Por Rodrigo Amém
- Procurando alguma coisa em especial?
- Não, obrigado. Só estou olhando.
- Fique à vontade. Qualquer coisa é só me chamar, está bem?
- Certo. Ei, mocinha!
- Pois não?
- Mudei de idéia. Acho que você pode me ajudar sim. Preciso comprar um presente.
- É para amigo, namorada, família?
- Digamos que seja para um conhecido meu.
- Você conhece a preferência dele? Que tipo de música ele ouve?
- Olha, não sei dizer ao certo. É que, na verdade, eu o conheço muito pouco.
- Bom, você não prefere levar um Vale-CD, então? Ele vem e troca por algo que goste. É mais seguro.
- Não, não vai dar. Deixa eu te explicar direito. É que eu estou procurando uma música para servir de trilha sonora para esse meu amigo numa ocasião específica. Sabe, eu sou fã de trilha sonora.
- Bem, a gente tem algumas trilhas bem bonitas...
- Você já imaginou um filme de aventura sem trilha sonora? Não funciona. Não é emocionante. Ou mesmo uma cena de amor. As trilhas dos filmes permanecem pra sempre na nossa memória. Acabam fazendo parte da trilha sonora da nossa vida. Tem filmes dos quais eu nem me lembro mais, mas ainda sou capaz de cantar a música-tema. Isso não acontece contigo?
- Bem, acontece. Aquela do Titanic, por exemplo.
- Ah, a senhorita me desculpe. Essa trilha do Titanic não serve de exemplo. Ela não consegue se perpetuar além do filme. Ficou muito colada, entende? Não conheço ninguém de bom gosto que tenha eleito "My Heart Will Go On" como música-tema de um namoro. Talvez só a Gisele Bundchen. Mas aí é diferente...
- Ah, mas é uma música tão bonita... a minha favorita, na verdade.
- Certo, senhorita. Mas voltemos para a trilha do meu conhecido.
- Sim, sim. Que tipo de música o senhor quer usar para ser música-tema dele?
- Bem, tem que ser algo forte.
- Um rock? A gente tem Guns’N’Roses...
- Não, senhorita. Eu quis dizer algo denso...
- Puxa, ajuda se o senhor falar mais sobre esse evento. É uma formatura, algo assim?
- É a morte dele.
- Cruz-credo! Quer dizer, perdão, senhor. Meus pêsames. Puxa, não sei bem o que tocar num funeral!
- Não, senhorita. Não é o funeral dele. É a morte dele.
- Não estou entendendo...
- Vou matá-lo, minha filha. Vou amarrá-lo numa cadeira, cortar-lhe a carótida e assisti-lo sangrar até morrer. Preciso de uma trilha sonora para compor o ambiente. Entendeu agora?
Silêncio.
- Não me leve a mal, senhorita. Não sou um assassino frio e desprezível. Este homem de quem tirarei a vida é o crápula desonesto que desonrou minha existência. Roubou-me minha esposa. Não ficará impune. Vou sentar e assistir sua morte. Estava pensando em algo como "Vesti La Juba", da ópera "Il Pagliacci". É a área em que o palhaço descobre que a sua esposa, a colombina, está tendo um caso com o Pierrot.
- I-isso está mais para Marilyn Mason ou Type O’Negative.
- Não gosto de clichês modernosos, mocinha.
- Tá... Deixa eu ver se encontro, isso... Meu Deus, tem que estar aqui... Óperas... Trovattore, Aida, Barbeiro de Sevilha, Pagliacci. Aqui seu CD. Pode ir agora.
- Não fique nervosa, mocinha. Eu ainda nem paguei por eles...
- Olha, escuta aqui! Você acha que vai se dar bem com isso? Acha que sua esposa não vai desconfiar de você? Ela vai colocar a polícia na sua cola e você vai mofar na cadeia! É melhor desistir enquanto suas mãos ainda estão limpas! Moço, não faça isso, pelo amor de Deus!
- Minha esposa? Não, ela não vai me denunciar. Sabe, nós tínhamos uma música-tema durante toda a nossa história. "Smoke Gets in Your Eyes". Ontem, eu a tranquei na garagem de nossa casa, amarrada dentro do carro, liguei o motor e coloquei a fita para tocar no painel. Ela foi sufocando com a fumaça ao som de "Smoke Gets in Your Eyes"! Não é uma ironia incrível? "Smoke Gets in Your Eyes"! Engraçado, não? Porque você está tão nervosa, senhorita?
- Meu Deus...
- Tome seu dinheiro. Não se preocupe. Provavelmente não me verá de novo. Não precisa chorar. Mas, me responda uma coisa: Sua trilha favorita é mesmo "My Heart Will Go On"?
- Acho que é, sim... P...Por quê?
- Por nada. Só pra saber. No caso da polícia vir atrás de mim.
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