Por Bernardo Sardinha
Não sabia dizer o porquê, mas, no ar do
ônibus da linha 571 havia um clima estranho. Olhei para os lados e percebi um
casal jovem mais ou menos da mesma idade, que grosseiramente, podiam ser
descritos como loirinha escandinava da zona sul e mulatinho favelado. Ele
tentava beija-la puxando delicadamente o rosto dela, e ela se recusava virando
o rosto e não tirando os olhos da janela. Cerrei o punho e pensei em agir, mas
antes que qualquer ideia surgisse, aquele garoto de roupas surradas tirou um
anel dourado de seu dedo e colocou no colo da menina. “É uma aliança...” –
pensei, decidindo não me meter na briga do que seria supostamente um casal de
namorados.
Mas, rapidamente, a garota colocou a
suposta “aliança” em seu dedo e ficou claro que “aliança” sempre foi dela. A
situação era nebulosa e fiquei me perguntando o que estava presenciando.
Continuei a observar e após alguns minutos ele voltou com seus avanços sobre a
menina. Ao ser negado fogo novamente, frustrado, deu um soco na cadeira da
frente. Todos do ônibus continuavam a fingir que nada estava acontecendo, com
exceção de uma senhora que estava sentada na cadeira preferencial lá na frente,
ela olhou para trás e por um instante trocamos olhares, assim, soube que não
era o único que estava estranhando a situação.
Após o soco, o garoto jogou uma mochila
que estava no seu colo no chão. Era uma mochila bem colorida e feminina, que
obviamente não pertencia a ele e que foi rapidamente apanhada pela menina. Ele
estava roubando a mochila dela? Ou estaria fazendo a gentileza de carregar? O
ônibus parou ao lado de uma patrulha da PM, a qual discretamente tentei chamar,
mas o coletivo voltou a andar e quando me dei conta já estava na hora de
saltar. Isso aconteceu há quatorze anos atrás e até hoje essa história fica sem
desfecho na minha cabeça.
Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Bernardo Sardinha e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização do autor. Entre em contato conosco para maiores informações.
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