Por Bernardo Sardinha
Estou
diante do pior inimigo de um escritor. A tela em branco. Pulo para a folha do papel
e o resultado, ao invés de um conto, é um desenho sórdido e engraçado - pelo
menos eu achei graça. Cada minuto que perco olhando meu desenho é um minuto a
menos do meu prazo e mesmo assim decido ir mostrar para minha esposa meu
desenho babaca.
-
Clá - chamo por ela e minha voz ecoa pelo meu modesto apartamento em
Copacabana. Caso vocês estejam se perguntando, Clá vem de Clarrisa.
- O
que foi? - escuto a voz dela vir da sala.
Rindo
feito um bobo vou até ela com meu desenho na mão e a encontro linda e loira,
debruçada sobre uns livros de biologia na mesa.
-
Olha o que eu desenhei! - estiquei o desenho como uma criança orgulhosa,
afinal, agir como adulto nunca foi meu forte.
Ela
analisa o desenho e ri de lado.
- É
um homem usando uma roupa de ganso? O que é isso embaixo?
- É
o outro "bico".
- Bobo - ela sorri. Não querendo dar o braço a
torcer ela volta para seu laptop - deixa eu terminar isso aqui.
Quero
mostrar o desenho ao meu filho, mas antes decido apagar o "bico".
Entro no quarto dele e no meio daquela bagunça típica de um adolescente, encontro
meio escondida debaixo da cama uma revista pornográfica gay. Mesmo em choque,
coloco a revista de volta no lugar. E quando ele me flagra em seu santuário me
pergunta preocupado:
- Oi
pai, o que cê está fazendo?
-
Olha isso... - estico o desenho.
-
Que desenho escroto! Parece o seu Reinaldo do 503! - disse ele rindo alto, não
sei dizer se ele riu de nervoso por eu estar lá, se queria me agradar ou se
realmente achou graça .
- É!
Parece!
Rimos
juntos e fui para o escritório.
De volta ao meu trabalho e diante de mim estava
àquela maldita tela em branco sob uma luz fria.
Ao
olhar o desenho pensei: "Desculpe por ter apagado seu pinto, Reinaldo!".
A página em branco em meu monitor continuava lá e percebi que trata-la como
inimiga mortal seria um erro. Ela era uma amiga, de peito de aberto, pronta
para ouvir tudo que tinha para contar.
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