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sábado, 8 de fevereiro de 2014

Glorinha & Clarice

Por Rodrigo Amém


Glorinha admirava-se diante do grande espelho. Mentira. Na verdade, observava de soslaio a bela Clarice e seu vestido branco ao seu lado. Linda.Tias, madrinhas, a mãe orgulhosa, todas se engalfinhavam para tocá-la, arrumar seu véu, pegar o buquê. Glorinha sorria, tímida. Sorriso breve, de educação.

As primas, vindas de longe, parabenizavam Clarice. "Bela escolha!", "Ele é muito charmoso!", "Partidão". Glorinha ouvia a tudo e balançava a cabeça, num sinal de que concordava com tudo. Tudinho.

- Ai, Glorinha! E você, hein? Até a Clarice que é caçula já tá casando! Quando é que vamos conhecer seu príncipe? - falou alto uma mulher de nariz grande, chamada Maria de Fátima. Prima distante. Uma verdadeira víbora.Glorinha ruborizou diante dos risinhos de todas e dos comentários irônicos. Mas permaneceu calada.

Depois de um momento de silêncio constrangedor, todas voltaram as atenções à bela Clarice, jovem, estrela da noite, noiva das noivas. Glorinha, não-bela, não-jovem, ofuscada, madrinha de todas as irmãs mais novas. Todas as quatro.

Glorinha aproveitou a distração de suas algozes para ir olhar a pilha de presentes. Coisas finas e caras lotavam o recinto. Numa mesinha no canto, a foto do casal apaixonado. Ele realmente era um partidão. "Clarice é uma garota de sorte", algumas diziam. Glorinha pensava: "Clarice tem sorte de ser bonita. É a única explicação. Ah, Jorge, se você soubesse..."

Mas Jorge não sabia. Nem se importava.

- Glória! Glória! Me passa o abridor de carta. Tá difícil de abrir esse envelope - dizia a bela Clarice, olhando interessada o décimo telegrama que recebia aquele dia.

Glorinha olha sobre a escrivaninha e avista o abridor de cartas, pontiagudo. Ah, Jorge...

- AHHHHHH! Ai, Glória! Minha mão! - Bela Clarice berrava de dor.

- O que está acontecendo, minha filha? - chega a mãe, assustada com o grito, vinda de outro cômodo.

- Essa sua filha maluca me espetou o abridor na mão! Olha aí, tá sangrando!

- Levanta a mão, minha filha! Cuidado tá manchando o vestido de sangue!

- Desculpa, Clarice! Ai, eu sou tão desajeitada... - disse, com um olhar cheio de candura, Glorinha, aquela velha raposa.

- Não fica aí parada! Vai buscar alguma coisa pra estancar o sangue! Glorinha, acorda menina! To falando com você! - a mãe não sabia se segurava a mão ensanguentada de Clarice ou se sacudia Glorinha, imóvel numa espécie de transe, observando as gotas de sangue caírem no vestido branco.




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