Por Rodrigo Amém
Marilza acreditava em muitas coisas.
Acreditava no Senhor do Bonfim, Iemanjá, dedos cruzados e horóscopo. Mas
acreditava ainda mais no poder transformador do próprio sorriso. Mais forte
inclusive que o preconceito contra sua pele negra, o sorriso de Marilza arrebatava
transeuntes. Desceu o morro e foi ganhar o mundo pela boca.
Moça nova, não sabia muito de trabalho, mas
queria “lidar com o público” e conquistar seus clientes usando sua arma
secreta. Foi distribuir panfletos em frente a um supermercado. Via o desânimo
dos colegas nos semáforos e lamentava com suave condescendência. Não era culpa
deles, tão rendidos. Só que a vida não lhes emprestara o sorriso certo. O
sorriso de Marilza.
Em seu primeiro dia, Marilza pôs-se à calçada
como quem entra num palco. Como uma porta bandeira, agitava por sobre a cabeça
as ofertas de costela, sabão em pó e detergente enquanto rodopiava sobre os
calcanhares. No giratório de seus movimentos, metralhava os passantes com o
brilho dos seus caninos enquanto os olhos dardejantes, emoldurados em
sobrancelhas esquálidas, escrutinavam a vítima ao som de um sibilante “bom dia,
freguesa!”.
Em pouco tempo, a porta-estandarte-de-ofertas
do supermercado do bairro virou atração entre os moradores. Mesmos os que, em
mau humor, recusavam-se a entrar no breve samba no caminho de casa ou do
trabalho, evitavam endereçar à Marilza a rispidez reservada aos pivetes de
sinal. Era diferente. Tinha aquele sorriso da negra linda.
E Marilza girava, sorria, sonhava. Era questão
de tempo e um repórter apareceria para contar a história para o mundo. A TV se
enamoraria dela. Logo os novelistas a convidariam para interpretar mocinhas de
época e ela desceria do morro. Toda vez que o gerente vinha em sua direção,
Marilza arrepiava-se. Será que era telefonema da Globo pra ela? Será que era
uma bonificação por sua participação no aumento das vendas? Por anos a fio e
sol, Marilza alimentou seu samba de asfalto com o angu do sonho de seu
reconhecimento público. Montada no próprio impávido sorriso, estava a um rodopio
de ser alguém.
Hoje, Marilza é puta.
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