Por Rodrigo Amém
Glorinha admirava-se diante do grande
espelho. Mentira. Na verdade, observava de soslaio a bela Clarice e seu vestido
branco ao seu lado. Linda.Tias, madrinhas, a mãe orgulhosa, todas se
engalfinhavam para tocá-la, arrumar seu véu, pegar o buquê. Glorinha sorria,
tímida. Sorriso breve, de educação.
As primas, vindas de longe,
parabenizavam Clarice. "Bela escolha!", "Ele é muito
charmoso!", "Partidão". Glorinha ouvia a tudo e balançava a
cabeça, num sinal de que concordava com tudo. Tudinho.
- Ai, Glorinha! E você, hein? Até a
Clarice que é caçula já tá casando! Quando é que vamos conhecer seu príncipe? -
falou alto uma mulher de nariz grande, chamada Maria de Fátima. Prima distante.
Uma verdadeira víbora.Glorinha ruborizou diante dos risinhos de todas e dos
comentários irônicos. Mas permaneceu calada.
Depois de um momento de silêncio
constrangedor, todas voltaram as atenções à bela Clarice, jovem, estrela da
noite, noiva das noivas. Glorinha, não-bela, não-jovem, ofuscada, madrinha de
todas as irmãs mais novas. Todas as quatro.
Glorinha aproveitou a distração de
suas algozes para ir olhar a pilha de presentes. Coisas finas e caras lotavam o
recinto. Numa mesinha no canto, a foto do casal apaixonado. Ele realmente era
um partidão. "Clarice é uma garota de sorte", algumas diziam.
Glorinha pensava: "Clarice tem sorte de ser bonita. É a única explicação.
Ah, Jorge, se você soubesse..."
Mas Jorge não sabia. Nem se
importava.
- Glória! Glória! Me passa o abridor
de carta. Tá difícil de abrir esse envelope - dizia a bela Clarice, olhando
interessada o décimo telegrama que recebia aquele dia.
Glorinha olha sobre a escrivaninha e
avista o abridor de cartas, pontiagudo. Ah, Jorge...
- AHHHHHH! Ai, Glória! Minha mão! -
Bela Clarice berrava de dor.
- O que está acontecendo, minha
filha? - chega a mãe, assustada com o grito, vinda de outro cômodo.
- Essa sua filha maluca me espetou o
abridor na mão! Olha aí, tá sangrando!
- Levanta a mão, minha filha! Cuidado
tá manchando o vestido de sangue!
- Desculpa, Clarice! Ai, eu sou tão
desajeitada... - disse, com um olhar cheio de candura, Glorinha, aquela velha
raposa.
- Não fica aí parada! Vai buscar
alguma coisa pra estancar o sangue! Glorinha, acorda menina! To falando com
você! - a mãe não sabia se segurava a mão ensanguentada de Clarice ou se sacudia
Glorinha, imóvel numa espécie de transe, observando as gotas de sangue caírem
no vestido branco.
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