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terça-feira, 25 de março de 2014

Sabe Quando Só se Percebe a Si Mesmo de Vinte em Vinte Anos?

Por Rec Haddock

Tenho um amigo que é artista. Ele é mais velho que qualquer pessoa que você conheça. Ele costuma dizer que viu a luz antes de existir horizonte, e que quando atravessou o horizonte pela primeira vez, a luz ainda não existia. “Vi a Criação”, ele diz “e vi o que ainda está por ser criado”.

Eu, Rec Haddock, vi que ele é um filho da puta pretensioso e, ainda assim, não consigo resistir a ele. Sempre que tomamos uma limonada rosa juntos, eu fecho os olhos e ouço.

“O problema é que acham que Arte é expressão. Os Egípcios sabiam melhor. Existiam padrões que deviam ser respeitados e ponto. O bom artista era o que copiava a tradição com perfeição. Não havia escolha, e se não há escolha, não há expressão. Os egípcios eram menos artistas?”

Não acredito que fossem...

“Agora. Caravaggio, Gainsborough. Esses loucos que abdicaram por completo da tradição pavimentaram o caminho da individualidade na Arte. Com a Revolução Industrial veio a possibilidade de pintar-se o tema que se quisesse. Pois bem. O que se ganhou com isso?”

Quadrinhos de lulas e japonesas transando, suponho.

“Pela primeira vez nós artistas não pintávamos sob encomenda. Tínhamos que pintar o que quiséssemos, da forma que quiséssemos, no estilo que nos fosse apropriado. De certo modo, este afastamento das vontades de público e de artistas causou o maior sofrimento da profissão nos dias de hoje: ou bem o artista produz o que quer e corre o risco de morrer de fome por não conseguir vender as suas obras; ou bem faz concessões ao gosto do cliente e perde o respeito próprio. “Muitos caíram na armadilha de acreditar que eram gênios porque não vendiam suas obras, quando na verdade não vendiam suas obras porque eram medíocres. Esta ‘arte de expressão’ que nos rege, hoje, premia a individualidade do artista original. Existe, no entanto, uma corja que se diz artista, se pretende original, e nem ao menos compreende a própria individualidade.”

Se eu produzir, então, uma cópia fiel da Mona Lisa, serei um grande artista?

“Depende do que é a Arte para você, Rec. Se para você Arte é o Novo, não. Se é o Belo, sim. A Arte não é uma só. O importante é que você entenda que o único que pode determinar o que é Arte e o que não é arte, sou eu, porque eu sou a arte. Eu farei com que alguns sejam lembrados e outros não. Eu farei com que obras fiquem e obras sumam. Eu farei e destruirei reputações. Sou incansável. Interminável. Indissolúvel. Incompreensível. Inexorável.”

Como sempre, tentei compreender. Quando abri os olhos, ele não estava mais lá. Não tinha reparado o quão rápido o Tempo havia passado.


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