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sábado, 16 de novembro de 2013

Waltinho

 Por Rodrigo Amém


Quando Waltinho, magricela e frágil, chegou na roda, a turma já sabia da novidade. Havia um misto de constrangimento e curiosidade no ar. Os homens se entreolhavam e seguravam o riso. As mulheres, compadecidas. 

E o próprio Waltinho também não estava à vontade. Sentia-se observado, vigiado. Queria sair correndo e a coragem lhe faltava. Dado o primeiro passo, pior seria a meia-volta. Sentou-se com toda a possível altivez. Por dentro, em pânico. 

A turma entoou um coro enjoado para recepcioná-lo. Involuntariamente, o uníssono de "Oi, Waltinho!" assemelhou-se a uma chacota, ladainha infantil. Soou como um punhal. 

Uma das moças ofereceu-lhe uma bebida com a delicadeza de quem serve à velha tia, sorriso frouxo e simpático lábios afora. Waltinho agradeceu e todos os olhos acompanharam sua mão acomodar-se, delicadamente, ao redor do copo. Rapidamente, Waltinho recolheu o braço. 

Por mais ansiosos que estivessem, ninguém ousava tocar no assunto. Por mais amigos que fossem, não se sentiam no direito, faltava-lhes a liberdade. Outra moça, mais atirada, soltou um "Tudo bem?" que soou como um escrutínio. Ora, o "tudo" era obviamente específico, direto, mordaz.Não se tratava do trabalho, da missa de ontem, da prestação do carro. Queriam saber do sórdido, chafurdar. Waltinho não tinha o direito de não dividir aquilo com a turma, que sempre soube, ou melhor, desconfiou de tudo.

Quem ele pensa que é para tomar uma decisão dessas e não comunicar aos amigos? Audácia típica daqueles que não tem coragem. Dos que não têm certeza do que são. Dos que não confiam. E seriam eles que não mereciam mais confiança? Afinal, quem havia mudado era ele. Os amigos, pelo contrário, eram as mesmas pessoas de sempre.  O sentimento de traição crescia. 

 Waltinho, em meio aos lobos, não se sentia seguro ou preparado. Mas sabia que era preciso uma manifestação. Havia se tornado o amigo dos sonhos das mulheres da turma. Mas sentia-se ameaçado pela incompreensão do outro segmento. Respirou fundo. Empinou o nariz, juntou as mãos ao tronco e disse, mastigando as palavras por detrás de uma máscara carmim.

- A-do-rei! - e calou-se, triunfante.

A densa nuvem dissipou-se na roda. Todos sorriram e aplaudiram contidamente.  A conversa voltou a fluir sem que o assunto voltasse a ser mencionado.  Pelo menos não na presença de Waltinho.


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