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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

E tudo parece natural diante de um teatro lotado

Por Amanda Leal


Uma música mística toca na sala de paredes marrom e Estela está dançando para uma plateia lotada. A luz ambiente é bem fraca, como se estivesse iluminada por velas. Ela dança belamente o número ensaiado durante os últimos dois meses. Havia passado poucas e boas por causa desse número, seu coreógrafo a deixou no meio do caminho e precisou substituí-lo por um outro não tão qualificado. 

A dança mística que era feita pelo grupo de Estela era uma mistura de dança do ventre com ioga e ballet. Tudo acontecia de forma muito sedutora e misteriosa, tudo isso embalado por um músico que tocava ao vivo. Sem dúvida o grupo sabia muito bem o significado de superação, o espetáculo estava lindo e todos da plateia estavam inebriados com tamanho talento e técnica expressos pelos dançarinos. 

Estela era uma artista e como toda artista tinha suas esquisitices. Dormia colada com uma cobra enorme e tinha um altar gigante com a própria foto onde acendia velas e incensos para si mesma. Tamanha esquisitice eu nunca tinha visto em toda a minha vida como repórter, mas ao entrevistar Estela você logo percebe a atmosfera pesada que ela carrega. 

Abandonada pelos pais numa tribo cigana em Arraial do Cabo, Estela viajou o mundo com seus novos pais, ciganos. Na tribo, foi amada e bem cuidada por todos que a cercavam, mas um dia uma epidemia de dengue matou quase toda a sua família e Estela precisou caminhar com as próprias pernas. 

Os sobreviventes foram apenas ela, sua mãe adotiva e um irmão menor. Estela se estabeleceu na Itália após se casar com um italiano que a ajudou a se formar em dança numa das melhores escolas de Roma. Seu irmão e sua mãe ficaram no Brasil e ela os ajudava como podia e os dois, ainda hoje, levam uma vida tranquila morando numa casa confortável e simples em Arraial do Cabo, onde tudo começou. 

A estrela Estela já foi alvo de muitas situações estranhas em sua vida e muitas pessoas a criticam por sua esquisitices e rituais em que se envolve, mas o que nos traz hoje a falar dela é o último escândalo no qual se envolveu: a morte do marido, Francesco.

Ela nega e jura de pés juntos que não teve nada a ver com isso e que dormia enquanto o marido era assassinado ao seu lado na cama. Mas como Estela não teria escutado os gritos? E as manchas de sangue que invadiram o seu lado do colchão? O vidro da janela ao seu lado estava quebrado por um vaso de plantas e mesmo assim ela disse que não escutou nada e que só acordou quando sentiu o cheiro de queimado da cortina que havia sido atingida por uma vela que ficava na cabeceira da cama ao lado do marido. 

Essa mulher que hoje dança tranquilamente num teatro lotado, carrega uma bagagem enorme de sofrimento e agora, junto com tudo o que aconteceu, carrega também o peso da morte. E como ela mesma gosta de dizer, dança para poder se livrar de tudo isso, para poder esquecer por um instante dos pesadelos em que está imersa e também para se preparar para tudo que ainda há de vir. 

Continua... 


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