Cada dia da nossa vida é de um jeito. Sem regras ou com regras.
De qualquer forma, nada é igual.
Aqui cada dia é dia de um texto diferente.
Quer sair da rotina? Fica com o Salada!

Quintas do Bernardo

O especialista
       Por Bernardo Sardinha


Estou com o cigarro ainda pendurado na boca quando um número desconhecido aparece no celular. Imediatamente penso: - “Mais um serviço…” - e fico na dúvida se atendo ou não.

Era uma semana atribulada, mal estava terminando um trabalho grande e chato e já tinha dois pela frente. Mas… Como gosto de ajudar as pessoas, eu atendo o telefone.

Coloco o telefone na orelha e pauso o vídeo de gatinhos que compartilharam comigo no Facebook. Do outro lado só escuto uma respiração pesada. Eu não digo nada, quero que ele comece o diálogo.

- Oi. A-alô?

Era um homem com jeito de uns 20 tantos anos…

- Com quem deseja falar? - digo ríspido.

- Me deram esse telefone… Um amigo disse que você p-pode… Pode me ajudar…

- Depende da ajuda.

- Eu... Eu a quero fora da minha vida.

Ficamos em silêncio por alguns segundos. Eu vendo o vídeo de gatinhos e ele soluçando do outro lado da linha.

- Você está bêbado? Porque se estiver é melhor ligar outra hora.

- Quero que ela suma. Sem rastros dela na minha vida. Você consegue?

Suspiro fundo. Conto até dez.

- Alô? - diz o pobre coitado achando que eu desliguei.

- Quanto tempo vocês estão juntos?

- Seis anos.

- Amigos em comum?

- Uns 300…

- Nossa…

- Namoramos desde o segundo ano...


Ele volta a chorar e eu falo o preço salgado do meu trabalho, o que imediatamente faz ele parar.

- Tudo bem. Pode fazer…

     - Tem certeza? Uma vez que eu…

- Pode fazer porra - disse ele virando homem do nada e me surpreendendo.

- Ok. Me dá a senha do seu e-mail e Facebook. Se tiver outra rede social eu vou cobrar um extra. Vou apagar todas as mensagens e desmarcar você de todas as fotos. O que nesses seis anos eu presumo que sejam umas...O quê? Oitocentas fotos? Mas depois vai parecer que ela nunca esteve na sua vida.

- Tá. Quando você começa?

 - Estou terminando um serviço agora e tenho outro amanhã. Devo começar o seu no sábado. Este cliente que to trabalhando agora tinha Instagram e Myspace, então já viu né? Muito trabalho! Vou te mandar uma mensagem com o número da minha conta para você depositar.

- Ok. Obrigado - o garoto responde fanhoso.

Desligo o telefone. E continuo a apagar foto a foto do cliente com sua ex no laptop dele. Esquecer alguém nunca foi tão difícil quanto hoje em dia. E nem tão caro.



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Bips e bops
Por Bernardo Sardinha 






Escutei o salto da médica martelar firme o chão do corredor em meio aos bips e bops das máquinas do CTI.

Passava os dias me perguntando aonde tinha errado, o que eu tinha feito, para não ter uma visita sequer.

A enfermeira me disse que nos três dias em que passei em coma ninguém veio me visitar e por mais três dias fiquei abandonado à própria sorte.

Com a soma nociva de solidão e remédios pesados para dor, não estranhei quando o monitor cardíaco e os aparelhos que limpavam meu sangue começaram a trocar xingamentos.

Era um "Seu filha Bop da puta!" para lá, "Bip veado Bip" para cá.... 

Por tédio, embarquei na minha loucura e imediatamente mandei eles fazerem as pazes. Era apenas um desentendimento bobo sobre qual enfermeira era a mais gostosa, e a cada dose de morfina as conversas ficavam mais animadas e divertidas.

Quando o monitor cardíaco no meio do turno da noite, disse que a médica de plantão era do tipo que "fode gritando", não me contive e eu dei uma gargalhada bem alta.

Imediatamente a tal médica entrou com o cenho cerrado e me perguntou o que estava acontecendo. Diante do meu descontrole, sussurrei engasgado:

- "O monitor..."

Entendendo que eu estava reclamando do som dos aparelhos, a médica de sobrancelhas grossas cruzou a minha frente martelando seu salto alto e, prontamente, tirou o som dos meus únicos amigos.





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Nada além do óbvio

       Por Bernardo Sardinha


Irritada com os comentários de uma, agora, ex-amiga na rede social, se lançou a escrever ferozmente uma resposta. Ignorou as mensagens do celular, não escutou o telefone tocar, e “não ouviu” a campainha uma, duas, três vezes... Ela continuou a datilografar com fúria, e suas falanges batucavam incessantemente o teclado como num pandeiro.

Na tela fria de seu monitor, uma mistura chula de palavrões se misturavam com um linguajar culto, era como se um peão de obra tentasse imitar a escrita de Machado de Assis para xingar alguém. Parava para ler e reler. Apagava tudo e começava do zero. Adicionava mais xingamentos, mais pernosticismos e sempre insatisfeita. Não estava afim de diálogo, nem de saber quem estava certa. Queria humilhar e sair vencedora. Queria ter a última palavra.

Ainda bufava de raiva quando finalmente chegou aonde queria. Um parágrafo perfeito e que, sem dúvida, calaria a boca daquela “puta sem noção”. Suspirou cansada e fez um cafuné em seu bichano que dormia numa cama cor de rosa em meio a diversos bichinhos de pelúcia. E foi ali, que descobriu a serenidade que mil desabafos e “vitórias” nos debates das redes sociais não a dariam. Apagou tudo que tinha escrito naquela noite e conseguiu dormir com uma paz que seria impossível há alguns minutos atrás.



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Empregada

    Por Bernardo Sardinha


Ele come feito um porco.

A comida cai de sua boca enquanto mastiga e sem tirar o olho do prato pede:

- Suco.

Hesito e em resposta a minha demora, sou fuzilada com o olhar, da mesma maneira que ele faz com os bandidos na delegacia.

Então… Pensou sobre o que conversamos? - o sirvo e fico apreensiva por sua reação.
Pensei. Esse negócio de empregada doméstica é muito caro. E você lembra daquele caso da Souza Lima, né? Não dá para confiar em qualquer um para colocar em casa.

O caso da Souza Lima… Sabia que ele iria mencionar este caso. Ele sempre o faz. A empregada que envenena os patrões para se vingar dos supostos abusos e roubá-los. Sempre a mesma desculpa para não ter uma empregada. Com o salário de inspetor não é possível .

Mas, esta casa é muito grande para eu ficar sozinha. Quando você disse que íamos morar em um apartamento de três quartos me prometeu que eu ia ter ajuda. Estou cansada de ter que arrumar a casa e cozinhar!

Ele continua a ruminar sobre o prato e fico esperando uma resposta que não vem.
Quer carne moída? - digo sem forças e o sirvo.

Os sons dele comendo me dá ânsia de vômito e vou para cozinha. Lá vislumbro uma pia imunda a me esperar.

Enquanto lavo os pratos escuto ele engasgar na sala. Os pratos caem no chão se espatifando e os talheres fazem também um estardalhaço. Ele ainda se estrebucha no chão, mas minha mente está no pratos sujos da pia e na empregada que vou contratar com sua pensão.



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O último cigarro
       Por Bernardo Sardinha


“- Pare de fumar. Agora.” Disse a pessoa diante do espelho que suspirou derrotada.

“- Não vou me convencer nesse estado. Preciso de alguém mais firme, bem sucedido e menos como eu.” O sujeito se atirou em um banho revitalizador, digno de comercial de sabonete. A barba, que cresceu por puro desleixo, foi feita com capricho e atenção. Penteou os cabelos para trás no melhor estilo lobo de wall street e vestiu uma camisa preta para disfarçar a gordurinha que teimava em ficar. Escovou os dentes até a gengiva sangrar e bochechou com Listerine até as lagrimas verterem pelo seu rosto. Diante do espelho, de peito erguido disse firme: “- Pare de fumar. Agora!” – e completou ainda com um “- Seu merda.”

A pessoa que estava diante do espelho, jamais poderia convencê-lo. Era um merda de marca maior.

Estava prestes a se rastejar para mais um dia de trabalho, quando foi surpreendido por um estalo na orelha. Era sua mulher, dando aquele beijo estalado, daquele que ele odiava. Ela o abraçou por trás e ficou admirando o maridão pelo espelho do banheiro. Ela sorria. Um belo sorriso levado de menina e quando se deu conta, estava pelado na cama com sua mulher e atrasado para o trabalho. Como de praxe pegou o fantástico cigarro pós-coito, quando escutou dela um: “- Para de fumar?” transformador.


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       Constrangido

Por Bernardo Sardinha


Constrangido, eu entrego o potinho cheio do meu sêmen para o enfermeiro. Vamos aliviar o clima? - penso.

- Toma essa porra! - disse eu com um sorriso nos lábios me achando super  engraçado.

O enfermeiro revira os olhos e começa a etiquetar meus meninos.

Ele balança o pote, o analisa e por algum motivo balança outra vez.

- Faz isso não se não eles vão ficar abobalhados! - minha segunda tentativa.

Friamente o negão diz que balançar é para ver a consistência do material e que isso não iria influenciar no resultado final.

Fica um silêncio desagradável e eu rapidamente penso em uma piada, que não envolva um trocadilho com a palavra “porra” para o “Senhor humor de alto padrão”.

Desesperado eu apelo:

- Você viu o jogo do Flamengo ontem?

O enfermeiro me entrega um papel e diz que o resultado vai estar disponível na internet, na próxima quinta.

Derrotado pela circunspecção daquele enfermeiro, me retirei para lavar a alma no bar onde haveria gente bêbada o suficiente para rir das minhas histórias.



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Romeu e Julieta
       Por Bernardo Sardinha

Todo dia, ao chegar em casa, uma cartinha diferente a esperava no chão. Todo dia era uma carta de amor, onde o remetente dizia que ia se matar por não a ter ao lado dele. Todo dia era uma ameaça de suicídio diferente. Todo. Dia.

Então, cansada, ela foi à papelaria e comprou o papel de carta mais bonito que encontrou, umas canetinhas coloridas e um envelope cheio de gueri gueri. Escreveu, então, em letra de forma: "Vê se morre logo." E enviou para o Romeu apaixonado.

As cartas de amor/suicídio pararam. Passou segunda-feira, terça, quarta e quinta. Um mês e ela começou a ficar preocupada. Fuçou sua rede social e não encontrou o perfil dele. Procurou informações entre os amigos em comum e não encontrou nada sobre o paradeiro do suicida.

Cheia de culpa, decidiu, após o trabalho, ir a casa dele e ver se estava tudo bem. Tocou a campainha e o sonso abriu a porta com um meio sorriso no rosto e após suspirar aliviada ela gritou: - "Seu filha da puta!" virou de costas e foi embora.

Romeu só ria. 


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Justiça

       Por Bernardo Sardinha


Com raiva da vida, peguei uma faca e exagerei na geleia. Era de morango, a minha favorita. Tenho certeza que se meu clínico a visse, iria se sentir afrontado. “- Você tem que emagrecer! Como você pode ser tão negligente consigo?!" ­ berraria o hipócrita que ostenta um cinzeiro cheio de guimbas de Marlboro em seu consultório. Lambuzei a faca mais uma vez e espalhei delicadamente aquele sumo vermelho vivo e voilá! No meio da torrada, um planalto vermelho de 800 calorias.
"- Cê tá brincando né? Devolve parte dessa geleia para o pote ou divide comigo!" ­ exclamou minha senhora sentada do outro lado da pequena mesa da cozinha. Normalmente, eu aturaria ser repreendido como um moleque, mas hoje estou abusado, então vou aproveitar.
“- Quer? É toda sua!" ­ e atirei a torrada na mesa. A violência foi tamanha que a torrada girou em torno de si mesma, como se estivesse praticando um esporte radical e se exibindo para uma multidão.

Se existisse justiça neste mundo, as chances eram de 50% de a torrada cair com a geleia para baixo. Meio a meio. Se caísse para cima, eu seria um herói atrevido, se caísse para baixo, eu levaria uma bronca, e com razão. “- Ô DEUS! Ouça meu clamor e faça esse manjar, essa obra de arte de comida sobreviver à minha ousadia!”.
Mas o mundo não é justo. E Deus não existe. Hoje eu durmo no sofá.

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Castelo de areia

Por Bernardo Sardinha

 


O sujeito aproveitando a distração da família, resolveu pregar uma peça neles. Era um dia de sol e a praia no posto 8 estava relativamente cheia, considerando que era o meio da semana. Ele, em sua meninice, cavou um buraco e se enfiou lá dentro, deixando apenas a cabeça de fora, a qual escondeu debaixo de um chapéu.

 

Escutava a voz de seus filhos brincando, de sua mulher conversando com sua cunhada e nada deles o procurarem. Sentiu a areia ficar cada vez mais fria, sinal, que o dia estava acabando. As vozes foram diminuindo de intensidade e logo estava sozinho na praia, escutou sua família indo embora rindo e se divertindo, sem se dar conta de seu desaparecimento. Com frio e raiva decidiu ficar no ali no buraco só de birra.

 

Após horas enterrado, já não conseguia distinguir o que era ele e areia. Era tudo era uma coisa só, e não se surpreendeu, quando onda após onda, seu corpo foi se desfazendo como um castelo de areia na beira do mar. Por rancor da família que foi embora rindo e se divertindo sem ele, deixou o mar o levar. 



 

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Mundial

Por Bernardo Sardinha

 
Atarefada e esbaforida joguei a correspondência sobre a mesa da sala e dali mesmo comecei a me preparar para tomar uma chuveirada daquelas. Compras do mês no Mundial, a que ponto nós chegamos? - pensava eu, enquanto desabotoava meu jeans. Com o pedido de falência da firma do meu marido, a cada mês alcançávamos um novo fundo do poço. No primeiro mês paramos de comprar vinho. No segundo dispensamos as empregadas. Agora no terceiro mês fui obrigada a fazer compras no supermercado Mundial. Me misturar àquela gente sem educação, cheirando a desodorante barato, isso quando não estava vencido.

De banho tomado me joguei na cama e de tão cansada quase chorei. Estiquei a mão para pegar um calmante na gaveta e foi quando encontrei uma fatura de banco jogada lá no fundo. Iria descartar e voltar a procurar meus "comprimidos da alegria", mas minha intuição feminina não deixou. Eu simplesmente tinha que olhar.

Quando me dei conta, ainda podia ainda escutar os ecos do meu grito de "Filha da Putaaaaaaaaaaaaaa" pelos corredores do nosso apartamento. Ele tinha uma conta com alguns milhões e escondeu de mim. Quando ele voltar, não sei se eu o mato, ou o encho de beijos.


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Uma nova chance
Por Bernardo Sardinha


Abri os meus olhos e tinha uma estranha ao meu lado. Olhei em volta assustado e rapidamente me dei conta de que não estava em meu quarto. Levantei devagarinho e atordoado fui ao banheiro.
Quando acendo a luz e me vejo no espelho, tomo um susto. Eu não me reconheço mais. Não reconheço nada a minha volta. Enquanto a mulher dorme de boca aberta na cama, ando pelo modesto apartamento, e descubro vários porta retratos com fotos de possíveis familiares, meus e dela. Na cozinha há vários pratos quebrados e na porta dos fundos, uma mala abarrotadas com roupas colocadas de qualquer jeito.
Ainda estava juntando os pedaços da minha suposta vida e ela aparece na cozinha de camisola e calcinha e pergunta:
- Você realmente me perdoa?
Ao invés de dizer “Não lembro de nada! Não sei quem sou! E nem quem é você! Eu tô com uma espécie de amnésia! Me leva para o médico agora! E se esses pratos quebrados forem meus você vai pagar por eles, sua vaca!”, eu acenei com um sim, um sorriso e uma cara de pau mais dura do mundo. Ela me abraçou e no meio de um soluço disse que me perdoava também.
Afinal, para perdoar de verdade é preciso esquecer. E somente o tempo vai me dizer se a ordem dos fatores não altera o resultado.


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Lendas africanas
Por Bernardo Sardinha





Nessas andanças pela nossa Senhora de Copacabana, encontrei um ambulante vendendo esculturas de madeira de todo o tipo. Espalhadas pelo chão tinham: girafas, elefantes, antílopes, tigelas e algumas máscaras africanas. Quem me conhece sabe que sou maluco por máscaras, e ali em cima de um plástico azul tosco, vi uma que me interessou muito. O ambulante, um negro de cabelo grisalho, se aproximou simpático quando eu a peguei do chão. Conversamos sobre as máscaras e pelo sotaque deu para ver que ele não era local.

Antes de comprá-la, perguntei qual era a história e origem dela e ele me contou algo mais ou menos assim: "Após uma guerra, o povo Baoulé, liderado pela Rainha Pokou, foi obrigado a fugir de Gana. Durante a perigosa fuga, eles encontraram um rio intransponível por causa dos crocodilos. Desesperados, eles rezaram para o Deus do Rio, implorando para que ele os deixasse passar. Atendendo as preces o Deus apareceu, e disse que se a rainha queria passar com seu povo, ela teria que jogar no rio o seu bem mais valioso. Imediatamente Pokou, ordenou que jogassem todas as jóias da rainha no rio, porém nada aconteceu.

Com o exército inimigo se aproximando, a rainha percebeu que seu bem mais valioso era o seu filho e o empurrou no rio para ser devorado pelos crocodilos. Após o sacrifício, os répteis se enfileiraram lado a lado, fazendo uma ponte e assim permitiram que todo aquele povo passasse,chegando finalmente aonde é hoje a Costa do Marfim. 
Após a travessia do rio, Pokou estava tão devastada pela morte do filho, que somente conseguiu dizer “baouli” que significa: a criança está morta.” Daquele ponto em diante eles ficaram conhecidos como Baoulé e para lembrar Pokou e de seu sacrifício eles fazem máscaras em homenagem a ela.
Comprei a máscara e ganhei uma história. Saí no lucro.



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Autoestima
Por Bernardo Sardinha

Após desligar o despertador, esperou mais um pouco para ver se todos estavam realmente dormindo. Eram quatro da manhã e não queria ser surpreendido pela mãe voltando do banheiro, ou pelo pai assistindo uma luta altas horas da noite. A casa estava toda apagada e antes de sair do quarto de fininho, olhou sorrateiramente o corredor antes de dar a sua escapulida na cozinha.

Com seus mal distribuídos 160 quilos, se esgueirou pela cozinha para cometer excessos calculados. Se comesse um pacote de Negresco todos perceberiam que ele tinha fugido da dieta rigorosa que o médico havia lhe passado. Mas, se comesse apenas UM negrescozinho, molhado no leite condensado, ninguém iria perceber. Um briochezinho com um pouquinho de patê de presunto e cheddar também poderia passar despercebido por todos, como um crime bobo e comum. Calda de chocolate é muito bom no sorvete, mas em uma fatia de pão de forma é o melhor substituto para um bolo de chocolate. Uma dieta de duas mil calorias não era para ele.

Quando estava procurando alguma coisa para passar um colherzinha de doce de leite, ouviu uma voz e de antemão sentiu a vergonha de ter sido pego. Esperou, sem respirar as luzes se acenderem até que percebeu que as vozes vinham do quarto de empregada.

O faxineiro e a empregada namoravam nus e os gemidos daquela boa moça evangélica eram altos o bastante para serem escutados naquela cozinha de dispensa farta.

Agarrado em seu novo mini aperitivo: uma colher de doce de leite com sucrilhos, assistiu os dois amantes com seus corpos magros de fome se enroscarem até quase darem um nó.

Percebeu ali, no escuro, que se quisesse ficar pelado com sua empregada alguma vez na sua vida, algo tinha que mudar imediatamente. Na próxima segunda-feira, começaria a dieta mais rigorosa já feita (ou não).


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Carta bomba
Por Bernardo Sardinha


Rio de Janeiro, 27 de maio de 2014


Nesta terça-feira, uma suspeita de bomba fechou a estação de metrô da General Osório.Uma mala que foi encontrada abandonada debaixo de um banco foi considerada suspeita pelos funcionários da concessionária. O esquadrão antibombas da policia civil foi acionado e houve caos entre os passageiros. Os policiais encontraram dentro da mala apenas uma carta de amor. Diante do conteúdo do envelope ser muito instável, a área foi evacuada e o artefato detonado.



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Minimizando as perdas
Por Bernardo Sardinha


Pulei na cama. Era bem tranquila, nem mole, nem dura. Só achei o lençol meio áspero, mas pelo menos estava preso de maneira bem firme na cama. Não seria um vai e vem qualquer que o tiraria. Ela ainda estava no banheiro. Se arrumando. Vocês sabem como é mulher.

Era um motel novo recém-construído no centro e ainda estava no primeiro mês de funcionamento. Esse é exatamente o tipo da novidade que eu adoro.Ar condicionado Split? Show! Não vou mais precisar me levantar para abaixar o ar.Televisão grande com vários canais de putaria, os quais não tenho coragem de assinar…A pista de dança é meio forçada… Só porque tem um globo de vidro e luz estroboscópica não transforma aquele espaço minúsculo em  pista de dança.Quero ver a banheira de hidromassagem. Assim que ela sair do banheiro vou dar uma olhadinha para ver se é realmente tão boa quanto os anúncios dizem.

O celular vibra. O dela ,não o meu. Estava tão afobada para ir ao banheiro que o esqueceu em cima do móvel.Por curiosidade eu dei uma olhada para ver quem era.Era o Wi-Fi do Smartphone dela que havia conectado na rede do motel.Sem pedir senha, sem nada. O que significa que ela já inaugurou esse lugar antes de mim. Que jeito escroto de saber que se é corno. A dúvida agora é se conto que sei de tudo assim que ela sair do banheiro, ou depois para minimizar a perda.



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Lenda urbana
Por Bernardo Sardinha

Morena bonita de vestido e cabelos longos. Parecida com minha filha. Definitivamente ela será a minha última corrida da noite. Ela mal entra no taxi e já vou ligando o taxímetro, ela sussurra o endereço, uma casa no Guarujá e fala outras coisas tão baixo, que me obrigou a abaixar o volume do rádio. Durante o trajeto, puxo assunto, falo do tempo, do governo etc. Mas nada… Ela só quer saber de ficar olhando melancolicamente pela janela. Havia algo de errado.  

Após quarenta minutos, chegamos ao endereço, o taxímetro marca 48 reais, 52 corrigido na tabela. Ela me diz que vai em casa pegar o dinheiro e eu concordo em esperar, com o taxímetro ligado, é claro.Espero por meia hora e decido ir até a porta da humilde casa, relutante toco a campainha. Queria mesmo era ir para a minha casa, ver minha família, ter uma boa janta e quem sabe assistir o jornal e dormir.

Um homem barrigudo com o umbigo de fora e barba por fazer abre a porta de supetão.

- O que você quer?

- Eu trouxe uma menina aqui. Ela disse que ia pegar o dinheiro para pagar a corrida, e até agora não apareceu.

- Menina?

- É. Uma moreninha.

O homem fica pensativo por instantes e em seguida dá um berro:

- Joana!

Lá de dentro vem a morena em andar vacilante e apertando as suas mãos de nervoso.

- Você pegou um táxi para vir para casa?

Sem olhar para a cara do barrigudo ela disse que sim. Acho que disse, não ouvi direito. Porque ele em seguida deu com a mão na cara dela com tanta força que quando ela caiu no chão escutei alto aquele som de coco oco caindo no chão que se escuta no MMA.

Obviamente eu sai correndo e foda-se os 50 reais. No carro escutei os gritos de uma mulher, que podia ser a mãe, irmã, vizinha, ou sei lá.

Quando cheguei em casa, minha esposa me serviu o jantar no silêncio habitual. Mas eu devia estar bem estranho, porque ela me perguntou se havia acontecido algo.

Comecei a contar o ocorrido, até o momento em que fiquei esperando a pobre menina me trazer a grana da corrida. Mas sentia que a história precisava de um final melhor, sem querer criei uma super expectativa do que iria ocorrer na minha esposa.

Então…

- Quando bati na porta, procurando pela menina, um homem atendeu.

- E aí?

- Ele me disse que estava sozinho em casa, daí descrevi a moça.  Ele ficou branco e choramingando disse que eu descrevi a filha dele que morreu em um acidente de carro.

- Você deu carona para um fantasma homem?

- Acho que sim - e dei um grande gole no café morno.

Ela não acreditou muito no começo, mas acho que gostou tanto na história que resolveu acreditar.

- Sabe, sua mãe já me tinha dito que você é meio médium… Esse tipo de gente que é sensível?


- Será? - falei com a cara mais dura do mundo. Digno de um Oscar. E como um bom mentiroso, me retirei para o quarto e nunca mais toquei neste assunto.  



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A loira assassina
Por Bernardo Sardinha

Distraído, entrou sem bater no quarto do filho adolescente e o encontrou morto, com as calças arriadas, com o pau na mão e com a recém-ganha faixa amarela de jiu jiustu enrolada no pescoço. A outra ponta da faixa estava firmemente presa na porta do closet.

Asfixiação erótica. A mesma coisa que matou David Carradine e Michael Hutchance, matou agora o seu filho. Na frente do corpo, o tablet mostrava uma loirinha gatinha com pouca roupa: a homenageada da vez.

Após o choque, rapidamente colocou as calças no filho, dando a ele um pouco mais de dignidade e transformando aquilo em um triste suicídio, onde um adolescente se mata por amor. 

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Sinais do futuro
Por Bernardo Sardinha


     No estacionamento do shopping, vagava de cor em cor, de número em número e de andar em andar, com olhar perdido. Apertava o alarme do carro a esmo, balbuciando palavras ininteligíveis até que desistiu e sentou no meio fio.
     Quando o segurança perguntou se ele tinha esquecido aonde tinha estacionado o carro, o senhor, lá com seus 60 anos, respondeu aflito que não se lembrava nem de como o carro era.Procuraram por horas o veículo, sem sucesso.Chegaram a conclusão de que o senhor havia estacionado em uma rua próxima ao shopping. E juntos eles se perderam.


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Empatia
Por Bernardo Sardinha

O coveiro observou com pena o rapaz comprar a coroa de flores para sua noiva. Ele a colocou ao lado do caixão e soluçou de tanto chorar. Abraçou todos que entravam na capela e sempre que podia tascava um beijo no rosto da defunta e com a mesma boca beijava os que iam o cumprimentar. Na hora de fechar o caixão, alguém suspirou alto e ele quase desmaia. Forte, se pôs de pê e ajudou a carregar o caixão até o carrinho e do carrinho até o jazigo, onde, sob aplausos, foi colocado o esquife.

Quando todos foram embora, o coveiro pegou 6 das flores mais bonitas, enrolou em uma fita vermelha que estava em uma outra cova. Quando encontrou sua esposa cozinhando no barraco em que moram, deu-lhe um beijo na bochecha e entregou o buquê.  Silenciosamente pediu em uma prece que Deus o levasse primeiro. 

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Ratos
Por Bernardo Sardinha 

Desci de pijama para a portaria, armado com uma vassoura e no processo quase matei o porteiro do coração.

- Você ouviu algo? Acho que ouvi algo vindo do elevador.

O porteiro abaixou o volume da TV e ficamos quietos por um tempo. Poucos carros passavam na rua e somente de muito longe podia se escutar uma sirene.

Ele pareceu ter escutado algo também, pois levantou de maneira decidida.

- Escutou também?

- Acho que são ratos.

O porteiro abriu a gaveta de sua velha mesinha e tirou um molho de chaves atroz de grande.Cautelosamente fomos para a sala de máquinas e quando acendemos a luz percebemos um grande movimento nos sacos de lixo. Foi quando vimos duas massas pelanquetas enormes. 

Eram dois mendigos. Transando. Dois mendigos velhos transando em cima do lixo. Na hora nós dois ficamos desconcertados meio sem saber como reagir até que o Faxineiro do prédio apareceu e com um sorriso desdentado e amarelo disse:

- Calma chefia, que tá tudo em trank – disse o Faxineiro amarrando as suas calças frouxas.

Enquanto os mendigos se escondiam de vergonha, ele contou que alugava a sala de máquinas para os moradores de rua terem seu momento de intimidade por dez reais. Mas, por quinze reais ele separava alguns sacos de lixos macios, sem vidros ou coisas que espetassem para serem usados de cama.

Após esse episodio passei a “reciclar” meu lixo, separando garrafas e metais. E de quebra, meu faxineiro me dava uma pequena porcentagem de seu próspero negócio. 

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Salto alto
Por Bernardo Sardinha

Três da manhã e o lixo se acumula na porta de minha casa. "Hora de agir feito um adulto responsável e ir jogar o lixo fora" - penso eu. Abro a porta de casa me deparo com a seguinte cena: um homem ajoelhado diante da minha vizinha, uma morena de cabelo encaracolado e belas curvas, que eu jurava que era puta, talvez fosse, eu não sei. Os dois me olharam e me senti paralisado. A morena vira de costas e rapidamente entra em casa, deixando eu e o rapaz, ainda ajoelhado, sem saber o que fazer. Como era tarde demais para fingir que não vi, eu delicadamente o pulei e joguei o lixo fora. Antes de entrar em casa ainda disse timidamente "Com licença" e fechei a porta devagar para não fazer barulho. Devia ter dito algo legal, ou bacana, mas não consegui. Tive impressão, que após bater a porta, escutei um soluçar o qual torci para que fosse da minha vizinha. 

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Promessa
Por Bernardo Sardinha

Observou cuidadosamente o vídeo. Viu e reviu no monitor em alta resolução e ao mesmo tempo em que ficava empolgado com sua descoberta, sentia arrepios. Sua esposa esvaziava o armário rapidamente, jogando de qualquer jeito as roupas para cima.

Tudo começou quando ele, teve a ideia de apimentar o relacionamento e decidiu filmar uma transa. Ela no começo negou fogo, mas, depois pulou no barco e decidiu que ia fazer bem para o relacionamento que andava morno, desde que ele não mostrasse o filme para NINGUÉM. Como não queriam filmar um simples papai e mamãe, investiram pesado em uma produção.

Gastaram uma baba na internet comprando fantasias, chicotes, algemas, velas aromáticas, vibradores, e até pensaram no enredo de uma historinha, que no final foi posta de lado porque estava ficando complicada demais. O romance entre o salva- vidas e a colegial safada foi deixado para outro dia. Então, colocaram uma câmera no tripé na beira da cama, encheram a cara e tiveram uma noite de pura putaria.

Empolgado, o marido foi conferir sua performance, e se deparou com algo inesperado. A câmera não filmou só a transa, mas flagrou ali no quarto mesmo um fenômeno paranormal: uma aparição negra assistia tudo no canto do quarto. Era uma sombra, quase uma névoa que flutuava, com forma semi-humana girava em uma espiral macabra. Ao fundo as luzes da casa piscavam e as portas batiam. Coisa de filme de terror mesmo.

- Para de ver essa droga e vamos embora! Agora!

- Imagine a grana que podemos ganhar com isso! Vamos vender!

- Você me prometeu que não ia mostrar isso a ninguém! - berrou a mulher ainda tremendo de medo.

- A prova da vida após a morte! Ou sei lá o que é isso - disse ele sem tirar os olhos da tela.

Ela sentou ao lado dele, segurou na sua mão e disse chorosa:

- Você prometeu...

Ele ficou pensativo por instantes, reviu o filme pela última vez e o apagou, já que estava ansioso pelo encontro do salva-vidas e a colegial safada. 


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Cliffhanger
Por Bernardo Sardinha

Eram por volta das onze horas quando a gritaria começou no apartamento 402. Nele morava um ex-jogador de futebol famoso no Rio de Janeiro com sua esposa de longa data. Ele era cordial nas reuniões de condomínio e tinha uma cabeça boa, digo, não era esbanjador. Ela, uma loira ex-miss bumbum que não dava nem bom dia no elevador. Apaguei as luzes e fiquei tentando ouvir os gritos da loira, que infelizmente estavam abafados, fazendo com que minha curiosidade mórbida aumentasse. As brigas deles eram a minha novela, meu big brother, meu prazer proibido. Uma rádio novela cheia de baixarias, que valeria um bloco inteiro do Show do Ratinho.

- Sai da Janela! - disse Marcela, minha esposa, sussurrando.

- Me deixa, droga! Estou tentando escutar algo.

- Você não tem uma tese de doutorado para terminar?
           
 Olhei por cima dos ombros para a pilha de livros sobre a mesa. Eles estavam carentes de atenção. Dei com os ombros e como um pai irresponsável falei:

- É rapidinho.

- Ih! Olha! Você tem um amigo! - disse ela apontando para um homem de binóculo do outro lado da rua. O safado estava de camarote enquanto eu só podia ouvir os gritos da loira satanás. Fiquei com invejinha.

- Vamos, você fica sugando essa energia podre dessa vaca.

- Shhhh! Deixa eu ouvir só um pouco, droga.
            
Marcela cruzou os braços e ficou no parapeito da janela junto comigo. Ela era uma companheira admirável. Entre os gritos e rosnados da ex-miss bumbum, fiquei ali admirando- a sobre a luz pálida da rua até que veio a bomba. A loira foi para a janela e gritou:

- Porque a minha boceta, você não come mais!!! Eu estou indo embora.

Em seguida houve um barulho de porta e a gritaria cessou. Marcela foi para dentro balançando a cabeça em desaprovação ao meu passatempo e eu fiquei na expectativa do próximo capítulo, se é que ia haver um próximo.


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Tentativa frustrada
Por Bernardo Sardinha

Enquanto seu marido se aconchegava no sofá com um sorriso bobo na cara, colocou o CD “para fazer amor” e deixou o som bem baixinho, quase inaudível. Fechou as cortinas da varanda e acendeu algumas velas aromáticas e foi para o quarto, onde rapidamente colocou sua camisola mais nova e uma calcinha diferente.

Quando ela voltou para sala, viu o maridão ainda com aquele sorriso de bobo no rosto - ou seria de safado? Devagar, começou uma dança bem insinuante, se esfregando na parede, mexendo no cabelo e com todas as caras e bocas de que tinha direito, até lembrar que a luz da cozinha estava acesa.

Com a luz da cozinha agora devidamente apagada, volta a dançar se insinuando para seu marido. Levanta devagar sua camisola, revelando para o maridão a calcinha de renda e a noite que ela tinha preparado.

Sentou no seu colo e fez o que as strippers fazem nos filmes, balançou a cabeça e chegou a pensar em esfregar os peitos na cara dele, mas como estavam muito doloridos mudou de ideia. De perto, notou as profundas olheiras no rosto do marido e o ar de cansado, mas mesmo assim, não ia desistir da sua noitada louca.

- Do que você está rindo? – ela pergunta

- Você está sem graça – sussurrou ele e os dois riram baixinho.

Ela voltou a se concentrar no “lap dance”, recebendo em retorno beijos preguiçosos no pescoço e cafungadas que a arrepiaram. O clima esquentou até que Toquinho, um Dachshund de 2 anos, parou para assistir seus donos se agarrarem no sofá branco da sala.

- Ai! Droga... – resmungou ela ajeitando a alça da camisola.

- O que houve? Por que parou?

- Temos um voyeur... Não vou conseguir fazer nada com o cachorro olhando.

- Deixa ele – e voltou a beijar o pescoço comprido dela em uma tentativa de manter aceso aquele fogo.

- Não vou conseguir...

- Não consegue transar com o cachorro olhando?

- Não... Você acha isso estranho?

O marido não se deu o trabalho de responder e começou a beijar sua esposa que diante da paixão de seu companheiro esqueceu do cachorro e do mundo.

Os dois se agarraram como adolescentes no sofá da sala, como adolescentes que estavam há muito tempo sem transar e sem dormir e Toquinho, que não recebia atenção a um tempo, coitado, aproveitou o momento.

- Ah... Olha isso...

Os dois param e olham Toquinho com uma bolinha na boca e uma carinha de infeliz. Eles voltaram a se agarrar, mas, entre um beijo e outro, alternavam turnos jogando a bolinha para o cachorro. Se demorassem para atirar o brinquedo, Toquinho começava a rosnar, o que era um prenúncio para um latido e imediatamente os dois desconcertados paravam de fazer o que estavam fazendo para atender o cachorrinho.

- Ele vai latir – sussurrava nervosamente a mulher,e o marido, estrambelhado se esticava para pegar a bola e arremessar. Em uma dessas, a bola caiu atrás de um vaso de planta e Toquinho ficou muito nervoso.

- Rápido! Ele vai latir! Não deixa ele fazer barulho - disse ela desesperada.

O maridão levantou trôpego tentando colocar as calças que caiam no joelho. Cambaleando por causa de uma mistura perigosa (pouco sono e ter levantado muito rápido), deu uma topada violenta com a ponta do dedo mindinho em uma quina pontiaguda da mesa da sala de jantar:

- Caralhameudedoputaquepariu – gritou entre outras coisas, mas sua voz atingiu um tom gutural inteligível e Toquinho acompanhou o dono no barulho, soltando meia dúzia de latidos histéricos.

Do fundo do corredor escuro ecoou o choro do bebê, e eles abandonaram o papel de marido e mulher, e assumiram mais uma vez o de pai e mãe.



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O sonho acabou
Por Bernardo Sardinha

Um sonho louco. Um sonho simples. Um sonho impossível de ser realizado, mas que vale a pena. O sonho? Comer todas as mulheres do mundo. E, para ele, o carnaval era a época onde o sonho, não parecia tão impossível. 

Organizou em uma planilha Excel um roteiro dos melhores blocos. O que ele chama de blocos classe A (onde há uma boa proporção homem/mulher) e para cada um, bolou uma fantasia diferente.

 No primeiro dia de carnaval começaria sua maratona vestido de bombeiro, meio dia era a vez de se vestir de Rambo e a tarde era a hora de colocar a “batina”. O esquema de fantasias rotativas já tinha sido testado com sucesso no carnaval do ano passado. Assim, ele ficava sempre cheiroso, com aparência de limpo e estaria devidamente disfarçado caso esbarrasse com um “affair” de outro bloco.

Terceiro e último bloco classe A do dia. Com sucesso parcial nos outros (pegou mas não “finalizou”), estava bastante confiante. Sua primeira vítima seria uma loirinha vestida de fada e antes de falar com ela sentiu um frio na barriga.

Chegou nela e após vinte minutos, estava com a língua dela na sua boca.

- Rambo? – disse ela após o beijo.

- Perdão?

- Sou eu! A coelhinha? Não lembra? Você estava de Rambo agora no Suvaco do Cristo e eu de Coelhinha!

 O que dizer em uma situação dessas? Ele apenas deu um sorriso amarelo como a camisa da seleção.

- Eu troco de fantasia para fugir dos chatos que fiquei dos outros blocos.

O cupido foi rápido e irônico. Não foi amor a primeira vista, foi amor no segundo bloco. 

Naquele carnaval o sonho acabou.

Amor é algo estranho. 


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Adeus II
Por Bernardo Sardinha


- Ele vai pular! – gritou uma criança esganiçada levando uma multidão de curiosos que se acumularam, em pânico, nas calçadas da Rua Toneleros em Copacabana. Volta e meia um “Não pula não!”, era escutado, mas o suicida, continuava equilibrado no parapeito do oitavo andar, rezando de olho fechado e agarrado a uma bíblia. Por causa do colarinho, acreditava-se que era um padre, mas mesmo assim, surgiram boatos de que era um doente mental ou um drogado.

Uma moça apareceu na janela perto do “padre” e aos prantos conversava com ele.

- Isso é melhor que novela! – disse uma senhorinha na calçada.

- O que será que ela está falando? – disse outro curioso.

A moça esticou o braço e o padre deu a mão a ela, deixando a bíblia cair. Na janela mesmo, os dois se beijaram para o delírio da galera que vibrou como se fosse um gol contra o Flamengo, e um engraçadinho gritou: “- Então era ela a mulher do padre!”
Ninguém sabe muito bem ao certo o que aconteceu, mas, dentro daquela bíblia encontraram uma foto da moça, marcando as páginas dos dez mandamentos.


Continua....



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Adeus
Por Bernardo Sardinha

Antes de entrar naquele fatídico brechó da Rua do Carmo, desligou o celular para não ser incomodado e respirou fundo. O ar tinha gosto de mofo e remédio de barata. A loja estava uma zona, com alguns livros empilhados no chão e ao fundo um outro crime: uma montanha de livros amontoados como se estivessem prestes a serem queimados em uma pira nazista. Fui até o balconista, um jovem com menos de vinte anos que atrás do balcão, não tirava os olhos do celular, que pelo barulhinho dava para perceber que estava jogando Candy Crush.

- Seu Manoel?

- Lá no fundo - disse ele sem olhar na minha cara.

No fundo da loja estava Seu Manoel, um senhor com uns setenta anos, mas com cara de noventa que estava se divertindo vendo seu gato caçar uma barata tonta. Ele gritou rouco quando me viu:

- Garoto! Como você vai?

- Estou bem. Vim atrás da bíblia. Você realmente vai vender?

- Sim. Porque não? Você foi o único que mostrou interesse por ela durante anos. E agora...

- O que é aquela montanha de livros ali?

- Ah... São livros de direito - falou com desdém.

Seu Manoel, com passinhos de bebê, me levou aonde ele guardava os livros valiosos. Era um armário de ferro escuro e enferrujado.

- Estou me desfazendo de todas as minhas preciosidades. Não tenho lugar para eles lá em casa. E se eu morrer, é capaz da minha esposa jogar tudo fora. Então, eu prefiro que fique com gente que dê valor. Entende?

Seu Manoel abriu a gaveta e colocou o exemplar a bíblia que por tantos anos tentei comprar dele. Nem acreditei quando ele tinha me ligado dizendo que ia me fazer um preço camarada.

A bíblia, uma edição inglesa de 1631, é famosa por causa de um erro de quem a imprimiu. No sétimo mandamento, ao invés de imprimir "Não cometerás adultério", o tipógrafo colocou "Cometerás adultério". Obviamente, quando a igreja descobriu isso, ordenou que todas as bíblias daquela edição fossem queimadas. Mas quatro exemplares sobreviveram e chegaram aos tempos atuais. Não preciso dizer que para colecionadores como eu, aquela bíblia era algo muito valioso.

Enquanto fazia o cheque, vi Seu Manoel se despedir dolorosamente do livro folheando com carinho suas páginas. Dei o cheque gordo para ele e sai correndo daquele brechó feliz feito uma criança que completa um álbum de figurinha.


Continua...




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Cardíaco
Por Bernardo Sardinha

No frescão a caminho para o trabalho, uma dor no peito. Afrouxou a gravata e com a mão trêmula, limpou o suor da testa. Respirou fundo. Nervoso, o celular escorregou pelos dedos, se espatifou no chão e chance de ligar para alguém querido e dizer algumas últimas palavras se foi. Podiam ser um "socorro" rasgado e desesperado, ou sussurrar um "Sempre te amei" melancólico.

Os passageiros perceberam o que estava ocorrendo e houve uma angústia ar. Uma moça levou a mão ao rosto e lá no fundo do ônibus um sujeito disse: "- Que maneira de começar o dia". Através do vidro fumê daquela condução, a última paisagem: um dia de sol da praia da Barra da Tijuca. Friamente calculou que não aguentaria até São Conrado. Suas costas estão suadas e sem forças, fechou os olhos pensando que nunca mais iria abri-los, foi aí que acordou do sonho mais realista que teve na vida.

A cama está melada de suor e você começa a se perguntar se realmente acordou, ou morreu e sua consciência parou ali. Depois disso, fechar os olhos para dormir e o gosto do cigarro, nunca mais foram a mesma coisa.



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Carnaval fora de época
Por Bernardo Sardinha

Ela se entregou totalmente àquele beijo roubado e os dois, enrolados em uma bandeira do Brasil, se afastaram da multidão que se aglomerava em frente à residência do governador, no Leblon, para se conhecerem melhor. Ele fazia engenharia, tinha 20 anos e dois graus de miopia em um olho. O mais importante de tudo, era o hipster mais gatinho que ela já conheceu.

 De longe observaram juntos aquele mar de pessoas, com cartazes irreverentes e máscaras, que cantavam e pediam a cabeça do governador. Para ela, faltavam apenas o confete e as serpentinas, porque até um amor de carnaval ela havia encontrado naquela noite. 


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Mundo podre
Por Bernardo Sardinha

Cobal do Humaitá, sexta-feira à noite. Junto com uma torre de chopp, um jovem designer que trabalha para uma grande firma de comésticos, a qual não mencionaremos, contou uma história que deixou todos com a pulga atrás da orelha:

- Tô falando, eu perdi dois meses trabalhando, tentando bolar uma escova para a nova linha “teen” de utensílios de beleza. Após vários conceitos, protótipos, meu supervisor gostou de uma que eu batizei de Pinkteen. Adivinha que cor era? Rosa, delicada, com um cabo reto e anatomicamente perfeito para as mãos delicadas da princesinha que vai escovar suas lindas madeixas. As cerdas eram de pelo de javali, boa qualidade sabe? Porra! Eu pensava: “Aonde há lugar para inovação na area de design de escovas?”. Não estava muito motivado, sabe? Pois bem, entreguei a merda da escova e estava esperando um “ok” dos diretores da empresa. Depois de uma semana, fui chamado para uma reunião cujo conteúdo não me foi passado. Obviamente fiquei com o cu na mão e achei que ia ser demitido.

Quando chegou o dia da tal reunião minhas mãos suavam bicas e na sala só estava a diretora de produção e planejamento. Era uma loira gordinha com um terninho hiper comportado. Como ela estava com um sorriso na cara, eu me acalmei e consegui até conversar algumas amenidades até que ela começou a me rodear com perguntas sobre a escova, coisas como: “ pode fazer uma escova com menos cerdas?” ou “ponta mais tortinha”. Obviamente, eu disse sim a todas as alterações que ela sugeria. Mas lá pelas tantas me dei conta: “Cacete, essa escova está cada vez mais parecida com um vibrador.” E puta merda, e comecei a rir na cara da loira. Ela me perguntou o porquê de eu estar rindo, e eu, disse que era besteira minha e desconversei. Mas os pedidos estavam cada vez mais difíceis de atender, empunhadura esquisita, e detalhes estranhos. Então eu soltei logo: “porque você não me fala logo o que você tem em mente?” e ela disse: “Não é óbvio? Eu quero que essa escova se pareça com um pinto.”

  O amigo deu uma longa tragada no cigarro e deu um gole no chopp para molhar a garganta:
- Eu não sabia se ela tava falando sério, então eu dei uma risada achando que era uma piada. Nessas situações é sempre melhor achar que é uma piada. Então, ela séria como um oncologista me diz: “Uma pesquisa sobre os hábitos sexuais de meninas entre 10 e 18 anos mostrou que 30% utilizam ou já utilizaram objetos para se masturbar: canetas, pinceis, escovas... Afinal, a grande maioria não tem idade para entrar em uma sex shop ou um cartão de crédito para comprar em um site. Outra coisa, se você é uma adolescente, é muito mais fácil ter uma escova no fundo de uma gaveta do que um do que um vibrador. Esse é um mercado que cresce e nós queremos uma fatia dele.”

Ela contou a história do massageador da Hello Kitty. Parece que no Japão alguém teve a ótima idéia de fazer um massageador de bolso, algo pequeno, cilíndrico e que vibrava. Por algum tempo, ninguém sabia explicar muito bem o porquê do sucesso daquele simpático massageador. Quando descobriram, o estrago já estava feito e dezenas de milhares meninas já se divertiam com o simpático massageador. Dali floresceu a indústria dos “potenciais primeiros vibradores” ou vibradores escamotiados. Duvidam? Olhem as escovas de dentes eletricas. A parte de trás das cerdas parece anatomicamente favoravel para uma fricção não é à toa! Pois então lá fui eu com a missão de fazer uma escova de cabelo cujo cabo fosse anatômico, não só para a mão, mas também para bucetas. A cada mês eu mostrava um modelo novo que era levado para “teste”. Pensando agora, até imagino porque a minha chefe tem aquele sorrisso na cara. Então, após algumas tentativas frustradas de fazer uma escova anatomicamente superior, eu fiz o seguinte: tirei o molde em gesso do meu pau, lixei até parecer um cabo de uma escova, adicionei alguns detalhes de borracha e voilá!

De sua mochila, ele tira a tal escova e joga na mesa para que todos pudessem admirar.

-Não é muito grande – diz um colega.

- A buceta da sua filha também não – retruca irritado o designer que imediatamente continuou: - Adivinhem só? A diretora de produção e planejamento aprovou. Logo, vou estar dando orgasmos ou cabelos bem cuidados a milhares de adolescentes de imaginação fértil.

Todos ficaram em silêncio meditando sobre aquela história até que alguém propôs um brinde:

- A este mundo podre!

E todos erguemos nossos copos. 




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Amadurecimento
Por Bernardo Sardinha

O garçom que paguei para servir os convidados estava sentado brincando com as fitas rosas da mesa enquanto fumava seu cigarrinho, e eu, não podia nem brigar com ele. Não havia ninguém para servir. Afastada da música alta da festa, minha esposa dava um telefonema atrás do outro utilizando sua voz melodiosa, aquela que usa quando quer ser simpática com estranhos, mas toda vez que desligava, seu rosto perdia a cor.

- Ninguém vem... - sussurrou no meu ouvido.

- Meu deus, quais são as desculpas deles?

- Todas! Inventam todo tipo de mentira... Apenas a mãe da Ju foi sincera e disse que ela não queria vir. Vai lá e fala com ela...
           
Mesmo após duas horas da hora marcada para começar sua festinha, minha filha continuava no parapeito do play esperando seus amiguinhos da escola chegarem. Ela esfrega as mãozinhas uma na outra, ansiosa, atenta a qualquer movimento de carro na rua.

- Filha... Que tal...Deixar isso aqui e abrir os presentes lá em casa? - eu disse, fazendo o meu melhor para que isso parecesse uma ótima ideia.

Prendendo o choro ela acenou que sim.  


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Socorro
Por Bernardo Sardinha




"Still do filme "A tortura do Silêncio" (1953) 
direitos reservados da Warner bros."

Era a primeira segunda-feira do ano e o padre já sentia que o dia seria um saco. Recolheu-se no confessionário abafado e escuro para ouvir os pecados acumulados das festas de final de ano. Então, resignado, ouviu cada um dos pecados velhos e repetitivos das pessoas de sempre daquela paróquia.

Um senhor confessou que bebia escondido da mulher, outro que cobiçava a filha de um amigo - que tinha 12 anos de idade. Uma senhora confessava todo dia que queria convidar o porteiro para subir e "tirar a poeira dos lençóis" que seu marido "deixava acumular". Ouviu uma moça de família confessar que se masturbava com a escova de cabelo da sobrinha.

Como de praxe, todos foram aconselhados exatamente como nas outras vezes, TODAS as outras vezes. Mas o padre sabia que no final das contas, o homem ia continuar bebendo escondido da mulher, o outro ia continuar cobiçando a filha do amigo até ela ter uns, sei lá, trinta e tantos anos. A senhora ia continuar desejando o porteiro e a moça, bem, para ela acho que deixar de se masturbar não estava nos seus planos. Os mesmos pecados para mais um ano igual.

O som da portinha de madeira do confessionário batendo era como uma campainha. O padre tinha, mais ou menos, 30 segundos entre uma atrocidade moral e outra para pensar na sua música favorita, no que ia comer a noite, como ia pagar o cartão de crédito ou em peitos.

 O som daquela portinha fininha de madeira era o sinal para ele sair do mundo da lua e voltar para a terra. Mas nesse dia, o padre não escutou nada e só se deu conta que tinha alguém do outro lado da treliça quando o sujeito falou:

- Padre, você está me escutando?! - disse firme o sujeito.

O pobre eclesiástico deu um pulo e respondeu com fingida severidade.

- Cada palavra que você disse meu filho. Cada palavra.

- Então. O que eu faço com a criança?

Naquele momento, se açoitou mentalmente, e teve certeza que Deus já o estava castigando por ter mentido no confessionário.



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Por um ano com mais dignidade
Por Bernardo Sardinha


Pouco antes das onze, me juntei a multidão vestida de branco em frente ao forte de Copacabana. Entre abraços, brindes e promessas para 2014, vi um homem, de 40 e tantos anos se afastar de seu grupo de amigos com um telefone na mão:
- Nem acredito que consegui falar com você!
Ele baixou os ombros e sua fala começou a ficar engasgada:
- Eu só queria dizer que queria você aqui comigo e... POR FAVOR NÃO DESLIGA! NÃO DESLIGA! POR FAVOR ME ESCUTA!
Ele ficou em silêncio por alguns segundos com o celular no ouvido e cabisbaixo, desligou sem falar nada. O grupo que estava com ele se esforçou para fingir que nada tinha acontecido e com um sorriso amarelo ele voltou a comemorar o começo de um novo ano.

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Feliz Natal, meu monstrinho.
Por Bernardo Sardinha


Era manhã de natal em um apartamento de setecentos metros quadrados em uma área nobre qualquer da cidade do Rio de Janeiro. O pequeno Duda, menino bem nutrido e com seus doze anos de idade corre para abrir os presentes espalhados ao pé da brilhante árvore de natal de dois metros de altura. Sobre os olhares carinhosos de seus pais ele rasga cada pacote de presente, sem dó. Adorou o jogo do Call of Duty, agradeceu trinta vezes pelo box de DVD´s  da última temporada de Dexter, sua série favorita, e começou a brincar de tiro ao alvo com as empregadas usando sua arma de paintball. Mas seu presente favorito de longe foi: Uma raquete de matar mosquitos. Ele saiu correndo com ela em mãos e deu um abraço apertado nos pais: “Agora vou poder matar de verdade!” Aquele grito ecoou pelo vão do prédio, gelando a espinha dos empregados, mesmo sabendo que o garoto se referia aos mosquitos. 


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Facebook aberto
Por Bernardo Sardinha


Ela foi tomar banho e deixou para mim uma simples tarefa: Ver em qual cinema está passando aquele romance água com açúcar O QUAL EU NÃO QUERO VER. Com tanto filme interessante no cinema, eu tenho logo que assistir a mais um romance bobo? Não mesmo. Tenho duas opções: Mentir falando que não tem sessão disponível e que a única opção que temos é ir assistir um filme maneiro ou... Pedir para ver outro filme, o que provavelmente vai gerar uma briga desembocando em uma longa e chata "DR", que vai terminar comigo pedindo desculpas por ser um monstro egoísta.

Assim, após escutar a porta de Blindex bater e o som da água caindo no chuveiro, sentei no PC para verificar o tal horário. Logo vejo que a sorte não estava ao meu lado. Há várias sessões do tal filme. "Oh destino! Por que me obriga a mentir?" - penso eu. Não sou companhia para ver esse tipo de filme. Vou ficar entediado nos primeiros 15 minutos, se não tiver pelo menos um tiro, uma explosão, ou sei lá, qualquer coisa mirabolante.

Aproveitando o embalo vou para o Facebook  enquanto penso em uma desculpa/mentira. Digito rapidamente no browser e dou enter e  para minha surpresa, eu entro na página principal DELA. Toda a rede social dela está aberta para mim. Para quem não sabe, rede social é que nem conta de banco. Não se deve dar a senha para qualquer um, no máximo, talvez, para o cônjuge (talvez seja por isso que tanto casal cria contas conjuntas no Facebook). Lá estava um milhão de mensagens não lidas, outras tantas solicitações e não sei quantas atualizações de status, todas prontas para serem lidas. Eu sabia que vasculhar a rede social da minha namorada era errado, mas como resistir a uma olhadela rápida? Era proibido como ler um diário e tão prazeroso quanto.

A primeira mensagem me deixou de cabelo em pé. Era um "empresário" do submundo, chamando-a para participar de um torneio de artes marciais em Macau onde os participantes lutam até A MORTE. Não. Mentira. ISSO É O FILME QUE EU QUERO VER NO CINEMA. Mas achei algo tão interessante quanto: Um grupo onde ela e as amigas ficam falando putaria. Entrei lá e fiquei surpreso. Entre várias fotos de paus e comentários maldosos sobre os namorados não havia nada vil escrito por ela. Ela era de fato uma dama. Que orgulho (se bem que ela poderia ter dito algo sobre meu dote para as amigas, mas só de não falar mal já fiquei grato).

Depois fuxiquei sua lista de solicitações. Vários caras sem camisa. Puta que pariu namorar mulher bonita é foda. Ela rejeitou muitos mas haviam outros babacas a adicionando. Ao ver tantos babacas, lembrei de um outro babaca. O ex dela. Aquele que a perseguiu por meses a fio durante o nosso começo de namoro.

O som do chuveiro cessa, tenso eu já me posiciono para fechar a janela, mas escuto o som do secador de cabelo, e calculo que tenho alguns minutos a mais no mundinho particular dela. Fui ver mensagens privadas que ela trocou com o ex. Ele era um cara fortão com bom emprego e sua foto, que surpresa, era sem camisa. Li a última conversa deles e vi que apesar dele estar jogando indiretas ela se esquivava com classe. Ele pegou pesado. Disse que tinha saudades, que gostava da mãe dela, da família e blá blá blá. Daí veio a facada no peito. Ele falou que adorou "Pontes de Madison", filme que eles viram juntos. O Ex gostava de ver filmes chatos com ela e eu não. "Sou pior que ele, que troca infeliz ela fez..." - sussurrei. Ela terminou a conversa e se despediu cordialmente e eles nunca mais se falaram. As mensagens datavam do ano passado.

E de repente das caixas de som saiu um e sonoro "PLAM!" e uma mensagem surgiu no canto da tela:
- Está no Face é? Já viu o horário do cinema!?
 - gritou ela desligando o secador.
- Jáááá! - gritei bem alto para logo em seguida ela voltar a ligar as malditas turbinas do secador. Fato: Eu tinha pouco tempo.

No canto da tela tinha uma mensagem onde vários amigos em comum participavam. No começo fiquei sem entender o porquê, mas descobri que era tudo por um motivo nobre. Ela estava organizando uma festa surpresa de aniversário para mim! Pronto. Obviamente me senti um merda. Não possuía abdômen sarado, não possuía qualidades a serem mencionadas no grupinho da putaria que ela tinha com as amigas (neste momento não ser mencionado soou algo ruim), não conseguia ver filmes românticos com ela e mesmo assim, ela organizava uma festa surpresa com meus amigos. Ouvi o trinco da porta do banheiro e fechei a janela do Facebook.

- Tem horário? - disse ela entrando no quarto, parcialmente arrumada.
- Tem. - respondi sem esconder minha nova admiração por ela.
- Vai...Dar para assistir? Ou a sessão é muito tarde? - diz ela já esperando uma desculpa minha para não ver o filme.
- Dá sim.
- Ótimo! Me dá cinco minutos!
E foi assim que meu "monstro egoísta interior" fora derrotado e se escondeu para nunca mais ser visto.

Epílogo
Após bater a porta de casa, ela, esperta, aproveitando o momento em que eu estava todo fofo, me manda essa:
- Ah! Sexta que vem tem o chá de bebê da Joana, vamos? – ela disse sorridente.

Suspirei fundo e ouvi lá de dentro o  "Monstro egoísta interior" GRITAR "Sexta que vem eu voltarei Muahahah!".


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Buraco no peito
Por Bernardo Sardinha

Da sua janela observava tranquilo o temporal sacudir o Rio de Janeiro, até que a saudade daquela pessoa querida bateu no peito e foi se encher de chocolate. Prometendo, mais tarde, jantar somente um copo de água.

Na hora do jantar pegou um copo enorme e encheu até a borda. Deu um, dois goles e não se sentiu saciado. Virou o copo inteiro como se fosse um shot de tequila. Nada. Viu com espanto sua camisa molhada, e sentiu a água escorrer pelo seu corpo, formando uma enorme poça no chão. Correu para a geladeira e pegou uma garrafa de iogurte e começou a beber ali mesmo. De seu peito escorregou todo iogurte, formando no chão da cozinha uma poça cor de rosa. Era tarde demais. A saudade fez um buraco no seu peito que nada poderia tapar, nem chocolate, nem água, iogurte e dali em diante a vida seria mais difícil. 


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Partida
Por Bernardo Sardinha


Rasgou as contas velhas, bilhetes e cartas de amor com a mesma indiferença. Guardou documentos importantes e escondeu algumas fotos. Assim, após uma tarde inteira separando e rasgando, conseguiu reduzir uma vida inteira a duas pilhas de papel. Com sua herança debaixo do braço (um gato velho), foi para casa pensar na vida e o que seria rasgado quando sua hora chegasse. 

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Ombro amigo
Por Bernardo Sardinha

Estou diante do pior inimigo de um escritor. A tela em branco. Pulo para a folha do papel e o resultado, ao invés de um conto, é um desenho sórdido e engraçado - pelo menos eu achei graça. Cada minuto que perco olhando meu desenho é um minuto a menos do meu prazo e mesmo assim decido ir mostrar para minha esposa meu desenho babaca.
- Clá - chamo por ela e minha voz ecoa pelo meu modesto apartamento em Copacabana. Caso vocês estejam se perguntando, Clá vem de Clarrisa.
- O que foi? - escuto a voz dela vir da sala.
Rindo feito um bobo vou até ela com meu desenho na mão e a encontro linda e loira, debruçada sobre uns livros de biologia na mesa.
- Olha o que eu desenhei! - estiquei o desenho como uma criança orgulhosa, afinal, agir como adulto nunca foi meu forte.
Ela analisa o desenho e ri de lado.
- É um homem usando uma roupa de ganso? O que é isso embaixo?
- É o outro "bico".
 - Bobo - ela sorri. Não querendo dar o braço a torcer ela volta para seu laptop - deixa eu terminar isso aqui.
Quero mostrar o desenho ao meu filho, mas antes decido apagar o "bico". Entro no quarto dele e no meio daquela bagunça típica de um adolescente, encontro meio escondida debaixo da cama uma revista pornográfica gay. Mesmo em choque, coloco a revista de volta no lugar. E quando ele me flagra em seu santuário me pergunta preocupado:
- Oi pai, o que cê está fazendo?
- Olha isso... - estico o desenho.
- Que desenho escroto! Parece o seu Reinaldo do 503! - disse ele rindo alto, não sei dizer se ele riu de nervoso por eu estar lá, se queria me agradar ou se realmente achou graça .
- É! Parece!
Rimos juntos e fui para o escritório.
 De volta ao meu trabalho e diante de mim estava àquela maldita tela em branco sob uma luz fria.
Ao olhar o desenho pensei: "Desculpe por ter apagado seu pinto, Reinaldo!". A página em branco em meu monitor continuava lá e percebi que trata-la como inimiga mortal seria um erro. Ela era uma amiga, de peito de aberto, pronta para ouvir tudo que tinha para contar.



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Racismo
Por Bernardo Sardinha 

Não sabia dizer o porquê, mas, no ar do ônibus da linha 571 havia um clima estranho. Olhei para os lados e percebi um casal jovem mais ou menos da mesma idade, que grosseiramente, podiam ser descritos como loirinha escandinava da zona sul e mulatinho favelado. Ele tentava beija-la puxando delicadamente o rosto dela, e ela se recusava virando o rosto e não tirando os olhos da janela. Cerrei o punho e pensei em agir, mas antes que qualquer ideia surgisse, aquele garoto de roupas surradas tirou um anel dourado de seu dedo e colocou no colo da menina. “É uma aliança...” – pensei, decidindo não me meter na briga do que seria supostamente um casal de namorados.
Mas, rapidamente, a garota colocou a suposta “aliança” em seu dedo e ficou claro que “aliança” sempre foi dela. A situação era nebulosa e fiquei me perguntando o que estava presenciando. Continuei a observar e após alguns minutos ele voltou com seus avanços sobre a menina. Ao ser negado fogo novamente, frustrado, deu um soco na cadeira da frente. Todos do ônibus continuavam a fingir que nada estava acontecendo, com exceção de uma senhora que estava sentada na cadeira preferencial lá na frente, ela olhou para trás e por um instante trocamos olhares, assim, soube que não era o único que estava estranhando a situação.
Após o soco, o garoto jogou uma mochila que estava no seu colo no chão. Era uma mochila bem colorida e feminina, que obviamente não pertencia a ele e que foi rapidamente apanhada pela menina. Ele estava roubando a mochila dela? Ou estaria fazendo a gentileza de carregar? O ônibus parou ao lado de uma patrulha da PM, a qual discretamente tentei chamar, mas o coletivo voltou a andar e quando me dei conta já estava na hora de saltar. Isso aconteceu há quatorze anos atrás e até hoje essa história fica sem desfecho na minha cabeça. 

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Do outro mundo
Por Bernardo Sardinha


Foto de Craig Sellars via Reddit.
(http://www.greensocksart.com/)


- Oi querida, duas coisas. Primeiro, hoje vou chegar atrasado para o jantar...Eu sei que seus pais vão estar aí hoje...Não. Não estou inventando nada, é coisa do trabalho... De um orelhão. É. Porque meu celular acabou a bateria. Não tem mulher alguma. Que piranha o quê? Amante? Pára com isso meu amor... Não... O que tem ela? Dona Glória só serve o café. Eu não tenho um caso no trabalho. MEU DEUS.... Grito? Ah... É um macaco. Lá do laboratório.... É meio complicado. Por isso preciso que você pegue para mim o telefone do Richard. Como assim porquê?! Acabei de falar que meu celular acabou a bateria! Não. Desculpa. Não queria gritar. É que as coisas estão meio tensas e tem um amigo meu que quer falar com o Richard. É. O que é casado com a Beth. Sei lá se eles estão juntos ainda. Pode pegar o telefone POR FAVOR? É um amigo... Que veio de longe conhecer o Richard. Também te amo. Não... Não chora...Num...Mas... Num é nada disso, já falei. Tem um amigo aqui que quer falar com o Richard. Tá bom. Prometo. Compro. Eu passo no supermercado e compro. Só isso? Não tenho caneta. Ok. Vou comprar só o pão, geleia e o yogurte. O resto não vou lembrar. Agora... O telefone do Richard. É. O macaco é uma das cobaias. Eu sei que é crime. É uma das cobaias do Richard, sim. Agora o telefone... Não estou escutando fale de novo. O macaco está nervoso. Não...Não estou fazendo nada. Aham...Certo. Não se preocupa eu decoro... Sim eu vou decorar o telefone e NÃO vou decorar o caralho da merda das porcarias que tenho que comprar na droga do supermercado. Agora o telefone. Aham.... Obrigado benzinho.
 O "visitante" olha para seu refém e pergunta:
- Estou intrigado com a líder com quem você falou no telefone e tenho algumas perguntas.
- Eu também estou me fazendo algumas, agora.

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Uma nova regra
Por Bernardo Sardinha


Antes de tocar a campainha ajeitou o decote e torceu para que o cliente daquela noite fosse um playboy sarado e solitário e não um coroa nojento e tarado. Com sorte, ela quem sabe até gozaria, com azar, bem... Com azar viriam as regrinhas: 1. Nada de beijo na boca. 2. Nada de anal. 3. Nada de coisas de coisas "sadômasô" e escatologia. Afinal era uma puta cara e puta cara não faz qualquer coisa.
Ele, um coroa magrelo e com olheiras profundas, abriu a porta devagar e atrás dele havia um grande e escuro apartamento. Titubeante a convidou para entrar e cambaleou apartamento adentro sem acender as luzes e ela, mesmo contrariando sua intuição, o seguiu.
A sala era enorme e apesar de estar bem decorada precisava de uma faxina urgente. Correspondências espalhadas sobre os móveis e sacolas de laboratórios de diagnósticos no chão, no seu peito ela sentiu uma angustia e sob a bolsa de mão que carregava, apertou forte o spray de pimenta especialmente guardado para uma ocasião como esta. Mentalmente já começou a traçar uma rota de fuga. Qualquer coisa tentaria fugir pela cozinha, lá teria facas e em tese uma porta dos fundos. Ao final da sala, antes de entrar nos aposentos, havia prateleira moderna cheia de porta-retratos onde seu cliente aparecia abraçado a uma mulher que, assim como ela, era loira e baixa.
Antes de entrar no quarto quase tropeçou em uma sacola de lixo cheia de roupa arrebentando sua sandália Arezzo.
- Puta que pariu - disse ela baixinho
- O que? - disse a voz sóbria de seu cliente e ela angelicalmente respondeu:
- Nada.
Eles entraram no quarto e ela disparou:
- Olha, vamos deixar algumas coisas bem claras pra não ter estresse, ok? - apertou mais sua bolsa - Um, eu não beijo na boca. Dois, não faço anal. E três...
Ele sentou ao seu lado, colocou a mão no bolso, tirou um bolo de notas de cem e colocou na cabeceira.
- Não faço escatologia!
Ele respirou fundo e da cômoda tirou uma grossa aliança  dourada.
- Poderia usar isso durante?
 E naquele instante, na mente daquela garota, uma nova regra foi criada.

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Letras Brancas
Por Bernardo Sardinha

  Quando acabou, deu um passo para trás e admirou sua caligrafia: 
- "Leticia" - leu em voz alta o que estava escrito no asfalto em grandes letras brancas. Antes de passar para a próxima palavra, por cautela, olhou a sua volta. Ninguém na rua, ninguém nas janelas, e principalmente, ninguém no quinto andar do prédio n.º87. Naquela altura da madrugada a rua Bolívar estava tão deserta que parecia uma cidade fantasma e, sentindo que sairia impune continuou.

Ia escrever "filha da puta", mas achou vulgar demais. Optou então por "vadia" e assim desenhou um grande e belo "V" e depois um "A". Percebeu que tinha esquecido de colocar um pronome,o que seria a morte, então colocou um "a". 
"Leticia a vadia" - pensou em voz alta e sentiu que soava como um título. Como queria ataca-la  melhor espremeu um "s" e um "u" formando toscamente um "sua". Gramaticalmente correto, agora podia terminar seu trabalho. Mas assim, do nada, decidiu chama-la de vagabunda, e aproveitou o "VA", já lindamente desenhado no asfalto, e escreveu até a tinta acabar. Persistente, conseguiu ainda espremer daquela latinha de Colorgil branca um pouco mais de tinta para colocar o acento no nome daquela filha da puta. Afinal, não era ela que vivia tirando pontos de todos por causa dos acentos? Não podia faltar isso.
"- Colocou o acento no lugar errado." - disse uma vozinha tímida que continuou - "É Letícia, e não Léticia." e você esqueceu do "n" em vagabunda." Olhou para trás e uma senhorinha estava no parapeito da janela do 1º andar do prédio n.º 87 estava com os olhos bem arregalados observando-o. "Vai ter que ficar assim agora. A tinta acabou." - disse sem querer ser arrogante, mas sendo. Antes de fechar as janelas ela disse: - "Acho que tenho um pouco aqui. Espere aí". Quando pegou das mãos da senhora a tinta para corrigir, ainda ouviu dela: "Tinha que ter escrito filha da puta. É isso que ela é!" - ele riu alto e concordou.


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Em copa
Por Bernardo Sardinha

          
               Estranhando o movimento, tirou os fones de ouvido e se juntou aos curiosos. As poucas testemunhas estavam em um pé sujo tentando da sua maneira consolá-lo, que de tanto chorar ficou rouco. Os sinos da Igreja da Ressurreição na Francisco Otaviano badalaram e já se podia escutar ao longe a sirene ziguezagueando entre o trânsito. Debaixo do ônibus sai alguém e declara: - Ainda está vivo. E todos se benzeram.


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Tarde em Ipanema
Por Bernardo Sardinha


          Quando caiu em si, percebeu que só havia restado na areia a canga e as sandálias novas daquela jovem. O vento deixou o mar mais revolto e o sol começou a descer no Costa Brava. Quando o som do helicóptero se tornou distante, o salva-vidas voltou para o seu posto e uma multidão de desavisados, aplaudiu o pôr do sol. 


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Tente outra vez
Por Bernardo Sardinha

Introdução
Página 1
A experiência de entrar no Orkut, pode ser descrita como visitar uma cidade fantasma. Há sinais de civilização para todo os lados, mas, falta vida. As comunidades das quais você participava ainda estão lá, acumulando spams. Você não nega. Você adicionava comunidades pensando: "Qual comunidade me define melhor como pessoa?". E assim, você construiu um mosaico de comunidades que o definiam para os outros. Mas isso é passado. Agora, sua estante de livros é o sucessor espiritual das comunidades do Orkut.  Lá, vários títulos o definem de maneira mais sutil do que as comunidades da antiga rede social. Podemos colocar os livros que você possuiu em três categorias, estudo, hobby e lazer, que se encontram lidos, meio lidos ou intocados (assim como algumas comunidades do Orkut).
O seu prazer proibido é a série de livros "Aventuras Fantásticas" escritos por Steve Jackson e Ian Livingstone, neles há promessa de grandes aventuras (dã eis o título) onde você era o herói responsável pelas decisões e o rumo que a história tomava. O seu favorito se chama "A Cidadela do Caos" e, apesar de ter uma dezena de prioridades que requerem sua atenção, você pega o pequeno e amassado livro. Sem perceber você passa uma hora só folheando o livrinho.
Se você quer continuar lendo o livrinho vá para página 3.
Se você acha que a época de ficar lendo livrinhos de aventuras fantásticas passou, vá para página 70.

Página 3
Após uma sequência de boas escolhas, pela primeira vez, seu personagem encontra o grande vilão do livro, o terrível mago Balthus Dire. Mas sorte te abandonou no final e seu personagem sucumbe. Um grito fica preso na sua garganta e por pouco não tem um faniquito. Ao olhar o relógio percebe que se passaram três horas desde que começou a ler o livro, e a fome começou a bater. Na geladeira não tem muita coisa,mas você encontra uma maçã ainda comível e no refrigerador há uma rapa de sorvete de flocos. Se decidir comer a maçã vá para página 97. Se escolher o sorvete vá para página 88.

Página 88
Para ventilar sua frustração, você escolhe o delicioso sorvete de flocos e o completa com uma calda de chocolate. Você senta, toma o sorvete e tem a primeira atitude adulta do dia: Organiza a papelada para uma reunião de negócios importante que terá no dia seguinte.
Tudo ia bem, até lembrar que há roupa suja para ser colocada na máquina. Cheio de preguiça você se levanta, e percebe que a televisão ligou sozinha. A sua modesta sala se ilumina, e uma mensagem aparece na tela, um lembrete: “O programa vai começar em 5 minutos." Meses atrás você viu na programação que, iria passar um clássico o qual você não poderia perder, “Os aventureiros do Bairro proibido” e você queria muito ver. De novo. E em HD. Se você quer assistir o filme, até pelo menos enquanto o sorvete durar, vá para página 43, ou se você quer continuar os seus afazeres e agir como um adulto responsável vá para página 04.

Página 43
Você assiste em êxtase Jack Burton e cia enfrentar Lo Pan, tudo por causa de uma chinesa de olhos verdes. Magia negra chinesa. Kim Catrall novinha. Monstros. Porradaria. De fato, um clássico. Mas, você tinha se prometido que veria o filme somente até o pote acabar e ele acabou. NA SUA PARTE FAVORITA.
Caso você seja auto-indulgente vá para página 11.
Se você quer ser um homem de palavra e provar a todos que estão lendo isso que tem força de vontade vá para página 21.

Página 11
Você já assistiu até agora o filme, vai perder o final? Não, né? Pau come, as três tempestades morrem de maneiras hilárias. Lo Pan morre com uma faca na cabeça e Jack pega seu caminhão de volta, mas não fica com a mocinha. WTF!?
Quando você se dá conta são 3 da manhã, você não organizou os papéis, e nem sequer os leu! Nervoso você se arremessa na cama, com a certeza de que, o dia seguinte será um daqueles dias em que vai se manter vivo na base da cafeína.
Deitado, você ajusta o despertador do celular, fecha os olhos e apaga na cama.
Apesar de ter a impressão de que apenas dormiu segundos, você acorda. O relógio do seu celular mostra que ainda falta 1 hora para acordar.
Você volta a dormir confiante que vai acordar na hora certa? Vá para página 29.

Caso não, vá para página 77.


 Página 29
Só mais uma horinha - você pensa, voltando a dormir sabendo que essa uma horinha vai fazer toda a diferença para seu dia. Seu celular toca e te acorda. A hora: Meio dia. Há uma dezena de ligações do seu trabalho e uma mensagem de seu chefe: "Cadê você?".

Você pula da cama, cata os papéis da reunião de qualquer jeito e descobre que não tem roupa limpa. Você usa a roupa do dia anterior, descobrindo que está suja de sorvete de flocos com calda de chocolate.

Você xinga e amaldiçoa Balthus Dire e se pergunta: O que Jack Burton faria agora?Ao descer o elevador você recebe outra mensagem de seu chefe: "Não precisa vir mais não. Amanhã passe direto no RH." Você foi despedido.

Diante da sua prateleira de livros, você pensa na vida e como ela é injusta e para aliviar o stress, você pega um livro do seu agrado. Volte para a página 1 e tente outra vez.

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O incrível fim de um dia 
Por Bernardo Sardinha                    

                   Nossa incrível história começa na pacata cidade de Guapimirim, onde Leonardo foi passar um feriadão com seus amigos. Seriam três dias de muita cerveja, churrasco, conversas para o ar e drogas leves.  À noite o jovem Leonardo se afastou de seus amigos para dar uma esvaziada na bexiga, afinal, estavam tentando quebrar algum recorde, não importa qual, só importa é que este recorde envolvia litros e litros de cerveja. Sabe como é. Coisa de gente chapada e idiota (a ordem dos fatores não altera o resultado). 
      
                  No momento da mijada orgástica, um meteoro caiu ao lado de Leonardo. Na hora Leo só pôde gritar “Puta que pariu!” e foi arremessado muitos metros para trás ainda com o pau na mão. “Puta que pariu puta que pariu puta que pariu....” ficou falando enquanto guardava às pressas seu bilau dentro da calça. Ao se aproximar do local do impacto, viu que, do meteoro não restara nada, mas havia algo de estranho no ar. Uma certa eletricidade percorria o ambiente. Como todo bom bêbado que está chapado e com sono, Leo ignorou tudo aquilo e foi dormir.
                 No dia seguinte Leo (de ressaca) arrumou suas malas e partiu para o Rio de Janeiro, para uma semana chata e terrível de trabalho burocrático e infeliz. Usando seu uniforme[1], sentou em sua mesa, a qual estava completamente organizada. Aos poucos foram chegando seus colegas de trabalho todos muito cordiais dando "Bom dias" e "ois" e sentando em suas respectivas baias, começaram o trabalho daquela semana.Visitados todos os sites legais e com todos os emails interessantes lidos, só restava para Leonardo fazer seu trabalho, por mais burocrático e lento que fosse. Ele esfregou os olhos, estalou os dedos e colocou as mãos sobre o teclado.
                     Ele estava triste mas não sabia dizer por quê. De repente, aquela sensação de que o ar estava carregado de eletricidade voltou. Leonardo sentiu ela percorrer seu corpo e arrepiar os pêlos da nuca. Aquilo tomou conta dele, era uma força incontrolável. Era uma mistura de vontade de gritar, de rir e de enlouquecer de vez. Mas para o bem da nação ele se controlou.
                    Silêncio. Seus colegas de trabalho estavam a batucar o trabalho em seus teclados de plástico, voltados com sua total concentração para a tela do computador. Olhou para o relógio e ainda faltavam sete horas e quarenta e cinco minutos para terminar o expediente. Olhou para a janela e seus olhos se apertaram por causa da claridade. Viu um pássaro voar e sorriu[2].
                     Antes de digitar o primeiro número naquela planilha de Excel, apareceu Cintia:
                    - "Oi Lêo! Trouxe algo para você!" - e com um sorriso mais falso do que uma nota de três reais ela colocou um souvenir na mesa de Leonardo. Era um tucano talhado toscamente na madeira com uma bandeirinha de :"Bem-Vindo ao Pantanal".
                   - "Obrigado!" - disse Leonardo para em seguida pegar o bichinho e jogar no lixo na frente dela. Cintia ficou boquiaberta e Leonardo começou a rir de nervoso. Havia eletricidade no ar.
                   Dali em diante a tarde foi muito mais divertida. Começou com um barraco, com Cintia chamando Leonardo de grosso e logo outras pessoas se meteram, surgiram opiniões e muita gente disse coisas que estavam entaladas na garganta. Tiraram todos os esqueletos do armário, reviraram o passado e lavaram a roupa suja. Leonardo sabia que o que tinha feito era errado. Mas foi simplesmente divertido ver o circo pegar fogo. No final do expediente desceu de elevador com um colega:
                   - Que dia! Hoje vou ter muito assunto para contar na janta! - disse o colega rindo.
                    Leonardo sorriu.
                  Era noite, e Leonardo ainda estava voltando do trabalho, e decidiu dar uma volta na praia de Ipanema que estava deserta. Parou em frente ao mar e tirou os sapatos.
                  - Caramba...o mar.
                  Nesse instante, Deus sai de trás de uma nuvem e olha Leonardo.
                   - Olá – disse Leonardo.
                   - E aí... - respondeu entre as nuvens.
                  - Pô, to gostando desse troço cara! Tô me sentindo livre como ninguém. E não tô falando dessa liberdade que vendem por aí...
                 - Ah sei... Liberdade de escolher a sua operadora de celular, liberdade de escolher que marca de sapato você irá calçar...qual moda você irá seguir etc.
              - É! Vou pirar mais! A vida dessas pessoas precisa de uma bagunça de vez em quando! Colocar as coisas de cabeça para baixo, sabe? Trazer um pouco de caos a esta cidade!
                  - Trazer caos ao Rio de Janeiro? Chegou atrasado! HAHAHA!
                 Os dois riram e se despediram. No caminho para casa Leonardo tropeçou e bateu a cabeça no meio fio e morreu. Só para não dizer que esta história acabou de repente, eu digo a vocês que no dia seguinte à morte de Leonardo, fez sol.

Fim



[1] Convenhamos, só por que você pode escolher que cor de camisa você irá usar no trabalho não significa que você é diferente do Mané que usa um uniforme. No final você está restrito a uma combinação de calça jeans, sapato e camisa social.  Aí você diz “Você pode colocar uma calça de pano ué”. Óbvio que eu posso porra, só que botar uma calça de pano, social e bonita dá trabalho, e ter mais trabalho além do que você é obrigado a fazer, cá entre nós é burrice ou vaidade. E vaidade, como todos sabem, é um pecado capital (segundo o Wikipédia o pior haha).
[2] Simbolismo nada sutil.


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