Por Rodrigo Amém
Definitivamente, não era capaz de
suportá-lo. Tudo em sua maneira de portar-se sobre a Terra lhe era
profundamente irritante. Não que qualquer evento do passado fosse responsável
por tal emulação. Era coisa de santo, diriam alguns. Mas era mais. Era coisa de
santo, de profano, de Deus e do Diabo. Com todas as suas forças, odiava-o e
pronto. Nem podia evitá-lo. Trabalhavam no mesmo local, em departamentos que,
ainda que diferentes, eram profundamente relacionados.
Certa vez, inadvertidamente, parou de
trabalhar e começou a fitá-lo de olhos obtusos. Nada pensava, apenas fermentava
sua repulsa. Notou sua barba mal feita, com pelos solitários ladeando marcas de
acne, reminiscências daquilo que deve ter sido um jardim pustulento e amorfo,
habitado por leucócitos polimorfonucleares vivos e mortos. Imaginou-o coberto
de micro-vermes. Um grande verme e seu séquito. Sentiu um arrepio fruto da
repulsa. Seus cabelos pareciam-lhe sebosos, insalubres. Seu sorriso era
amarelo, sobre gengivas de cimento. Quantas bactérias caberiam em sua boca mole
e malcheirosa? Sentia náusea ao imaginar o estado de suas roupas de baixo.
Voltou os olhos para o trabalho e procurou esquecer as imagens que criara.
Jamais pôde.
Com o tempo, percebeu que reconhecia
os passos dele. Eram dissonantes, estridentes. Maldizia-os, sentia o estômago
doer quando percebia sua aproximação. Tinha medo de não poder conter-se e
terminar por esganá-lo sem maiores explicações. Seria demissão por justa causa,
com certeza. Mas o prazer, meu deus, o prazer de acabar com aquela existência
miserável... Toda vez que ele perambulava por seus domínios, tinha vontade de
vazar-lhe os olhos com uma caneta Bic. Salivava apenas em pensar o quanto seria
prazeroso arrancar-lhe, um a um, os cabelos da cabeça.
Muitas vezes, quis sair da sala. Não
o fazia em consideração aos demais colegas. Afinal, sabe-se lá porque, gostavam
do cara. Não o viam da mesma forma, pelo menos. E isso era difícil de
administrar. Resolveu manter seu ódio em segredo. E se mantinha em silêncio
quando ele estava presente. Com o tempo, alguns companheiros passaram a
observar que havia qualquer coisa de errado no tratamento que dispensava ao
pusilânime rapaz. Mas a resposta a qualquer indagação sobre o assunto era
evasiva, quando não mentirosa. Os colegas preferiram, então, deixar o caso de
lado. Eles, que são brancos, que se entendam.
Uma noite, ela teve um sonho. Acordou
trêmula, afoita. Sentou na cama e começou a chorar. Ainda em prantos foi lavar
o rosto no banheiro. Encheu as mãos d'água e levou-as ao rosto já úmido de
lágrimas. Olhou-se no espelho e lembrou-se do sonho.
Lembrou-se da maneira que ele a
tocava. Do jeito que aquela boca mole e mal cheirosa percorria-lhe o corpo,
ladeada por pelos mal aparados que roçavam sua pele, enquanto os dentes
amarelados mordiscavam cada centímetro de sua carne. Lembrou-se de segurar com
força aqueles cabelos sebosos enquanto contorcia-se, em delírio. Ajoelhou-se
sob a pia, chorando copiosamente. Estava perdidamente apaixonada.
Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Rodrigo Amém e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização do autor. Entre em contato conosco para maiores informações.
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