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terça-feira, 19 de novembro de 2013

Os que mostram o caminho do jardim proibido

Por Rec Haddock

         Estava sentado com uma espingarda na mão. A varanda a sua volta estava toda surrada. Não chovia, mas uma goteira transbordava em um balde com uma água marrom esverdeada com um cheiro tão agradável quanto o humor de uma freira.
Ele roncava baixo, como quem tem vergonha de roncar. Não que ele fosse desse tipo. Ele falava o que quer que tivesse que ser falado. Mas roncava baixo.
Folhas farfalharam embaixo dele, e o movimento deixou seu sono mais leve. Ouvia vozes que talvez fossem sonho.
- Ele tá pronto?
- Não parece.
Talvez no sonho engatilhasse sua espingarda, e matasse os donos das vozes, mas suas mãos pareciam leite de tão úmidas e pálidas, e o ferro era muito gelado em suas mãos.
O hálito das vozes do talvez-sonho não era religioso. Não era humano, tampouco. Era superior.
- Porque deram essa espingarda para ele?
- Para que ele pudesse atirar.
Mas ele não podia sequer tentar. Não havia forças. Estava amarrado em seu talvez-sonho, e as cordas eram água em seus pulmões.
As vozes soavam ameaçadoras, como um segredo contado à média distância, seguido por um riso e um olhar. Era chegada a hora de abrir os olhos e ver a sua varanda, na sua casa, e furar aquelas vozes.
- Devemos esperar que ele atire?
- Porque o deixaríamos com a espingarda, então?
A sua espingarda. De sua propriedade. As suas palavras, dos seus pensamentos. De repente nada mais daquilo era seu, e a consciência de que nada é sonho o fez acordar.
Mas seus olhos permaneceram fechados. Por medo.
- Devemos ensiná-lo a atirar?
- Devemos ensiná-lo a descobrir como atirar.
Os olhos se abriram. A varanda, de repente, ficou vermelha. O sol se punha.
- Puxe a trava.
As vozes se viam, mas os corpos só podiam ser ouvidos. A trava foi puxada.
- Aperte o gatilho.

Nada aconteceu. O mal aluno se formou sem munição.


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