Cada dia da nossa vida é de um jeito. Sem regras ou com regras.
De qualquer forma, nada é igual.
Aqui cada dia é dia de um texto diferente.
Quer sair da rotina? Fica com o Salada!

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Menu do dia

Por Marcela de Holanda


— Eu vou querer esse camarão e uma salada da casa. Você já sabe o que vai pedir?



— Sei.



— Então, chama o garçom, por favor.



— Ainda não.



— Por que não? Eu não comi nada o dia inteiro.



— Eu chamo já. Mas meu pedido não é para ele. É para você.



— Para mim? O que é?



— Eu quero que você me ajude a vender meu apartamento.



— Vai vender? Mas ele é tão bom. Você adora aquele lugar.



— Eu sei. Mas ele não me serve mais e eu vou precisar da grana.



— Bom, te ajudo, claro.



— Não vai me perguntar porque ele não me serve mais?



— Se você quiser me dizer.



— Eu vou me mudar.



— Espero que sim. Se você vender e continuar lá a gente vai ter um problema.



— Gracinha. Eu quis dizer do país.



— O que? Por que? Quando?



— Assim que eu conseguir resolver as coisas por aqui. Mas no máximo em três meses. Me ofereceram uma vaga na filial de Barcelona.



— Uau. Que máximo, Igor. Parabéns.



— Obrigado. Acho que pode ser uma boa oportunidade. 



— Ah, com certeza. E quem sabe assim você consegue esquecer a Mariana de vez.



— Eu já esqueci, Carol.



— Se você diz... Vou sentir saudades de você. Mas quem sabe eu não vá te visitar um dia? Eu sempre quis conhecer Barcelona.



— Sobre isso, eu gostaria que você me ajudasse a achar um apartamento lá.



— Você quer que eu vá até a Espanha para te ajudar a escolher um apartamento para você?



— Na verdade, não.



— Você quer que eu ajude vendo as fotos daqui?



— Também não. Eu quero que você voe até lá comigo e ache um apartamento para nós dois.



— O que?



— Eu quero que você esqueça que eu já fui um babaca de achar que era melhor a gente continuar só como amigos. E que você saiba que eu nunca fui tão feliz quanto nos meses em que nós fomos mais que isso. Eu quero que você esqueça o que eu te contei sobre as outras que vieram depois. Eu quero que você largue tudo e venha comigo. Eu quero que você confie que a gente vai dar um jeito nas coisas. Eu quero tentar de novo. Eu quero que você venha comigo para Barcelona como minha mulher. Ninguém me entende como você, ninguém me faz sorrir como você me faz, ninguém faz um brigadeiro tão gostoso quanto o seu nos dias de chuva, ninguém sabe melhor que você os filmes e as músicas que eu vou gostar, ninguém mais tem coragem de espremer os cravos das minhas costas, ninguém mais me diz a verdade não importa o quanto ela seja dura. Eu te amo, Carol. Eu tive medo de admitir porque eu não queria te perder. Porque eu sempre estrago tudo com as mulheres. Você sabe melhor que ninguém. Mas eu vou fazer o possível para não estragar dessa vez. Você embarca comigo nessa?



— Com licença, os senhores já sabem o que vão pedir?



— Sim.



— Para mim ou para ele?



— Para ele, Igor. Eu vou querer um camarão com uma salada da casa e pro cavalheiro aqui um frango à milanesa com batatas, por favor.



— Alguma coisa para beber?



— Vocês têm espumante?



— Temos, sim, senhora.



— Uma garrafa, por favor.



— Espumante? Então, é uma comemoração. Você aceita o meu pedido?



— Você disse que te deram três meses. Eu te dou dois meses para me fazer feliz a ponto de largar tudo. Pode começar.


      
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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O primeiro amor de um homem

Por Rec Haddock

Aos quinze anos de idade, O Rec se preparou para a escola. Era uma manhã comum de outono, no dia 12 de Outubro. O ano letivo começara uns meses antes, em Agosto, e aquele prometia ser um dia sem novidades. Cinza, frio e tedioso.

O trajeto de bicicleta foi marcado por um incidente incomum até para O Rec, acostumado a ver coisas que os outros não eram capazes de enxergar:  na ciclovia, à sua frente, um homem de vinte e poucos pedalava, quando uma mulher mais bonita que a maioria passou por eles pela esquerda, na contramão, também de bicicleta. O homem à sua frente ficou hipnotizado por aquela presença, e olhou fixamente para a bunda que se afastava.

No sentido contrário, vinha outro homem de vinte e poucos que olhos atentos diriam ser igual ao que ia afrente dO Rec. Previsivelmente, também ficou hipnotizado por aquela presença e fez o que os homens fazem. Torceu seu pescoço e olhou para a bunda da qual se afastava.

O que nenhum dos iguais viu foi o seu reflexo. Bateram de frente, cada qual caindo da bicicleta com um estrondo e uma coleção de ferimentos variados. O Rec conseguiu evitar os colisores sem dificuldade, tendo previsto o acidente.

Sem mais, chegou à escola. Lá não incomodou nem foi incomodado, como de costume. Sentou-se ao fundo e dormiu boa parte do dia, com a cabeça apoiada nos braços, sobre a mesa. Se havia alguma coisa em que O Rec era bom a ponto de se tornar um prodígio, esta coisa era sonhar.

A princípio tomou aquilo justamente por um sonho. Depois achou estar alucinando. A mulher da bicicleta estava na sua sala. Acordando ele. A princípio O Rec não conseguiu associá-la ao ocorrido mais cedo, mas depois reconheceu a bunda.

- Que merda é essa, garoto? Você acha que isso é um spa? Se você queria dormir não devia andar tão rápido de bicicleta vindo pra cá – ela disse. Depois piscou um olho para O Rec e deu uma mordidinha no lábio inferior, o que só contribuía para a teoria de que ele estava sonhando ou alucinando. Além de reconhecê-lo, tentava seduzi-lo?

- Como eu ia dizendo, a dona Adélia não vai poder dar as suas aulas de química por um mês e meio, e durante este tempo, vocês vão ter que me aturar no lugar dela. O cabelo dela é suave como a lábia de um cafajeste. Vocês estão muito atrasados na matéria... Os olhos são profundos como só o corte de uma navalha... aldeído mais conhecido é o metanal... Sua boca é tão tentadora quanto a corrupção... nada a ver com qualquer trocadilho que possa estar passando na sua mente. O sorriso é fácil como roubar doce de criança... na página 37 do livro didático... O pescoço é longo como os minutos na cadeira do dentista... entender as reações que acontecem nos nossos cérebros. É por isso que os homens agem como neandertais.

- Eles acham que são mais civilizados que os outros, mas são só reflexos involuntários, muitas vezes preconceituosos, machistas e retrógrados, de reações químicas que acontecem aqui – ela bateu uma vez com o dedo indicador na testa dO Rec.


Parou de divagar. Podia ter se sentido ofendido, mas o Rec reconheceu verdade naquelas palavras e naquele dia, ele não voltou a dormir nem na escola, nem na sua cama, à noite.



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segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Ranger de dentes

Por Rodrigo Amém


A babá fez o melhor que pôde para suturar o pé de Edgard, um mindinho a menos. Mas faltou anestésico, faltou gaze, faltou hospital. E toda vez que ele precisava pisar no freio, a dor latejante gerava movimentos bruscos do automóvel.  A mandíbula de Edgard ardia de tanto ranger dentes. A freada acordou Sarah.

A menina tentou se sentar no banco traseiro. As mãos amarradas nas costas tornaram a tarefa ligeiramente mais difícil. O saco de estopa que cobria sua cabeça pinicava seu rosto e suas orelhas. Somente as luzes difusas dos carros penetravam sua cegueira improvisada.

Pelo retrovisor, Edgard percebeu que a sua refém estava consciente.

-       Fica deitada. – disse ele, num tom seco.

Sarah reconheceu aquela voz. Era o homem que, dois dias atrás, tinha entrado no seu cativeiro com um facão, tirado o sapato e cortado o próprio dedo fora. Sarah gritou diante daquele horror todo, aquele sangue todo. Mas depois ela entendeu que o homem tinha feito aquilo para poupá-la. Então Sarah ficou ainda mais confusa.

Por que alguém – principalmente um bandido, um homem mau – faria isso? Por que cortar o próprio dedo para não ferir uma vítima. A menos que fosse a única alternativa. A menos que ele precisasse sair daquele quarto com um dedo decepado, caso contrário alguém menos piedoso viria fazer o serviço. A menos que esse bandido não fosse um homem tão mau assim. Sarah sentiu-se ligeiramente mais segura na presença daquela voz.

- Pra onde a gente está indo?

- Seu pai pagou. Você vai pra casa. Abaixa.

- Obrigada, moço.

- Fica abaixada. Não vou dizer de novo.

Sarah deitou no banco.  Um celular tocou.

-       Fala. – Atendeu Edgard.

-       Ele chegou. – disse a voz do outro lado.

 -       Tá tudo tranquilo?

-       Tudo. Não tem truque, não. Pode vir. – respondeu Léo.

Edgard desligou e acelerou, rangendo os dentes.



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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Pequenas Confissões - texto 8- Pombinha branca

Por Amanda Leal





Era onze e meia quando decidi puxar uma cadeira e conversar com Deus. Certa de que eu estava fazendo o melhor pra minha vida eu comecei a desabafar, eu não podia mais ser a mesma em 2015. Sentada eu estava confortável demais, ainda estava fácil pra mim...Eu não tinha saído da minha zona de conforto e foi então que eu resolvi ajoelhar. Por mais desconfortável que fosse eu precisava fazer um sacrifício, tudo fluiu melhor depois daquilo. Eu sabia exatamente o que dizer e por onde começar. 

Pedi fortemente que no novo ano eu me tornasse uma pessoa melhor, que pudesse compreender com mais facilidade os meus tropeços e não me julgasse tanto, pedi que minha vida fosse mais divertida, pois eu havia sentido que em 2014 eu não tinha rido demais. Pedi que minha paciência pudesse ser grande e que minhas TPM'S fossem brandas e que não atingissem ninguém, se não a eu mesma. 

Então, como que numa revelação eu comecei a visualizar o ano que queria: um emprego que eu gostasse, uma casa simples que eu pudesse pagar, a família tranquila e estabilizada financeiramente. Na verdade o que eu visualizava ali era bem diferente do que eu mesma sonhara até então. 

Em 2014, eu havia pedido muito dinheiro, um carro, um apartamento de cobertura, uma festa de casamento incrível e um emprego que fizesse de mim muito bem- sucedida. Tomada pelo desespero em conseguir tudo isso eu acabei não conseguindo nada, não sai do lugar. Fiquei parada à espera de um milagre. 

Com o coração cheio de emoção, eu fui sincera e desabei em silêncio e profunda concentração. Podia sentir uma energia boa naquela noite, não só por conta da virada do ano, mas uma energia especial, energia essa que eu não sentia há um tempo. Só abri os olhos quando os fogos começaram e quando meus amigos e parentes me abraçaram e desejaram feliz ano novo. 

Na janela, vendo os fogos refletirem no mar o meu amor me abraçou tão forte que eu poderia ficar assim por horas sem me mexer. Foi uma sensação de completude e de paz tão deliciosa quanto à brisa da manhã. E como que num passe de mágica, uma pomba branca passou na nossa frente na janela do décimo andar. Não sei se assustada com os fogos e desesperada para encontrar abrigo nas coberturas dos prédios da cidade, ou se porque simplesmente veio colorir o cenário a nossa frente. 

Tudo ficou mais bonito a partir daquele momento, voltei a sentir certeza de mim mesma e vi que muita coisa já havia se modificado naquele comecinho de ano. Levantar da cadeira e ajoelhar foi apenas o início, olhar para trás e enxergar o tanto que já deu certo e o tantão que ainda precisa mudar foi mágico. 

Revi minha vida e fiquei feliz,estou caminhando. Sei que não foi à toa que Deus me chamou para conversar, acho que 2015 vai ser o ano! E por mais que a maioria diga que a pomba branca estava ali por acaso, eu tenho sérias desconfianças. Deus sabe de todas as coisas...


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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O especialista

Por Bernardo Sardinha


Estou com o cigarro ainda pendurado na boca quando um número desconhecido aparece no celular. Imediatamente penso: - “Mais um serviço…” - e fico na dúvida se atendo ou não.

Era uma semana atribulada, mal estava terminando um trabalho grande e chato e já tinha dois pela frente. Mas… Como gosto de ajudar as pessoas, eu atendo o telefone.

Coloco o telefone na orelha e pauso o vídeo de gatinhos que compartilharam comigo no Facebook. Do outro lado só escuto uma respiração pesada. Eu não digo nada, quero que ele comece o diálogo.

- Oi. A-alô?

Era um homem com jeito de uns 20 tantos anos…

- Com quem deseja falar? - digo ríspido.

- Me deram esse telefone… Um amigo disse que você p-pode… Pode me ajudar…

- Depende da ajuda.

- Eu... Eu a quero fora da minha vida.

Ficamos em silêncio por alguns segundos. Eu vendo o vídeo de gatinhos e ele soluçando do outro lado da linha.

- Você está bêbado? Porque se estiver é melhor ligar outra hora.

- Quero que ela suma. Sem rastros dela na minha vida. Você consegue?

Suspiro fundo. Conto até dez.

- Alô? - diz o pobre coitado achando que eu desliguei.

- Quanto tempo vocês estão juntos?

- Seis anos.

- Amigos em comum?

- Uns 300…

- Nossa…

- Namoramos desde o segundo ano...


Ele volta a chorar e eu falo o preço salgado do meu trabalho, o que imediatamente faz ele parar.

- Tudo bem. Pode fazer…

     - Tem certeza? Uma vez que eu…

- Pode fazer porra - disse ele virando homem do nada e me surpreendendo.

- Ok. Me dá a senha do seu e-mail e Facebook. Se tiver outra rede social eu vou cobrar um extra. Vou apagar todas as mensagens e desmarcar você de todas as fotos. O que nesses seis anos eu presumo que sejam umas...O quê? Oitocentas fotos? Mas depois vai parecer que ela nunca esteve na sua vida.

- Tá. Quando você começa?

- Estou terminando um serviço agora e tenho outro amanhã. Devo começar o seu no sábado. Este cliente que to trabalhando agora tinha Instagram e Myspace, então já viu né? Muito trabalho! Vou te mandar uma mensagem com o número da minha conta para você depositar.

- Ok. Obrigado - o garoto responde fanhoso.


Desligo o telefone. E continuo a apagar foto a foto do cliente com sua ex no laptop dele. Esquecer alguém nunca foi tão difícil quanto hoje em dia. E nem tão caro.




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Pisca Pisca

Por Marcela de Holanda




É preciso abrir os olhos para ver

Que parado não se sai do lugar

Que a escada da vida não é rolante

Que o tamanho do nosso mundo é a gente que faz

Que há beleza em quase todo canto

Que feliz é quem não se acomoda na tristeza

Que o depois pode não chegar e a toda hora tem um agora

Que é melhor viver flor do que pedra

Que para conseguir é necessário tentar

É preciso fechar os olhos para ver

Que não é preciso uma ventania para refrescar um coração

Que você precisa achar as perguntas antes das respostas

Que solidão é a falta de contato consigo

Que para dentro há um infinito inexplorado

Que ninguém te tira o que foi bem guardado

É preciso amor para olhar

Ou só se enxerga, sem ver.


      
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