Por Marcela de Holanda
Se você veio aqui buscando
uma história com desfecho feliz ou triste, melhor não ler essa. Dessa história
eu não sei o final. Apenas sei o que me relataram. Foi um amigo meu terapeuta
que não posso revelar o nome e que também não me revelou o nome dela. Então a
chamarei de ela mesmo.
Pois a vida dela caminhava
assim: domingo, segunda, terça, quinta, sexta e sábado. Como assim? Veremos. A
questão começou a ser notada, pois ela parou de aparecer nas quartas-feiras para
trabalhar. Ninguém tinha coragem de questionar ou reclamar com ela. Afinal, ela
parecia surpreendentemente bem nos outros dias. Bem demais para quem tinha
passado pelo que ela tinha passado. E como parecia bem, ninguém tocava no
assunto.
Mas, às quartas, ela
sumia. Resolveram dar um tempo para ela. Depois de seis quartas, um colega de
trabalho perguntou como quem não quer nada o motivo dela não ter aparecido no
dia anterior. E ela respondeu, sem hesitar, que não sabia do que ele estava
falando. Ela tinha ido trabalhar no dia anterior e sabia que ele a tinha visto.
Os dois tinham conversado como sempre. Ele estranhou, mas não quis levar a
discussão adiante. Preferiu dizer que devia ter se confundido. A fofoca se
espalhou pelo escritório. Por quanto tempo ela continuaria faltando o trabalho
e negando?
Sem coragem de conversar
diretamente com ela, mas preocupada com a situação, uma amiga do escritório
mais próxima, que sabia que ela estava fazendo terapia, pois ela mesma tinha
indicado, resolveu procurar seu terapeuta. Queria saber como ela estava
reagindo e se essas faltas dela tinham relação com a tragédia. E qual foi a sua
surpresa ao descobrir que o terapeuta não tinha ideia do que tinha acontecido.
Ela nunca tinha mencionado nada sobre o acidente. Nem sobre o marido e muito
menos sobre a filha. Tinha entrado na terapia há algumas semanas, mas dizia que
não sabia bem o motivo.
Na consulta seguinte, ele
tentou induzi-la a contar de várias maneiras. Mas ela não falava nada. Era como
se eles não tivessem existido na vida dela. Aparentemente, a cabeça dela tinha
bloqueado todas as lembranças relacionadas aos dois. Para tentar acabar de
montar o quebra-cabeça, o terapeuta ligou para ela numa quarta-feira. Ninguém
atendeu. Ligou para o trabalho e ela não tinha ido trabalhar como em todas as
quartas. Preocupado, abriu uma exceção e apareceu na casa dela. Estava com uma
sensação estranha e tocou a campainha inúmeras vezes até ela abrir. Mas não foi
bem ela que abriu. O corpo era dela, mas ela não estava lá. Não o reconheceu,
não sabia quem ela era nem onde estava, não sabia nada de nada. E assim, ficou
sentada o dia todo. Ele passou a quarta inteira lá ao lado dela, observando o
seu silêncio até ela adormecer sentada. Na manhã seguinte, ela parecia normal
de novo. Foi como se a quarta não tivesse existido.
O terapeuta conversou
novamente com a amiga dela para saber detalhes do ocorrido. Tinha sido numa
quarta-feira. O marido pegou a filha na escola e os dois foram juntos buscá-la
no trabalho. Mas nunca chegaram lá. Um ônibus bateu no carro e os dois morreram
na hora. Ela enterrou os dois e depois os apagou da memória. Domingo, segunda,
terça, quinta, sexta e sábado, eles nunca tinham existido e ela seguia sua vida
feliz. Já nas quartas, ela não existia. Apenas havia a dor ali. Uma dor de nem
saber existir.
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