Cada dia da nossa vida é de um jeito. Sem regras ou com regras.
De qualquer forma, nada é igual.
Aqui cada dia é dia de um texto diferente.
Quer sair da rotina? Fica com o Salada!

sábado, 19 de abril de 2014

Tekoha

Por Rodrigo Amém

    Cauré herdou o nome do avô, que nasceu sob o planar de um gavião. Do seu pai, Andirá, aprendeu a pesca, tinha tempo, já. Ele era guri, ainda tinha peixe, ainda tinha rio. Agora, só pescava lembranças entre um arado e outro. Quase não vinha nada na rede das memórias. Só secura.

     Mas foi da mãe, Jandira, trançadeira, que aprendeu a trançar e tecer o artesanato que lhe deu sustento. Sabia fazer cesto, balaio, tapete, corda. Só não aprendeu a trançar o destino, sempre emaranhado, quebradiço.

     Seu tio dizia que, no sangue do Kaiowá, não corre paz. A maldição do povo guerreiro é a vocação da guerra. Enquanto trançava, Cauré não se lembrava direito se a luta era caminho ou meta. Só a sentia presente, pesada. Cauré se sentia cansado e só.

     Esta é a última noite de Tekoha. Amanhã, sol alto, as autoridades virão reclamar a terra. De sua avó, Coaraci, Cauré aprendeu que Tekoha, como os Kaiowás batizam seu lar, é a junção de teko (modo de ser), com ha (lugar onde). A terra e o Kaiowá são trançados juntos, como a corda longa que Cauré arremata no costume de sua gente.  


      De pé, sobre o maior galho do ipê roxo que fez sombra à sua infância, Cauré ajusta o nó firme na corda virgem. Olha pela última vez o horizonte sobre Tekoha. Abre os braços feito gavião e salta, unindo-se a Andirá, Jacira e Coaraci. Pés removidos da terra, suspensos pelas próprias tradições, num suave balançar na alvorada.



Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Rodrigo Amém e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização do autor. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela gentileza! Aguardamos a sua volta.