quero que essa escova se pareça com um pinto.”

  O amigo deu uma longa tragada no cigarro e deu um gole no chopp para molhar a garganta:
- Eu não sabia se ela tava falando sério, então eu dei uma risada achando que era uma piada. Nessas situações é sempre melhor achar que é uma piada. Então, ela séria como um oncologista me diz: “Uma pesquisa sobre os hábitos sexuais de meninas entre 10 e 18 anos mostrou que 30% utilizam ou já utilizaram objetos para se masturbar: canetas, pinceis, escovas... Afinal, a grande maioria não tem idade para entrar em uma sex shop ou um cartão de crédito para comprar em um site. Outra coisa, se você é uma adolescente, é muito mais fácil ter uma escova no fundo de uma gaveta do que um do que um vibrador. Esse é um mercado que cresce e nós queremos uma fatia dele.”

Ela contou a história do massageador da Hello Kitty. Parece que no Japão alguém teve a ótima idéia de fazer um massageador de bolso, algo pequeno, cilíndrico e que vibrava. Por algum tempo, ninguém sabia explicar muito bem o porquê do sucesso daquele simpático massageador. Quando descobriram, o estrago já estava feito e dezenas de milhares meninas já se divertiam com o simpático massageador. Dali floresceu a indústria dos “potenciais primeiros vibradores” ou vibradores escamotiados. Duvidam? Olhem as escovas de dentes eletricas. A parte de trás das cerdas parece anatomicamente favoravel para uma fricção não é à toa! Pois então lá fui eu com a missão de fazer uma escova de cabelo cujo cabo fosse anatômico, não só para a mão, mas também para bucetas. A cada mês eu mostrava um modelo novo que era levado para “teste”. Pensando agora, até imagino porque a minha chefe tem aquele sorrisso na cara. Então, após algumas tentativas frustradas de fazer uma escova anatomicamente superior, eu fiz o seguinte: tirei o molde em gesso do meu pau, lixei até parecer um cabo de uma escova, adicionei alguns detalhes de borracha e voilá!

De sua mochila, ele tira a tal escova e joga na mesa para que todos pudessem admirar.

- Não é muito grande – diz um colega.

- A buceta da sua filha também não – retruca irritado o designer que imediatamente continuou:  Adivinhem só? A diretora de produção e planejamento aprovou. Logo, vou estar dando orgasmos ou cabelos bem cuidados a milhares de adolescentes de imaginação fértil.

Todos ficaram em silêncio meditando sobre aquela história até que alguém propôs um brinde:

- A este mundo podre!

E todos erguemos nossos copos. 




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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Cai fora

Por Marcela de Hollanda

Fica longe de mim
Eu não te aguento mais
Tudo o que eu quero
É poder ser em paz

E também não ser
Quando melhor assim for
Sem a sua interferência
Sem você no interior

Quero poder sair sozinha
Sem ter que me preocupar
Quero também perder a linha
Sem você para regular

Não quero mais só voo baixo
Não faço questão de sair inteira
Quero achar o lugar onde encaixo
E poder ser plena da minha maneira

Não tolero a sua presença
O pior inimigo é o que não se vê
Te expulsar é difícil, mas compensa
Pois, medo, eu morro de medo de você.


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terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Dos sonhos que temos antes de dormir

    Por Rec Haddock 

        Das transcrições de sua narrativa, infelizmente, só foi encontrada uma parte. Das páginas 86 a 104. Por conta do caráter violento dos documentos recuperados, talvez isso seja uma benção.
              Você vai ler pra gente?
            Eu não poderia. Mesmo que quisesse fazê-lo, temo que uma sala de aula não seja o local apropriado para esse tipo de assunto. Agora, se vocês abrirem os seus livros na página 403,
              Eu posso falar contigo, rapidinho?
              Claro.
              Então me segue.
        Na página 403, vocês encontrarão uma descrição de sua morte, no cativeiro. Os manuscritos foram encontrados muito tempo depois, em uma gaveta trancada, no local onde fora encarcerado. Provavelmente, o autor da transcrição foi o próprio carcereiro, que pretendia assim
               Você não vem?
               Eu não posso te atender agora, Srta. Maria.
   Ela só precisou de um sorriso.
   Está bem. Mas que seja rápido.
  No corredor vazio, ecoou o som de prazer que as portas fazem quando são fechadas, mas não devem ser fechadas.
  Então, professor.
  Sim?
  Eu não quis contestar você lá dentro, pra não comprometer a sua autoridade.
 Se a Srta. tivesse me contestado lá dentro, eu poderia discordar dos seus argumentos em público.
  Mas aqui, sozinhos, a gente não precisa discordar, né?
  Ele ouviu passos ressoarem no corredor da Academia. Era a culpa. Ele sabia, mas não se importava. Ela ainda não tinha chegado.



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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Como a chuva nos faz falta: quando só se chove lá fora

Por Danilo Marcks


Em minha dramaturgia Como a chuva nos faz falta, que ficou em cartaz ano passado em Copacabana e Ipanema e que agora volta em forma de curta-metragem, tento explicar ao público como é lidar com o tal click pelo qual passamos quando percebemos que um amor não era amor.
Na peça, o casal vive uma relação onde nenhum dos dois sabe se ama o outro ou não. Ficam em dúvida o tempo inteiro. Apenas sabem o que têm: o presente. A relação. O entre.
Esse presente acaba virando passado e o casal tenta no futuro, a todo instante preservar aquele presente que agora é passado. Complicado? Não muito. O que acontece é que ambos não percebem e não conseguem reconhecer que o que viviam não era amor. Não era o tal do amor mútuo. Era cada qual com o seu amar. Não era a dois. Era de dois. E amor de filme não é assim. Amor de filme é de um. Um de único. De onipresente. De uma só força. É assim. É a vida


Continua...


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domingo, 19 de janeiro de 2014

Meu walkman vermelho te conta

Por Halliny Lima


Naqueles bancos
Diversas malas
Bianca, Júlia, Sabrina
Meu walkman vermelho
E eu
Tinha uns 9, acho
E na espera
Tietê
Lia, lia
E lia
Bianca me contou historias doces
Carameladas
Júlia,
paixões calorosas
Sabrina,
Contos de fadas
E meu fone no ouvido
Conectado em alguma FM
De 1993.
À expectativa da viagem
Outra já havia começado
Aquelas da Bianca
Umas da Júlia
Outras da Sabrina
E as próximas
Transloucadas
E românticas.
Mas olha
Ainda me lembro
De ouvir ABBA
Será que tinha fita cassete?
Meu vermelhinho era moderno
E ouvia Fernando, Chiquititas
Eram as companhias também
Até pegar estrada
Fechar o livro
Abaixar o volume
Deslizar as malas
E voar.


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