Por Rec Haddock
Estava sentado com uma espingarda na mão. A varanda a sua volta estava toda surrada. Não chovia, mas uma goteira transbordava em um balde com uma água marrom esverdeada com um cheiro tão agradável quanto o humor de uma freira.
Estava sentado com uma espingarda na mão. A varanda a sua volta estava toda surrada. Não chovia, mas uma goteira transbordava em um balde com uma água marrom esverdeada com um cheiro tão agradável quanto o humor de uma freira.
Ele
roncava baixo, como quem tem vergonha de roncar. Não que ele fosse desse tipo.
Ele falava o que quer que tivesse que ser falado. Mas roncava baixo.
Folhas
farfalharam embaixo dele, e o movimento deixou seu sono mais leve. Ouvia vozes
que talvez fossem sonho.
-
Ele tá pronto?
-
Não parece.
Talvez
no sonho engatilhasse sua espingarda, e matasse os donos das vozes, mas suas
mãos pareciam leite de tão úmidas e pálidas, e o ferro era muito gelado em suas
mãos.
O
hálito das vozes do talvez-sonho não era religioso. Não era humano, tampouco.
Era superior.
-
Porque deram essa espingarda para ele?
-
Para que ele pudesse atirar.
Mas
ele não podia sequer tentar. Não havia forças. Estava amarrado em seu
talvez-sonho, e as cordas eram água em seus pulmões.
As
vozes soavam ameaçadoras, como um segredo contado à média distância, seguido
por um riso e um olhar. Era chegada a hora de abrir os olhos e ver a sua
varanda, na sua casa, e furar aquelas vozes.
-
Devemos esperar que ele atire?
-
Porque o deixaríamos com a espingarda, então?
A
sua espingarda. De sua propriedade. As suas palavras, dos seus pensamentos. De
repente nada mais daquilo era seu, e a consciência de que nada é sonho o fez
acordar.
Mas
seus olhos permaneceram fechados. Por medo.
-
Devemos ensiná-lo a atirar?
-
Devemos ensiná-lo a descobrir como atirar.
Os
olhos se abriram. A varanda, de repente, ficou vermelha. O sol se punha.
-
Puxe a trava.
As
vozes se viam, mas os corpos só podiam ser ouvidos. A trava foi puxada.
-
Aperte o gatilho.
Nada
aconteceu. O mal aluno se formou sem munição.
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