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sábado, 26 de abril de 2014

Pijamas e peixes

Por Rodrigo Amém


Ao final do quarto dia sem comida e água, o missionário arrastava suas sandálias morro acima, fé embotada em cansaço e incerteza. Já no cume, a imagem de um imenso lago o atingiu como redenção e humildade e, trôpego, o viajante jogou-se às margens e engoliu toda a água do mundo. Ainda restava a fome de uma semana quando, carregando peixes em cacho, um pescador caminhava em direção do missionário de braços erguidos em gratidão pela graça alcançada.

- Por favor, cavalheiro. O senhor disporia de um peixe para ajudar a propagar a mensagem de Deus?

O pescador olhou-o sem emoção.

- Por que Deus precisaria do meu peixe?

- Deus precisa que todos propaguem Sua Palavra. Para isso fez de mim missionário. Para que Sua Mensagem chegasse mais longe.

- Não teria sido mais eficiente fazer de você pescador?

- Cavalheiro...

- Cavalheiro é quem tem estudo, senhor. Sou pescador. Tiro meu sustento do mar. E é só o que eu sei.

- Pois foi Deus quem criou o mar que lhe dá sustento. O senhor está obrigado a expressar sua gratidão! - exaltou-se o faminto missionário.

- Se assim o senhor diz, o criador do mar é o criador de tudo que há. - Sim! Nada passa pela terra sem o Seu conhecimento!

- Pois também deve ser obra dele a morte que te assombra. Aceita teu destino, senhor. É da vontade dele. O missionário calou-se diante da própria morte.

 - Você deixaria um irmão morrer de fome? O pecador se sentou.

- Nasci pobre. Quando eu não tinha idade nem coberta, eu e meu irmão dividíamos o pijama do meu falecido pai. Cada um vestia uma perna e um braço. E o calor do abraço embalava nosso sono. Quando eu fiquei grande demais para o meu lado do pijama, tive que escolher morrer de frio, matar de egoísmo ou virar pescador. Então o pescador alcançou o cacho de peixes e jogou um deles na direção do missionário.

- Não sei qual a mensagem do seu deus. Mas, se ele não te deu um pijama, aprenda a pescar. - disse o pescador, tomando seu rumo.


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