Cada dia da nossa vida é de um jeito. Sem regras ou com regras.
De qualquer forma, nada é igual.
Aqui cada dia é dia de um texto diferente.
Quer sair da rotina? Fica com o Salada!

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Ombro amigo

Por Bernardo Sardinha

Estou diante do pior inimigo de um escritor. A tela em branco. Pulo para a folha do papel e o resultado, ao invés de um conto, é um desenho sórdido e engraçado - pelo menos eu achei graça. Cada minuto que perco olhando meu desenho é um minuto a menos do meu prazo e mesmo assim decido ir mostrar para minha esposa meu desenho babaca.
- Clá - chamo por ela e minha voz ecoa pelo meu modesto apartamento em Copacabana. Caso vocês estejam se perguntando, Clá vem de Clarrisa.
- O que foi? - escuto a voz dela vir da sala.
Rindo feito um bobo vou até ela com meu desenho na mão e a encontro linda e loira, debruçada sobre uns livros de biologia na mesa.
- Olha o que eu desenhei! - estiquei o desenho como uma criança orgulhosa, afinal, agir como adulto nunca foi meu forte.
Ela analisa o desenho e ri de lado.
- É um homem usando uma roupa de ganso? O que é isso embaixo?
- É o outro "bico".
 - Bobo - ela sorri. Não querendo dar o braço a torcer ela volta para seu laptop - deixa eu terminar isso aqui.
Quero mostrar o desenho ao meu filho, mas antes decido apagar o "bico". Entro no quarto dele e no meio daquela bagunça típica de um adolescente, encontro meio escondida debaixo da cama uma revista pornográfica gay. Mesmo em choque, coloco a revista de volta no lugar. E quando ele me flagra em seu santuário me pergunta preocupado:
- Oi pai, o que cê está fazendo?
- Olha isso... - estico o desenho.
- Que desenho escroto! Parece o seu Reinaldo do 503! - disse ele rindo alto, não sei dizer se ele riu de nervoso por eu estar lá, se queria me agradar ou se realmente achou graça .
- É! Parece!
Rimos juntos e fui para o escritório.
 De volta ao meu trabalho e diante de mim estava àquela maldita tela em branco sob uma luz fria.
Ao olhar o desenho pensei: "Desculpe por ter apagado seu pinto, Reinaldo!". A página em branco em meu monitor continuava lá e percebi que trata-la como inimiga mortal seria um erro. Ela era uma amiga, de peito de aberto, pronta para ouvir tudo que tinha para contar.


Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Bernardo Sardinha e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização do autor. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela gentileza! Aguardamos a sua volta.