Cada dia da nossa vida é de um jeito. Sem regras ou com regras.
De qualquer forma, nada é igual.
Aqui cada dia é dia de um texto diferente.
Quer sair da rotina? Fica com o Salada!

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Profissão: Ator / Atriz

Por Marcela de Holanda



        Acredito que em algum lugar aqui dentro de mim tenha de tudo. Se não de tudo, o equivalente a células-tronco emocionais, comportamentais, com potencial para formar qualquer combinação de fatores. Eu não sou tudo que tenho em mim. Eu sou aquilo que escolhi ou precisei disso tudo. Eu sou eu e continuo carregando, em algum lugar, todo resto.
 Se nisso não acreditasse, minha profissão seria para mim mero fingimento. Bem ou mal fingido, mas fingido. Acho que isso não me interessaria. O que me interessa é poder ir lá. Lá onde a maioria das pessoas não vai. Lá onde eu nem sei onde fica. Buscar, mesmo correndo o risco de não encontrar, coisas novas e intocadas capazes de construir um outro eu. Um eu que eu vou deixar me ocupar enquanto ele precisar. Para esses outros eus, coisas minhas eu até posso emprestar. Sei que eles também são capazes de me ajudar, de me ensinar, de deixar algo em mim, de transformar.
E assim, aproveito para tirar o proveito de muitas vidas em uma só. Atuando estou agindo em mim e com sorte nos eus que me assistem também. É para isso que sou o que sou.

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terça-feira, 29 de abril de 2014

Imparcialidade jornalística

Por Rec Haddock

INT. ESTUDIO DE TV. NOITE.

GENI, a âncora de um telejornal, está sentada sozinha na bancada. Ela veste um tailleur risca de giz. Sobre a bancada, uma série de papéis organizados, e uma caneta tinteiro vermelha. Em primeiro plano, os bastidores do estúdio. Dois câmera mans operando suas câmeras, e dois produtores, um homem e uma mulher, acompanham o que acontece no programa.

GENI
Sobre essa curiosa corrida de pinguins.
Geni leva a mão ao ouvido rapidamente, e passa de imediato da atitude descontraída em que estava, para uma atitude de alerta, lendo no teleprompter.

GENI (CONT’D)
Temos informações de uma notícia de última hora. Houve uma explosão em um prédio comercial na Gávea. Uma nuvem de fumaça tóxica envolveu dois quarteirões da Rua Marquês de São Vicente, criando pânico entre os pedestres que estavam no local, no momento da explosão. Pede-se à população que, por favor, evite a área.
Devido às condições do local, ainda não há informações de mortos ou feridos, nem de qual, exatamente, foi o prédio onde ocorreu a explosão.
A explosão assustou os moradores da região. Eles reclamam da demora dos bombeiros, que levaram cerca de 20 minutos para chegar à área.
A produtora começa a servir um copo com água e açúcar.

GENI (CONT’D)
O Delegado da 15 DP nos informou por telefone que nenhuma linha de investigação será descartada, a princípio, e que atentado é uma das hipóteses a serem avaliadas.
Nosso repórter, Wandrei Júnior, está sobrevoando a área com mais informações. Wandrei.
Cadê meu celular? Cadê? Traz meu celular agora, Fernando! Agora! Meu marido trabalha lá, no Trade Center.
O Produtor começa a mexer em uma bolsa, pendurada em um tripé de refletor. A PRODUTORA entra no quadro com um copo de água com açúcar, oferecendo-o a Geni.

GENI (CONT’D)
Tira essa merda da minha frente! Não preciso disso pra ficar calma.
Um PRODUTOR acha o celular na bolsa e o leva para Geni. A Produtora deixa o copo d’água sobre a bancada. Geni digita o telefone de seu marido, e leva-o ao seu ouvido.

GENI (CONT’D)
Porque essa merda não liga? O celular não pega aqui? Ai. Pegou.
Silêncio. Ela desliga e liga de novo.

GENI (CONT’D)
Porque ele não atende? Será que ele tá sem o celular?
Segura o link! Manda o Wandrei enrolar, pelo amor de Deus! Meu marido está lá, eu não vou conseguir me controlar.
Obrigada pelas informações, Wandrei. Me diz, por favor, se é possível identificar daí qual foi o prédio que explodiu.
Tempo

GENI (CONT’D)
Mas ninguém tem essa informação? Nem os bombeiros? E ainda nenhuma informação sobre vítimas, deste que pode ter sido um atentado a um prédio na Gávea?
E o comandante não tem vergonha de gerir uma equipe ineficiente deste jeito? Isso é um absurdo! É preciso ser apurado porque se levou vinte minutos para atender a um chamado destas proporções.
Estamos às beiras da Copa do Mundo e o Corpo de Bombeiros não está a postos para este tipo de emergência?
Já fazem vinte e cinco minutos desde o momento da explosão, Wandrei. Alguma informação nova?
Geni pega o celular e começa a ligar para o marido, novamente.

GENI (CONT’D)
Fernando. Pega meu celular. Fica ligando até ele atender.
Geni entrega o celular ao Produtor, que fica tentando ligar.

GENI (CONT’D)
Então é imperativo que as pessoas não busquem ir ao local. A fumaça é realmente tóxica. Todos nos lembramos dos atentados de onze de Setembro. Muitos que não morreram nas explosões, nas torres gêmeas, morreram por inalar toda aquela fumaça.
Nossa equipe está tentando colocar o comandante dos bombeiros no ar por telefone, para explicar porque já se passou tanto tempo desde o incidente e ainda não temos nenhuma informação oficial das autoridades.
Como ele espera que fiquem os familiares das pessoas que trabalham na área? Esse homem não tem mãe?
O Produtor consegue completar a ligação e faz sinais com as mãos indicando para Geni que o seu marido está bem, ao telefone.

GENI (CONT’D)
Bom. Infelizmente o nosso tempo acabou. Obrigada, Wandrei. Durante o resto de nossa programação, exibiremos flashes com as atualizações sobre o caso. Fiquem agora com a novela “Escolhas Trocadas”. Boa Noite.


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segunda-feira, 28 de abril de 2014

Poliamor, Poligamia ou polidance?

Por Danilo Marcks

      Você  ouviu falar no Poliamor? Vive isso? Sabe o que é? Bem, eu tenho tentado entender. Desde que cheguei a São Paulo tenho escutado esse termo para designar as novas relações amorosas e as que estão por vir. Poliamor é (do grego πολύ - poli, que significa muitos ou vários, e do Latim amor, significando amor) é a prática, o desejo, ou a aceitação de ter mais de um relacionamento íntimo simultaneamente com o conhecimento e consentimento de todos os envolvidos. Poliamor é frequentemente descrito como consensual, ético, responsável e não-monogâmico. Ou seja, a possibilidade de amar vários e várias ao mesmo tempo. Que seja um único amor, mas distribuído para tantos outros. Sem brigas, sem amarras e sem ciúmes. Será?

       O poliamor tem sido substituído pelo termo “relacionamento aberto”, onde na maioria dos casos, pelos amigos e colegas que vivem isso, é um relacionamento cheio de regras. Aberto sim, mas não tão assim. No poliamor, ao contrário, existe apenas uma regra: ambos conhecem e sabem dos outros amores e por muitas vezes vivem uma relação entre todos eles. Múltiplos amores. Não há traição. Dizem os adeptos. É como: “mentiras sinceras, me interessam”.

       Numa era de aplicativos e sites de relacionamentos com milhões de ofertas, o poliamor se encaixa como uma luva para cobrir nossas superficialidades e a falta de decidir por quem ficar. É tanta oferta que temos o medo de arriscar em apenas um e aí por que não ter vários?O problema é que por muitas vezes você está sendo sincero com o seu parceiro ou parceira, eles vivem o poliamor, mas só você ainda não sabe. Ser verdadeiro, onde se abrir e se arriscar de fato, de carne, seria um equívoco tremendo e faria perder outras tantas possibilidades num polidance de pessoas preenchidas de relações rasas e sem aprofundamento, de um ser humano cada vez mais angustiado e cheio de carências...

      Em outras palavras, o poliamor vale como opção ou modo de vida, onde se defende a possibilidade prática e sustentável de se estar envolvido de modo responsável em relações íntimas, profundas e eventualmente duradouras com vários parceiros simultaneamente, onde ambos e todos estão de acordo e cientes. Será que é possível dar-se conta de tudo isso? No fundo, no fundo, todo mundo quer um “homem pra chamar de seu”, sejam eles ou elas. Querem ouvir um único Eu te amo, mas que seja único e verdadeiro.



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domingo, 27 de abril de 2014

Mais que respiração

Por Halliny Lima


Mais que respiração

Desleixo

Se queixa

Dislexia moral

Chega a ser imoral

Por que o comprometimento?

Ou a falta de?

Fico possessa

Presa

Com vontade de voar

Garganta fechada

E essa queixa é aguda

Difícil escrever esse

Mais difícil ainda falar

Mula carrega a carga até ficar estafada

E continua a carregar

E no silêncio eu digo

Ou na respiração pausada

Não quero machucar

Mas me machuca

E não gosto

Aprender a dizer não

Mais que respiração




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sábado, 26 de abril de 2014

Pijamas e peixes

Por Rodrigo Amém


Ao final do quarto dia sem comida e água, o missionário arrastava suas sandálias morro acima, fé embotada em cansaço e incerteza. Já no cume, a imagem de um imenso lago o atingiu como redenção e humildade e, trôpego, o viajante jogou-se às margens e engoliu toda a água do mundo. Ainda restava a fome de uma semana quando, carregando peixes em cacho, um pescador caminhava em direção do missionário de braços erguidos em gratidão pela graça alcançada.

- Por favor, cavalheiro. O senhor disporia de um peixe para ajudar a propagar a mensagem de Deus?

O pescador olhou-o sem emoção.

- Por que Deus precisaria do meu peixe?

- Deus precisa que todos propaguem Sua Palavra. Para isso fez de mim missionário. Para que Sua Mensagem chegasse mais longe.

- Não teria sido mais eficiente fazer de você pescador?

- Cavalheiro...

- Cavalheiro é quem tem estudo, senhor. Sou pescador. Tiro meu sustento do mar. E é só o que eu sei.

- Pois foi Deus quem criou o mar que lhe dá sustento. O senhor está obrigado a expressar sua gratidão! - exaltou-se o faminto missionário.

- Se assim o senhor diz, o criador do mar é o criador de tudo que há. - Sim! Nada passa pela terra sem o Seu conhecimento!

- Pois também deve ser obra dele a morte que te assombra. Aceita teu destino, senhor. É da vontade dele. O missionário calou-se diante da própria morte.

 - Você deixaria um irmão morrer de fome? O pecador se sentou.

- Nasci pobre. Quando eu não tinha idade nem coberta, eu e meu irmão dividíamos o pijama do meu falecido pai. Cada um vestia uma perna e um braço. E o calor do abraço embalava nosso sono. Quando eu fiquei grande demais para o meu lado do pijama, tive que escolher morrer de frio, matar de egoísmo ou virar pescador. Então o pescador alcançou o cacho de peixes e jogou um deles na direção do missionário.

- Não sei qual a mensagem do seu deus. Mas, se ele não te deu um pijama, aprenda a pescar. - disse o pescador, tomando seu rumo.


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sexta-feira, 25 de abril de 2014

Brisa

Por Amanda Leal

Ai que vontade de sair correndo por ai gritando, ai que vontade de dizer para as pessoas que eu odeio o quão importante elas foram para o meu amadurecimento. Ai que vontade de tomar uma água de coco num dia de sol  na praia do Leblon, sentada numa espreguiçadeira bem gostosa e com um biquíni tomara que caia roxo claro e branquinho.

Nossa! Que vontade de pegar o meu celular e atender somente pessoas altamente especiais. Huummm, que vontade de olhar pra trás e pensar que os meus problemas foram apenas problemas passageiros e que a vida começa agora, a partir deste momento!
Como seria bom ir agora ao shopping, comprar um vestido bonito para ir a uma festa e passar direto no débito, não importando o valor.  Ahhhh seria bom, principalmente, ter o coração limpo de todas as tristezas e amarguras dos últimos dez anos.

Num dia ensolarado, como esse ai de cima, eu ia adorar saber que às quatro horas eu teria um horário marcado na minha massagista particular. Eu sempre acreditei que a felicidade é para todos, inclusive pra mim.

Um sorriso marcado de profunda alegria revigora o coração de qualquer um... Quando eu encontro alguém que consegue tirar isso de mim...meu DEUS! Que pessoa boa. Que talento! E essa alegria verdadeira, que vem de dentro, às vezes se manifesta do nada. Mas bom mesmo é quando alguém a estimula. Ou quando ouço uma música bonita e ela desperta essa coisa gostosa que droga nenhuma pode despertar.

Quando olho uma linda pintura, as cores todas misturadas...Principalmente quando formam um azul esverdeado, me deixa particularmente feliz. Os poemas do Drummond também me fazem penetrar nessa felicidade que para muitos parece distante, mas que ele me faz pensar que está perto. Quando o vejo questionando o mundo e falando de pedras no meio do caminho, eu penso que viver é questionar e sobreviver é conseguir pular as pedras. E isso me conforta de certa forma. Há coisas jogadas por ai. E você precisa lidar com elas. Podem ser coisas boas. Podem ser coisas ruins. Todas com o mesmo valor, o valor do conhecimento das coisas.

Agora estou viciada em café. Nesse momento estou sentada numa paisagem bem diferente da que descrevi acima. Estou numa salinha branca, à meia luz de um abajur e com o laptop ligado, um cigarro aceso e xícaras espalhadas pela mesinha de vidro onde estou sentada. Está bem frio. Uma manhã fria de julho. Sou jornalista. Preciso escrever ainda hoje um artigo sobre felicidade. Era mais fácil me imaginar na praia do que aqui, nesse frio, nessa solidão quase que forçada para tentar escrever. Ahhhh droga! Eu deixei os pães de queijo queimarem! Uma pausa para salvar o pão de queijo. Logo volto com mais um café e mais uma xícara.

- Ahhhh um capuccino agora não seria nada mau! Mas, não sei fazer. E ainda tem o artigo para a revista. Aff!

Seria mais fácil falar de felicidade usando uma protagonista altamente realizada. Mas será que todas as pessoas altamente realizadas são felizes? Acredito que sempre lhes falta alguma coisa. Veja no meu caso: eu me sinto realizada profissionalmente e nem por isso sou absolutamente feliz. Me faltam alguns pontos. Só pelo fato de ter saúde, ser livre para fazer as coisas que gosto eu me sinto feliz, mas ainda assim me faltam alguns pontos. Acho que a minha protagonista, então, merece ter mais algo meu do que algo inventado de uma suposta vida realizada e feliz, de dias de sol e praia.

A protagonista certa para meu conto fica triste em dias nublados, principalmente manhãs, odeia faltar á academia. Isso a deixa pra baixo. A minha protagonista cada vez mais se parece comigo. Estou aqui sentada consultando coisas sobre felicidade, mas a única coisa que achei de interessante veio do meu preferido, do Drummond. Numa frase brilhante de um poema lindo dele, chamado “Sentimento do mundo”, onde diz: “Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”. Isso já é o bastante para ser feliz, não é? Ter duas mãos para trabalhar, para abraçar as coisas boas e afastar as coisas ruins que acontecem conosco. Somente sentir o mundo como ele é. A busca pela maturidade que eu citei acima quando ainda criava uma protagonista praiana vem desse sentimento do mundo.

Existem milhões de livros que prometem entregar o segredo da felicidade, mas, o único que li até hoje e que realmente tocou o meu coração foi a Bíblia. Em Colossenses 3:12-17, o apóstolo Paulo nos ensina que o segredo da felicidade está em encher-nos de bondade, de humildade, de delicadeza e paciência. Nos fala também da importância do perdão e de ter amor uns pelos outros, pois “o amor une perfeitamente todas as coisas”. E que não devemos deixar de agradecer sempre a Deus por tudo que Ele nos dá.

Pensando assim, acho que a felicidade está mesmo nas pequenas coisas. Nas pequenas conquistas, num dia frio sentada na frente do laptop tentando escrever ou até mesmo como a vida da minha protagonista inicial, certamente sem perfeição. Faltando ainda algumas lacunas a serem preenchidas. Minha protagonista viveria então, uma felicidade praiana e seria uma pessoa rica e realizada...com algumas questões, mas não estaria no grupo dos ricos infelizes que dizem que dinheiro não traz felicidade, ela seria rica e feliz. Embora, ainda precisando de terapia para resolver pequenas infelicidades.

Ops! Um ventinho leve e frio passa pelo meu pescoço e invade toda a casa. Do quarto vem Mauro (meu marido) e me faz uma proposta indecente:

- Que tal sair e tomar um café?

- Um capuccino? – Disse eu.

- Dois. – Ele sorri. Eu coloco o sapato, pego a bolsa, nós damos as mãos e um beijo demorado.


Certamente a felicidade se encontra nas pequenas coisas.



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quinta-feira, 24 de abril de 2014

A loira assassina

Por Bernardo Sardinha

Distraído, entrou sem bater no quarto do filho adolescente e o encontrou morto, com as calças arriadas, com o pau na mão e com a recém-ganha faixa amarela de jiu jiustu enrolada no pescoço. A outra ponta da faixa estava firmemente presa na porta do closet.

Asfixiação erótica. A mesma coisa que matou David Carradine e Michael Hutchance, matou agora o seu filho. Na frente do corpo, o tablet mostrava uma loirinha gatinha com pouca roupa: a homenageada da vez.

Após o choque, rapidamente colocou as calças no filho, dando a ele um pouco mais de dignidade e transformando aquilo em um triste suicídio, onde um adolescente se mata por amor. 

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quarta-feira, 23 de abril de 2014

Um só

Por Marcela de Holanda


Espaço e tempo podem afastar os corpos, mas estamos a todo momento ligados. Essa corrente invisível chamada Amor, protegida em toda sua extensão pelos seus guardas Saudades, não se quebra por mais que se estique. Prefiro quando ela se comprime ao máximo e nenhum átomo existe entre nós. Mas os seus e os meus passos são agora os nossos passos e assim seguimos mais longe. Para qualquer tropeço não faltarão braços para impedir a queda. Mergulhamos juntos nas profundezas dos mistérios da vida cujas respostas cada ser traz em si. Vamos, pouco a pouco, ajudando um ao outro a se desfazer das bagagens que pesam para cada vez mais leves podermos subir mais alto. Que esse casal imbatível, o Amor e a Amizade, continue gerando suas filhas Felicidades. E que elas saibam nadar no oceano Destino.


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terça-feira, 22 de abril de 2014

A linha horizontal ao fim da vertical

Por Rec Haddock

Não tinha nada pra fazer. Na verdade, até tinha, mas tudo o que tinha pra fazer não era legal de fazer, então não tinha nada pra fazer.

Eu podia jogar alguma coisa no PS4, de novo, supunha, mas já tinha jogado tudo tantas vezes, que já tinha perdido a graça. Não tinha desafio nenhum em jogo nenhum.

Livros estavam fora de questão. Boas histórias eram as histórias que eu fazia acontecer, não as que os outros tinham inventado. Não tinha filmes nacionais que prestassem em lugar nenhum e eu não tava a fim de ler legendas, hoje. TV, sempre está fora de questão.

Eu sabia do que precisava. Precisava de ação.

Estava frio, mas saí de casa sem casaco. Subi no telhado do meu prédio e umas telhas quebraram debaixo dos meus pés, e eu sabia que ia ouvir do meu pai pra caralho por causa daquilo, mas não me importava. Quando meu pai usava sua autoridade de síndico e sua autoridade de pai ao mesmo tempo, era ridículo. Perdia toda a autoridade – não que tivesse alguma quando usasse só uma das duas. Meu pai é fraco.

Pisei na calha do telhado. 15 andares abaixo, as pessoas eram formigas. Cada uma cumprindo sua função no imenso formigueiro que a gente chama de São Paulo.

Às vezes fico pensando como chegamos a esse ponto. Todas as coisas grandiosas que a humanidade construiu, todas as coisas impossíveis realizadas, e uma massa gigantesca de pessoas pronta pra viver sua vida do início ao fim sem fazer nada pelo que valha a pena viver. Imagino que nem todos possam construir monumentos pra si. Não há espaço. Mas alguns monumentos têm que ser construídos.

Minhas articulações doíam de frio e tensão.

Precisava fazer alguma coisa nova, então decidi descer. E quando desci, as pessoas pareciam maiores e maiores, e eu menor e menor, até que ao chegar embaixo, subi.



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segunda-feira, 21 de abril de 2014

Paisagem de amor

Por Danilo Marcks


Eu faço tudo bem feito. Se não for assim não tem jeito. Eu grito no peito. Eu falo alto demais. Bem, meu rapaz. Eu estou te falando, antes bem, do que mal. Não venha com graças no final. Não faça pirraça. Eu ando pelo Humaitá e vejo você querendo falar. Cala-se. Cala-se de uma vez. Não me siga. Talvez. Talvez eu venha te telefonar. Não. Não quero ajuda. Por favor, não me acuda, eu quero me matar. Não, não chore perto. Não fique perto. Não venha chorar. Ontem eu andei pelo Humaitá. Comprei umas flores lindas pro nosso jantar. Mas você nem percebeu. Ontem eu corri pela Lagoa. Parei pra ver o sol a me torturar. Lembrei do seu cabelo ao vento. Do seu envenenamento. Do nosso jantar à luz de velas. Mas eu não queria mais nada. Nem passeio, nada de graça. Eu quero que você vá pra Tijuca. Já brigamos o suficiente. Saía da minha frente. Não venha me conquistar. Não quero mais saber de nada. Não me faça pirraças: “eu quero me matar”. Ontem eu andei pela Tijuca. Corri na praça tentando te encontrar. O metrô cheio não dava pra achar. Mas eu estou arrependida. Pisando na pista. Querendo voltar.  Uma carta na cama dizendo: não voltar. O armário vazio, gravata sem ficar. Tá faltando um par. Ontem eu andei a chorar. Nas ruas de Copacabana. Andei ao vento. Sem movimento. Tentando me torturar. Pulei 3 ondas pra te encontrar. As gaivotas todas tentando me ajudar. O vento. O vento. Eu andei por toda Copa. Passei por Ipanema, pra te gritar. Mas não vi ninguém querendo nada. Hoje eu chorei tentando me aguentar. Estou em puro concreto de madeira. Oco por dentro. Sem movimento. Tentando me achar. 

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domingo, 20 de abril de 2014

Ovos aos pedaços

Por Halliny Lima


Avelã
Castanha de Caju
Flocos de arroz
Amendoim
Ao leite
Aos pedaços
Chegavam de todos os tamanhos
Numa caixa de papelão
Sem enfeites
Mas chegavam
Finos
Grossos
Pretos e brancos
Sempre aos pedaços
Delícias da Páscoa
Saboreávamos, felizes
E ficávamos esperando...
Será que o caminhão do coelhinho virou
O preço abaixou?
Não. Não
Vinham direto da loja dele
Meu coelhinho particular facilitava as coisas
“- Alguém consegue comer um ovo inteiro?” – dizia ele
Realmente...não
Livre e sem saber
Se Garoto ou Nestlé
Assim eram meus dias achocolatados
Ovos aos pedaços
De um grande coração
Doce
Inteiro.


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sábado, 19 de abril de 2014

Tekoha

Por Rodrigo Amém

    Cauré herdou o nome do avô, que nasceu sob o planar de um gavião. Do seu pai, Andirá, aprendeu a pesca, tinha tempo, já. Ele era guri, ainda tinha peixe, ainda tinha rio. Agora, só pescava lembranças entre um arado e outro. Quase não vinha nada na rede das memórias. Só secura.

     Mas foi da mãe, Jandira, trançadeira, que aprendeu a trançar e tecer o artesanato que lhe deu sustento. Sabia fazer cesto, balaio, tapete, corda. Só não aprendeu a trançar o destino, sempre emaranhado, quebradiço.

     Seu tio dizia que, no sangue do Kaiowá, não corre paz. A maldição do povo guerreiro é a vocação da guerra. Enquanto trançava, Cauré não se lembrava direito se a luta era caminho ou meta. Só a sentia presente, pesada. Cauré se sentia cansado e só.

     Esta é a última noite de Tekoha. Amanhã, sol alto, as autoridades virão reclamar a terra. De sua avó, Coaraci, Cauré aprendeu que Tekoha, como os Kaiowás batizam seu lar, é a junção de teko (modo de ser), com ha (lugar onde). A terra e o Kaiowá são trançados juntos, como a corda longa que Cauré arremata no costume de sua gente.  


      De pé, sobre o maior galho do ipê roxo que fez sombra à sua infância, Cauré ajusta o nó firme na corda virgem. Olha pela última vez o horizonte sobre Tekoha. Abre os braços feito gavião e salta, unindo-se a Andirá, Jacira e Coaraci. Pés removidos da terra, suspensos pelas próprias tradições, num suave balançar na alvorada.



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sexta-feira, 18 de abril de 2014

Dor

Por Amanda Leal

Ao Senhor:

    Difícil entender o caminho. Tenho tentado e até hoje não consegui. Será mesmo que devo entender? Me pergunto para onde ir, que placa seguir, onde, finalmente, devo atracar.  Sei que o Senhor sabe e talvez não queira que eu descubra. Acho que faz parte do projeto eu ter que procurar, sofrer, chorar, errar e acertar. É preciso investigar.  Minuciosamente. Sobre o meu caminho.

   Tantos erros, poucos acertos. Será a vida assim pra sempre? Preciso perguntar isso para algum idoso e me certificar. Na verdade Senhor, acho que vou ter que consultar alguns idosos. Diferentes idosos. Assim terei mais precisão na minha pesquisa. Preciso entender se essa falta de domínio e direção fazem parte da “matéria viver”. Ou se estão aqui de passagem.

   Engraçado é que mesmo me sentindo sozinha, em meio aos fracassos, eu sinto que você me observa de longe. Mas por que não me dá uma luz? Ok. Você quer que eu caminhe sozinha, como um pai que observa o seu filho crescer. Isso eu entendo, sinto e vejo. Mas é que às vezes uma mãozinha vai bem. Tudo bem. Você têm seus métodos. E quem sou eu para discordar!

  Prometo parar de falar de mim, afinal foram três parágrafos dedicados a isso. Agora, falemos de você: eu sei que assim como eu, você sofreu , chorou, sorriu e sentiu dor, muita dor. A dor da alma, uma dor profunda e que só Deus pode tirar. E eu te amo por isso. Por ser muito mais forte do que eu para sentir dores. Também te amo por ser bondoso, tranquilo e confiante. Te amo por me ensinar a ter fé.

    Hoje é um dia em que muitos se lembram de você, mas eu queria te dizer que eu me lembro de você todos os dias. Para onde eu olho eu vejo você. E eu preciso sim de você por perto, sempre. Por favor, não me observe, apenas,de longe pode ficar sempre que quiser aqui ao meu lado segurando minha mão. Eu preciso.

     Você pode me ajudar a levantar todos os dias e me ensinar a ser forte. Eu preciso. Porque apesar de não entender todo o meu sofrimento, minhas derrotas, meus fracassos, existe uma coisa que eu entendendo: preciso e quero ter você comigo todos os dias. Não se esqueça de mim. E não se coloque tão longe. Eu preciso e quero ter você comigo todos os dias. Te agradeço pela minha vida ,família e pelas pessoas e bichinhos que me cercam.

    E hoje, nesse dia tão seu, eu não podia simplesmente sentar e escrever sobre qualquer coisa. Eu não podia lembrar como todos lembram, tinha que ser você e eu. Pois a dor que hoje me dói, um dia lhe doeu mãos, corpo, alma e coração.

Fica comigo.

Eu preciso.

E isso eu não quero entender. Quero, apenas, sentir.

Te amo!


Ass: Amanda. 

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quinta-feira, 17 de abril de 2014

Sinais do futuro

Por Bernardo Sardinha


      No estacionamento do shopping, vagava de cor em cor, de número em número e de andar em andar, com olhar perdido. Apertava o alarme do carro a esmo, balbuciando palavras ininteligíveis até que desistiu e sentou no meio fio.
      Quando o segurança perguntou se ele tinha esquecido aonde tinha estacionado o carro, o senhor, lá com seus 60 anos, respondeu aflito que não se lembrava nem de como o carro era.Procuraram por horas o veículo, sem sucesso.Chegaram a conclusão de que o senhor havia estacionado em uma rua próxima ao shopping. E juntos eles se perderam.



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quarta-feira, 16 de abril de 2014

Perdão

Por Marcela de Holanda

Me perdoa pelos atrasos
Me perdoa pela impaciência
Me perdoa pelos silêncios vazios
Me perdoa por exigir demais
Me perdoa por nem sempre lembrar
Me perdoa por nem sempre querer
Me perdoa por deixar a preguiça vencer
Me perdoa por deixar a planta morrer
Me perdoa pelos olhares acostumados
Me perdoa pelos beijos não entusiasmados
Me perdoa por tentar te mudar
Me perdoa por não conseguir me mudar
Me perdoa por complicar o simples
Me perdoa por pensar em tudo
Me perdoa por planejar demais
Me perdoa por não te deixar em paz
Me perdoa. Perdão. Peço perdão.
Mas se você me perdoar...
Se não disse que não há o que perdoar
E que você tem tanto quanto para pedir perdão
Ah, aí eu não sei se serei capaz de te perdoar.


Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Marcela de Holanda e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização da autora. Entre em contato conosco para maiores informações.
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terça-feira, 15 de abril de 2014

E qual é a razão, então?

Por Rec Haddock

Aquela maldita pergunta ficava martelando na minha cabeça. Ela não estava anotada no meu caderno, e eu não tinha uma resposta imediata pra ela. Eu normalmente tenho uma resposta imediata pra tudo.
É fato que o armazenamento da memória e das conquistas da humanidade se tornou muito mais difícil com tanta tecnologia à disposição. O armazenamento virtual não é nada além de desinformação, com tanto conteúdo armazenado simultaneamente.
Com o tempo absolutamente qualquer coisa se perde. Se a causa mortis não for um vírus de computador, pode ser uma bomba atômica, mas pode-se ter certeza de que a memória é a mais perecível das formas de imortalidade, e ela é a única que a gente verdadeiramente tem.
Tendo em vista que não há legado a salvo, eu realmente não faço ideia de qual possa ser a resposta. Acho que me mantenho de pé e sigo em frente, exclusivamente por inércia. Se realmente se quer, se dá um jeito de continuar. Se não se quer, realmente, dá-se uma desculpa.
Ou, talvez, eu seja, simplesmente, covarde demais para aceitar a inexorabilidade do meu destino vazio, e parar para encará-lo. Então eu sigo.
Talvez não haja razão.

Mas nem tudo precisa ser racional.


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segunda-feira, 14 de abril de 2014

Atua ação

Por Danilo Marcks


Nós já não temos mais nossos 20 poucos anos

Nos já não somos mais aqueles atores banais

Já não gritamos ao vento

Já não nos socorremos

É cada um por si

E só na contramão

Já não nos arrependemos

Do que não fizemos

Do que vamos fazer

Socorrer nossa arte

Qual é a felicidade?

Quem vai pagar o contrato?

Quem vai gritar ou não?

Quem vai ficar nu no fim do ato?

Quem não vai desistir?

É melhor não rir.



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