Cada dia da nossa vida é de um jeito. Sem regras ou com regras.
De qualquer forma, nada é igual.
Aqui cada dia é dia de um texto diferente.
Quer sair da rotina? Fica com o Salada!

terça-feira, 8 de abril de 2014

Crença e destino

Por Rec Haddock 

Tudo estava armado: incontáveis velas espalhadas pela sala, pétalas de rosas jogadas sobre todo lugar, um lindo jantar disposto sobre a mesa da frente. Reconhece a cena, leitor? É claro que sim. Não é difícil reconhecer. Ashara também reconheceu-a - e perdeu o fôlego - quando entrou no recinto, todos nós percebemos.

Não foi um momento íntimo, o deste pedido. Não mesmo. A sala em que nos encontrávamos era um daqueles auditórios gigantescos nos formatos de um teatro grego, com andares e andares de carteiras para os alunos – onde normalmente tínhamos aula de Álgebra II - e, diferente de um dia de aula normal, ela estava lotada de alunos.

Eles já moravam juntos, é importante frisar. E Will odiava a palavra casamento. Não compreendia como as pessoas podiam recitar palavras escritas por outras pessoas nas cerimônias de casamento e acreditar que isso faria deles um casal mais sério, ou mais maduro.

Para a sociedade eram casados, de toda forma. Mas não para Ashara. Ela ansiava por um pedido de casamento desde os seus seis anos de idade. Se ressentia profundamente de nunca ter sido pedida em casamento e se ressentia mais ainda de nunca ter sido pedida em casamento por Will.

Mas Will amava Ashara e não podia permitir que ela carregasse um ressentimento tão grande por sua culpa. E Will amava poder reafirmar suas convicções em voz alta e vivê-las na medida em que se gabava delas. E Will queria Ashara e suas convicções, e todos esperavam pelo dia em que Will iria (ter que) escolher.

Will anunciou a surpresa a todos, menos à Ashara, e o impensável ocorreu: Ashara não ficou sabendo com antecedência. Na verdade nenhum de nós ficou sabendo ao certo o que iria acontecer, pois tudo o que Will disse foi que fôssemos à sala 3 no dia 27 de Setembro com uma vela cada um. Quando chegamos, a sala já estava cheia de pétalas, e o jantar já estava na mesa, e Will já estava de terno e suando feito um porco.

Acendemos nossas velas e apagamos a luz, e, de repente, o auditório era o universo, e nós, os amigos do casal, éramos as estrelas que iam iluminar o momento.

Ashara entrou, perdeu o fôlego, e inspirou profundamente. Começou a rir e a chorar, ao mesmo tempo, e muitos de nós fazíamos a mesma coisa. Eu, particularmente, não fazia nem uma, nem outra. Mas devo admitir que chorei um pouquinho, e ri baixinho. E quando Ashara alcançou Will, ele começou seu discurso:

“Asha, meu amor. Eu estou aqui ajoelhado, na frente dessa multidão para te decepcionar um pouquinho. Eu sei o quanto você preza demonstrações públicas de afeto, e o quanto você quer ser pedida em casamento, mas eu só posso fazer uma das duas coisas.”

Asha parou de rir.

“Existem muitas formas de se demonstrar amor, mas só uma delas realmente é sincera. Tudo o que perdemos nessa vida pode ser reconquistado, à exceção de uma coisa: o Tempo. Não posso gastar com outra coisa o tempo que já dispus a você.”

Asha parou de chorar também.

“E o tempo vem e vai com o tempo. O que tenho agora, por exemplo, estou escolhendo gastar com você. E pretendo oferecer mais tempo da minha vida, ainda, a você. Muito mais. Tempo para esgotar o meu tempo, desde que você escolha fazer o mesmo por mim.”

Ela abriu a boca para falar. Mas não falou. Will esperou e esperou. Todos paramos de respirar por um momento, e quando Will recomeçou, parecia um pedido de desculpas.

“Outros diriam apenas: ‘você quer casar comigo?’, mas eu não quero casar com você. Existem muitas pessoas que casam e não se doam umas às outras. Eu não quero isso pra gente. Existem muitas pessoas que moram juntas, mas nunca estão presentes no mesmo cômodo, mesmo que por vezes se encontrem juntas fisicamente. Eu não quero isso pra gente. Eu quero te dar o meu tempo, você entende? E quero que você me dê o seu. Você também quer isso?”

Nada. De repente, parecia que Asha iria embora sem dizer ao menos uma palavra.

“Asha. Se você quer casar comigo, você precisa entender que eu não posso abrir mão de quem eu sou. Ou você aceita esse pedido ou me faz virar alguém que não sou para casar com você.”

E Asha finalmente falou.

“OK. Mas você vai ter que me dar muito tempo.”

Quem ainda não chorara, chorou.


“Então, amor. Você aceita casar comigo?”



Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Rec Haddock e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização do autor. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela gentileza! Aguardamos a sua volta.