Por Rodrigo Amém
Cauré herdou o nome do avô, que
nasceu sob o planar de um gavião. Do seu pai, Andirá, aprendeu a pesca, tinha
tempo, já. Ele era guri, ainda tinha peixe, ainda tinha rio. Agora, só pescava
lembranças entre um arado e outro. Quase não vinha nada na rede das memórias.
Só secura.
Mas foi da mãe, Jandira, trançadeira,
que aprendeu a trançar e tecer o artesanato que lhe deu sustento. Sabia fazer
cesto, balaio, tapete, corda. Só não aprendeu a trançar o destino, sempre
emaranhado, quebradiço.
Seu tio dizia que, no sangue do
Kaiowá, não corre paz. A maldição do povo guerreiro é a vocação da guerra.
Enquanto trançava, Cauré não se lembrava direito se a luta era caminho ou meta.
Só a sentia presente, pesada. Cauré se sentia cansado e só.
Esta é a última noite de Tekoha.
Amanhã, sol alto, as autoridades virão reclamar a terra. De sua avó, Coaraci,
Cauré aprendeu que Tekoha, como os Kaiowás batizam seu lar, é a junção de teko
(modo de ser), com ha (lugar onde). A terra e o Kaiowá são trançados juntos,
como a corda longa que Cauré arremata no costume de sua gente.
De pé, sobre o maior galho do ipê
roxo que fez sombra à sua infância, Cauré ajusta o nó firme na corda virgem.
Olha pela última vez o horizonte sobre Tekoha. Abre os braços feito gavião e
salta, unindo-se a Andirá, Jacira e Coaraci. Pés removidos da terra, suspensos
pelas próprias tradições, num suave balançar na alvorada.
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