Por Amanda Leal
Fundo
do mar. Dias quentes do verão. Tardes, noites e dias.
Havia
uma sereia de calda azul brilhante que adorava nadar sem rumo. Para nós humanos
seria como sair andando sem destino, se exercitando até o fôlego terminar. Ela
fazia isso todos os dias e assim, diziam, era como a mocinha mantinha a forma.
Natação faz bem a saúde dizem os médicos e principalmente aos pulmões, vai ver
que é por isso que o canto da sereia é inconfundível e maravilhoso de se ouvir.
E
ela tinha mesmo uma bela voz, uma voz de dar inveja. Inveja. Pensava eu, que no
mar não havia essas coisas. Mas nada é perfeito em lugar nenhum. Ela havia
ganho uns quinze concursos de canto, alguns dentro e fora da sua aldeia e
também havia sido escolhida como a menina mais bonita do lugar em que morava.
Para
quem ainda não perdeu a inocência tudo parece bem. E assim a sereia achava que
estava tudo na mais perfeita paz. Ela continuava com o seu hábito de sair por
ai nadando, nadando , nadando sem destino quando um belo dia encontrou uma
caixinha de joias. Eram todas muito lindas e nunca antes vistas por ali. Devia
ser coisa da gente aqui de cima, penso eu.
Mas
o colar coube direitinho nela, o anel ficou um pouco frouxo e o broche perfeito
em seus cabelos verdes. A sereia apareceria ainda mais linda em sua aldeia.
Todas as outras sereias da sua idade ficaram impressionadas com a tamanha
beleza das joias. Todas queriam estar em seu lugar. Todas queriam ser sortudas.
Mas nenhuma delas se aventurava a sair e procurar o resto do tesouro. Não eram
corajosas, diziam por ai.
Nossa
sereia se chama Alana. Sua família não é uma das mais poderosas do reino. Ela
ainda não tem um pretendente e nem sequer pensa em casar, mas (mesmo sem saber)
já possui uma grande inimiga. Elas só se esbarraram uma vez e se você perguntar
a Alana se ela lembra de certa mulher morena, por volta dos sessenta anos, ela
dirá que nunca a viu na vida.
Leona,
a mulher, ficou estranhamente interessada nas joias que a nossa sereia usava e
desde que se encontraram na saída do metrô (sim, eles têm metrô no fundo do mar),
nunca mais a sua vida foi a mesma. Leona começou a seguir Alana e usando de
truques forjou várias coincidências, encurralou Alana como pôde e ofereceu
fortunas para comprar a tiara, o colar e o anel, porém Alana disse que não
faria negócio. Isso provocou a ira da mulher e foi o suficiente para
transformar a vida de Alana em um inferno.
Em
uma semana Alana quebrou o braço, teve três escamas removidas bruscamente de
sua calda num passeio com as amigas por um peixe esquisitíssimo que passara
correndo por elas. Seu cabelo ficou preso atrás de uma porta de ferro na
entrada da sua faculdade, tendo que cortá-lo bem curto para poder se locomover
novamente. Alana sentia que sua vida estava bem estranha e que precisava tomar
cuidado.
Certo
dia saindo da escola, se sentiu seguida. Estava sozinha, suas amigas ficaram
para trás. Ela lamentou muito por não ter esperado pelas amigas. Primeiro erro
de Alana. Só que resolveu continuar
assim mesmo e como num passe de mágica uma serpente gigante apareceu na sua
frente e ela deu um berro de susto. Berro esse que pareceu não ser ouvido por
ninguém. A rua continuava deserta.
A
serpente cercava a sereia que a todo custo tentava se desvencilhar, mas não
conseguia. Eis que na sua frente apareceram oito braços de polvo bem cinzas e
pegajosos e logo em seguida ela avistou Leona, a mulher da saída do metrô. Agora
sim ela podia lembrar, pois ao menos o rosto estava igual.
Alana
sabia o que a esperava. A mulher segurava um frasco com um líquido vermelho
dentro e disse para a sereia que se ela não entregasse as joias então a mataria.
Assalto a mão armada e nós conhecemos isso muito bem. Alana não pensou duas
vezes e retirou tudo o que tinha e entregou para a mulher. Rapidamente a mulher
desapareceu com tudo o que tinha em mãos e em seguida a serpente se afastou.
Alana
se encostou na parede de pedras e ficou ali recuperando o fôlego e pensando no
quão burra ela tinha sido por sair com joias tão bonitas por ai. Deveria, como
sua mãe havia recomendado, guardá-las para uma ocasião especial ou poderia ter
vendido as joias para a mulher na primeira oportunidade que teve. De repente
apareceu uma senhorinha bem velhinha e decrépita. Ela ofereceu ajuda a pobre
sereia que prontamente aceitou. As duas trocaram meia dúzia de palavras e a
senhora lhe ofereceu um gole da coca-cola que segurava, para que a sereia pudesse
recuperar o fôlego e assim voltar para sua casa. Desde esse dia Alana nunca
mais acordou.
Ela
foi encontrada pelas amigas que finalmente voltaram da escola e foi
imediatamente levada para perto de seus pais. O caso mobilizou toda a aldeia e
muitas pessoas tentaram ajudar a jovem, mas ainda sem sucesso. Certo dia, sua
mãe, foi a uma livraria e comprou um livro. Onde descobriu um caso bem
semelhante ao de Alana e que no fim da história a moça era acordada pelo beijo
de um príncipe. Surgiu a esperança. Faz dois anos que Alana dorme e aguarda o
seu príncipe chegar. Existem rumores de que o príncipe do reino do sul vai
tirar umas férias na pequena aldeia do norte e ele está solteiríssimo. Bem, o
fim? Ah, o fim vocês já sabem, né!
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