Por
Rodrigo Amém
Meu
nome é Flávio. Tenho 53 anos. Nenhum filho, nenhuma família. Trabalho no
shopping, mas não me orgulho disso. Sou vigia do banheiro masculino. Minha
função é ficar aqui, de braços cruzados, ao lado da pia. Só tenho que olhar.
Olhar
homens urinando, defecando, espremendo espinhas em frente ao espelho. E eu lá.
Não é preciso experiência. Não é preciso formação. Basta ficar ali, parado,
durante oito horas por dia. Um salário. Para quem não tinha nada, um grande
negócio.
Muita
gente se pergunta o porquê de eu estar ali. Bem, é um banheiro público. Está
sujeito a vandalismos, depredações e, é claro, depravações. Uma vez eu pequei
duas bichas se chupando dentro do toillet para deficientes. Imediatamente
coloquei aquelas bonecas pra correr. Também, foi uma vez só. A maior parte do
tempo é apenas tédio e odores desagradáveis.
Antigamente
eu ainda tinha a atribuição de entregar o papel para que os clientes secassem
as mãos. Agora, instalaram essas máquinas de ar quente, que não enxugam nada.
Tentaram fazer-me obsoleto. Mas eles não podem me demitir. O que seria do
banheiro masculino sem mim?
Pichadores
emporcalhando as paredes, crianças entupindo os vasos com papel higiênico,
bichas se chupando a qualquer hora do dia ou da noite. Não. E que cliente se
sentiria confortável num vaso sabendo que uma câmera vigia cada movimento seu?
É preciso um profissional de sutil significância para estar ali, atento, sem
causar uma prisão de ventre psicológica no cidadão.
Infelizmente,
como tantas outras profissões, muitos não reconhecem minha importância. Não me
valorizam. Alguns vendedores, que trabalham há anos no shopping, e
que vêm aqui defecar todo santo dia, ainda têm o descaramento de não me dirigir
nem um "bom dia". Logo eu, que os conheço pelo cheiro. Que os conheço
melhor que seus melhores amigos. Que sei seus horários, suas manias. Conheço
seus podres, literalmente.
O Dr. Gustavo, por exemplo. Faz parte da
diretoria. Gente graúda aqui. Nem sabe o meu nome. Mas eu sei o dele. Sei que
ele come a feijoada do restaurante toda quarta-feira, mesmo com o desarranjo
que ela lhe provoca na quinta. São sete, oito vezes. O banheiro todo fica
empesteado. Ele sai suando frio, arfando... Mas na quarta seguinte
ele tá na feijoada de novo.
Fui
eu quem chamei a ambulância quando o Luiz teve aquela crise de pedra no rim.
Ele tentou a todo custo urinar, saiu sangue e o diabo. Gritou, chorou, até que
caiu desmaiado, segurando o bilau. O dele, é claro. Pergunta se ele veio me
agradecer. Qual o quê!
É
assim é que eu vivo. Eu sou o guardião dos incontinentes, o observador dos
mictórios, o zelador das descargas, o Maitre do lado de lá, o senhor dos vasos
sanitários, o anjo da guarda das fezes alheias. E, enquanto eu estiver aqui, o
cliente terá paz para evacuar no recinto.
Neste
réveillon, desejo a todos ótimas entradas e melhores saídas. E, apesar dos
pesares, acredito que o ano novo será a mesma merda de sempre. Se Deus quiser.
Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Rodrigo Amém e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização do autor. Entre em contato conosco para maiores informações.
Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Rodrigo Amém e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização do autor. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela gentileza! Aguardamos a sua volta.