Por Rodrigo Amém
Ao final do quarto dia sem comida e água, o missionário arrastava suas sandálias morro acima, fé embotada em cansaço e incerteza. Já no cume, a imagem de um imenso lago o atingiu como redenção e humildade e, trôpego, o viajante jogou-se às margens e engoliu toda a água do mundo. Ainda restava a fome de uma semana quando, carregando peixes em cacho, um pescador caminhava em direção do missionário de braços erguidos em gratidão pela graça alcançada.
- Por favor, cavalheiro. O senhor disporia de um peixe para ajudar a propagar a mensagem de Deus?
O pescador olhou-o sem emoção.
- Por que Deus precisaria do meu peixe?
- Deus precisa que todos propaguem Sua Palavra. Para isso fez de mim missionário. Para que Sua Mensagem chegasse mais longe.
- Não teria sido mais eficiente fazer de você pescador?
- Cavalheiro...
- Cavalheiro é quem tem estudo, senhor. Sou pescador. Tiro meu sustento do mar. E é só o que eu sei.
- Pois foi Deus quem criou o mar que lhe dá sustento. O senhor está obrigado a expressar sua gratidão! - exaltou-se o faminto missionário.
- Se assim o senhor diz, o criador do mar é o criador de tudo que há. - Sim! Nada passa pela terra sem o Seu conhecimento!
- Pois também deve ser obra dele a morte que te assombra. Aceita teu destino, senhor. É da vontade dele. O missionário calou-se diante da própria morte.
- Você deixaria um irmão morrer de fome? O pecador se sentou.
- Nasci pobre. Quando eu não tinha idade nem coberta, eu e meu irmão dividíamos o pijama do meu falecido pai. Cada um vestia uma perna e um braço. E o calor do abraço embalava nosso sono. Quando eu fiquei grande demais para o meu lado do pijama, tive que escolher morrer de frio, matar de egoísmo ou virar pescador. Então o pescador alcançou o cacho de peixes e jogou um deles na direção do missionário.
- Não sei qual a mensagem do seu deus. Mas, se ele não te deu um pijama, aprenda a pescar. - disse o pescador, tomando seu rumo.
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