Por Amanda Leal
Deusemar,
mulata, corpo escultural, 30 anos e um sonho: desfilar no carnaval. Sair na
Sapucaí não era apenas um desejo, mas sim um objetivo que ela tinha certeza de
que iria conquistar. Não queria sair em carro alegórico, não queria sair na
diretoria, queria apenas percorrer a avenida sambando com pouca roupa e
absorvendo a energia do samba.
2013
foi um ano de muito trabalho, fez faxina para complementar o orçamento de
doméstica e até ajudou a cuidar dos cachorros dos patrões durante uma viagem
deles. Tudo isso para bancar a tão sonhada fantasia. Economizou no presente de
Natal da família, pois qualquer graninha era bem-vinda.
Deusa,
como era conhecida, tinha um filho. O pequeno Sidney. O menino agitado e sapeca
tinha cinco aninhos e já vivia a dois sem seu pai. Cléber morreu durante uma incursão dos policiais na comunidade onde trabalhava, era homem honesto e
trabalhador e mais uma vítima de bala perdida.
O
ano do objetivo foi bem complicado, cheio de impedimentos, mas no fim lá estavam:
os quatro mil reais de sua fantasia. Sorte da Deusa ter um primo que trabalha
no barracão. Ele até tinha conseguido que ela desfilasse de graça, mas seria
sem fantasia, ao lado da galera da escola. Sem fantasia? Nada feito para ela.
Finalmente
chegou o grande dia e Deusemar era só expectativa. Acordara cedo para fazer o
cabelo, pegou um pouco de sol na lage, já tinha combinado com a mãe que tomaria
conta de Sidney. E por falar nele, o menino acordou um pouco quietinho hoje.
Com uma tossezinha chata. Deve ser gripe, afinal de contas criança gripa toda
hora.
A
hora do desfile foi se aproximando e Deusa estava cada vez mais linda, montada
em sua fantasia cheia de plumas e paetês. As amigas da comunidade morriam de
inveja. Nessa hora todas lamentaram por não ter os quatro mil reais para também
poder sambar na avenida. Deusa além de linda era guerreira.
Foi
até o quarto do filho e estranhou novamente a aparência do menino. Resolveu
sentar ao seu lado e esperar um pouco mais, mas o tempo ia passando, passando e
a preocupação com a condução e com o menino aumentava. Se saísse agora chegaria
a tempo na Sapucaí, se demorasse mais corria o risco de ter que sambar dentro
do ônibus.
O
menino só piorava, estava com um febrão. A mãe de Deusa disse que ela poderia
ir tranquila, que daria conta de cuidar do menino. Deusa fez que ia umas quatro
vezes e do meio do caminho, voltou. Coração de mãe. Ela sabia que precisava
estar ali.
Assistir
pela tv só aumentava sua agonia e a fazia lembrar do tamanho sacrifício que foi
até chegar esse dia. A febre do menino aumentava e resolveram levá-lo para a
Upa mais próxima.
Chegando
lá tiveram sorte, muita sorte de estar vazio. Parecia que estava todo mundo em
algum outro lugar. E realmente estavam, estavam em seus mundos particulares
curtindo o carnaval. Os médicos até que permaneciam de bom humor, o que era
estranho, pois ninguém gosta de trabalhar quando todo mundo está se divertindo,
assim julgava Deusa. E o menino foi atendido.
Doutora
Suzana disse que tiveram muita sorte, pois a pneumonia estava em estágio
avançado e que se o menino tivesse ido para a emergência em um dia comum,
talvez não tivesse sobrevivido. A Upa dali costumava ser muito cheia. E
Deusemar ainda pensou que hoje estaria insuportável, pois a quantidade de gente
doida no carnaval só contribui para que os hospitais fiquem ainda mais cheios.
Vai ver foi um milagre. O milagre do carnaval.
Com
a situação sob controle a Dra Suzana garantiu que o menino ficaria bem. Se tudo
fosse feito da maneira correta e que se fosse preciso iriam até mesmo tentar
vaga em um hospital maior. A noite foi longa para Deusa, Sidney e toda a sua
família. Ela ali, sentada num banco improvisado ao lado do filho, abaixou a
cabeça e agradeceu a Deus baixinho por ter seguido o seu instinto de mãe e ter
ficado com ele e também pela doença ter se manifestado justamente naquele dia.
Pois como a médica mesmo lhe tinha dito, com a Upa vazia tudo foi mais fácil.
Em
um mês o menino já estava novinho em folha, correndo e bagunçando por ai. E na
sala da casa, ao lado do sofá havia um manequim que usava a fantasia daquele
fatídico carnaval. Estava ali como lembrança. Para recordar não as lembranças
de uma Sapucaí cheia e sim de um hospital vazio e da vida de seu filho Sidney.
Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Amanda Leal e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização da autora. Entre em contato conosco para maiores informações.
Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Amanda Leal e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização da autora. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela gentileza! Aguardamos a sua volta.