Por Marcela de Holanda
Naquela quarta, ela tinha
resolvido caprichar. Tinha grande esperança de que aquele dia mudaria sua vida.
Ela, que só usava calça comprida porque tinha vergonha das suas pernas finas,
colocou um vestido azul florido e as últimas gotas de um perfume que estava
guardando há anos para uma ocasião especial.
Chegou meia hora antes no banco da praça. Normalmente ela ia para lá na sua hora de almoço. A primeira vez que eles tinham sentado lado a lado tinha sido num dia em que ela estava sem paciência para ir almoçar com o pessoal do trabalho. Estava cansada de ouvir aquela gente se gabando de seus casamentos, futuros casamentos, filhos e futuros filhos e resolveu comer um sanduíche que tinha na bolsa embaixo de uma árvore gostosa da praça mais próxima.
Quando estava desembrulhando o almoço, ele se aproximou e sentou ao lado dela. Ele era tão bonito que ela ficou com vergonha de comer na frente dele e guardou o lanche de volta na bolsa. Por sorte, tinha ali um livro que ela nunca conseguia passar da página 10. Pegou para ler enquanto ele lia o jornal. Desviando o olhar vez ou outra, conseguiu reparar nos detalhes. O cabelo preto levemente despenteado, a pele clara demais para alguém que morava num lugar tão ensolarado, o nariz nem grande nem pequeno, os olhos verdes e uma manchinha vermelha na testa, que nele ficava bem charmosa.
Na quarta seguinte, tinha resolvido arriscar e voltou. Ele já estava lá sentado, dessa vez com um livro. E, desde então, ela nunca mais tinha almoçado às quartas e sempre voltava um pouco atrasada para o trabalho. Mas, naquela quarta, ela tinha ligado e dito que estava doente. Assim, pôde chegar mais cedo e se arrumar toda sem que ninguém a perturbasse.
Leu umas vinte páginas antes da hora de costume, mas não assimilou nem meia palavra. Ficou só imaginando como seria a voz dele. Ela podia apostar que era bem grave. Travou também um diálogo imaginário completo com ele onde ele era um cara atencioso, muito interessado, que contava para ela a vida fascinante que tinha e como os encontros silenciosos dos dois eram a melhor parte dessa vida. Ela, por sua vez, transitava entre engraçada, misteriosa e provocativa. O problema era que, ao imaginar, ela sabia que ele até podia ser mesmo daquele jeito, mas ela não era.
Reparou que ele estava atrasado de novo. Posicionou e reposicionou o livro que ele tinha esquecido de mil maneiras no espaço vazio ao lado dela do banco. Tentou ler mais algumas páginas. Começou a ficar com medo de que ele não viesse. E se ele tivesse olhado de longe e pensado que era outra pessoa no banco? Ela não devia ter vindo de vestido. Ele podia não ter reconhecido aquelas pernas magrelas. Ou pior. Podia não ter gostado e preferido perder o livro a trocar algumas palavras com ela. Uma lágrima ameaçou rolar, mas ela conseguiu segurar com medo de que alguém que estivesse passando visse.
Leu, leu, leu, até que
faltassem dez minutos para a hora que ele costumava ir embora. Resolveu não
esperar mais. Ficaria com pelo menos aqueles minutos de dignidade. Pegou o
livro dele para guardar de volta na bolsa e lá de dentro caiu um papel. Parecia
um bilhete. E estava escrito à mão.
Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Marcela de Holanda e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização da autora. Entre em contato conosco para maiores informações.
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