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quinta-feira, 24 de julho de 2014

Justiça

Por Bernardo Sardinha

Com raiva da vida, peguei uma faca e exagerei na geleia. Era de morango, a minha favorita. Tenho certeza que se meu clínico a visse, iria se sentir afrontado. “- Você tem que emagrecer! Como você pode ser tão negligente consigo?!" ­ berraria o hipócrita que ostenta um cinzeiro cheio de guimbas de Marlboro em seu consultório. Lambuzei a faca mais uma vez e espalhei delicadamente aquele sumo vermelho vivo e voilá! No meio da torrada, um planalto vermelho de 800 calorias.

"- Cê tá brincando né? Devolve parte dessa geleia para o pote ou divide comigo!" ­ exclamou minha senhora sentada do outro lado da pequena mesa da cozinha. Normalmente, eu aturaria ser repreendido como um moleque, mas hoje estou abusado, então vou aproveitar.

“- Quer? É toda sua!" ­ e atirei a torrada na mesa. A violência foi tamanha que a torrada girou em torno de si mesma, como se estivesse praticando um esporte radical e se exibindo para uma multidão.

Se existisse justiça neste mundo, as chances eram de 50% de a torrada cair com a geleia para baixo. Meio a meio. Se caísse para cima, eu seria um herói atrevido, se caísse para baixo, eu levaria uma bronca, e com razão. “- Ô DEUS! Ouça meu clamor e faça esse manjar, essa obra de arte de comida sobreviver à minha ousadia!”.


Mas o mundo não é justo. E Deus não existe. Hoje eu durmo no sofá.



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