Por Rodrigo Amém
Quando
Waltinho, magricela e frágil, chegou na roda, a turma já sabia da novidade.
Havia um misto de constrangimento e curiosidade no ar. Os homens se
entreolhavam e seguravam o riso. As mulheres, compadecidas.
E
o próprio Waltinho também não estava à vontade. Sentia-se observado, vigiado.
Queria sair correndo e a coragem lhe faltava. Dado o primeiro passo, pior seria
a meia-volta. Sentou-se com toda a possível altivez. Por dentro, em
pânico.
A
turma entoou um coro enjoado para recepcioná-lo. Involuntariamente, o uníssono
de "Oi, Waltinho!" assemelhou-se a uma chacota, ladainha infantil.
Soou como um punhal.
Uma
das moças ofereceu-lhe uma bebida com a delicadeza de quem serve à velha tia,
sorriso frouxo e simpático lábios afora. Waltinho agradeceu e todos os olhos
acompanharam sua mão acomodar-se, delicadamente, ao redor do copo. Rapidamente,
Waltinho recolheu o braço.
Por
mais ansiosos que estivessem, ninguém ousava tocar no assunto. Por mais amigos
que fossem, não se sentiam no direito, faltava-lhes a liberdade. Outra moça,
mais atirada, soltou um "Tudo bem?" que soou como um escrutínio. Ora,
o "tudo" era obviamente específico, direto, mordaz.Não se tratava do
trabalho, da missa de ontem, da prestação do carro. Queriam saber do sórdido,
chafurdar. Waltinho não tinha o direito de não dividir aquilo com a turma, que
sempre soube, ou melhor, desconfiou de tudo.
Quem
ele pensa que é para tomar uma decisão dessas e não comunicar aos amigos?
Audácia típica daqueles que não tem coragem. Dos que não têm certeza do que
são. Dos que não confiam. E seriam eles que não mereciam mais confiança?
Afinal, quem havia mudado era ele. Os amigos, pelo contrário, eram as mesmas
pessoas de sempre. O sentimento de traição crescia.
Waltinho, em meio aos lobos, não se sentia
seguro ou preparado. Mas sabia que era preciso uma manifestação. Havia se
tornado o amigo dos sonhos das mulheres da turma. Mas sentia-se ameaçado pela
incompreensão do outro segmento. Respirou fundo. Empinou o nariz, juntou as
mãos ao tronco e disse, mastigando as palavras por detrás de uma máscara
carmim.
- A-do-rei! - e calou-se, triunfante.
A densa nuvem dissipou-se na roda. Todos sorriram e aplaudiram contidamente. A conversa voltou a fluir sem que o assunto voltasse a ser mencionado. Pelo menos não na presença de Waltinho.
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