Por Marcela de Holanda
Depois daquela quarta, o que se passou foi que a vida dela virou uma
sucessão de quartas-feiras de cinzas. Seus movimentos calmos se tornaram
nervosos, entrecortados. O suco natural foi substituído pela cerveja. A solidão
à espera virou uma solidão acompanhada. Não tinha nenhuma companhia em
especial. Só um monte de desconhecidos que vinham e iam sem deixar nada.
Até que um deixou. Mas ela não sabia qual. Nunca se lembrava de muita
coisa. Há tempos tinha deixado o inconsciente sozinho no comando. Mas agora
vivia tonta, vomitava e não conseguia nem sentir o cheiro da bebida. Só podia
ser uma coisa. Deus tinha resolvido mudar a vida dela de novo.
Grávida de um novo destino, começou a sentir lá dentro uma coisa lutando
para se soltar. Não, não era o bebê já querendo sair. Era uma coisa que ela
tinha trancado bem lá no fundo e jurado nunca mais libertar. Mas, junto com o
seu bebê, essa coisa foi crescendo até ficar grande e forte o bastante para
arrebentar as correntes e cadeados e tomar conta dela.
Tomada de amor, sentiu que tudo estava de volta em seu lugar. Duas
semanas antes do tempo, numa quarta-feira de sol, deu a luz a um menino
loirinho, de olhos castanhos e uma pequena manchinha vermelha no meio da testa.
Pegou-o no colo e apressou-se em quebrar o silêncio: “Seja bem-vindo. Eu te
amo, meu filho. Meu Miguel.”
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