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sábado, 23 de novembro de 2013

O sorriso de Marilza

Por Rodrigo Amém

Marilza acreditava em muitas coisas. Acreditava no Senhor do Bonfim, Iemanjá, dedos cruzados e horóscopo. Mas acreditava ainda mais no poder transformador do próprio sorriso. Mais forte inclusive que o preconceito contra sua pele negra, o sorriso de Marilza arrebatava transeuntes. Desceu o morro e foi ganhar o mundo pela boca.
Moça nova, não sabia muito de trabalho, mas queria “lidar com o público” e conquistar seus clientes usando sua arma secreta. Foi distribuir panfletos em frente a um supermercado. Via o desânimo dos colegas nos semáforos e lamentava com suave condescendência. Não era culpa deles, tão rendidos. Só que a vida não lhes emprestara o sorriso certo. O sorriso de Marilza.
Em seu primeiro dia, Marilza pôs-se à calçada como quem entra num palco. Como uma porta bandeira, agitava por sobre a cabeça as ofertas de costela, sabão em pó e detergente enquanto rodopiava sobre os calcanhares. No giratório de seus movimentos, metralhava os passantes com o brilho dos seus caninos enquanto os olhos dardejantes, emoldurados em sobrancelhas esquálidas, escrutinavam a vítima ao som de um sibilante “bom dia, freguesa!”.
Em pouco tempo, a porta-estandarte-de-ofertas do supermercado do bairro virou atração entre os moradores. Mesmos os que, em mau humor, recusavam-se a entrar no breve samba no caminho de casa ou do trabalho, evitavam endereçar à Marilza a rispidez reservada aos pivetes de sinal. Era diferente. Tinha aquele sorriso da negra linda.
E Marilza girava, sorria, sonhava. Era questão de tempo e um repórter apareceria para contar a história para o mundo. A TV se enamoraria dela. Logo os novelistas a convidariam para interpretar mocinhas de época e ela desceria do morro. Toda vez que o gerente vinha em sua direção, Marilza arrepiava-se. Será que era telefonema da Globo pra ela? Será que era uma bonificação por sua participação no aumento das vendas? Por anos a fio e sol, Marilza alimentou seu samba de asfalto com o angu do sonho de seu reconhecimento público. Montada no próprio impávido sorriso, estava a um rodopio de ser alguém.
Hoje, Marilza é puta.

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