Por Rec Haddock
Tenho
um amigo que é artista. Ele é mais velho que qualquer pessoa que você conheça.
Ele costuma dizer que viu a luz antes de existir horizonte, e que quando
atravessou o horizonte pela primeira vez, a luz ainda não existia. “Vi a
Criação”, ele diz “e vi o que ainda está por ser criado”.
Eu,
Rec Haddock, vi que ele é um filho da puta pretensioso e, ainda assim, não
consigo resistir a ele. Sempre que tomamos uma limonada rosa juntos, eu fecho
os olhos e ouço.
“O
problema é que acham que Arte é expressão. Os Egípcios sabiam melhor. Existiam
padrões que deviam ser respeitados e ponto. O bom artista era o que copiava a
tradição com perfeição. Não havia escolha, e se não há escolha, não há
expressão. Os egípcios eram menos artistas?”
Não
acredito que fossem...
“Agora.
Caravaggio, Gainsborough. Esses loucos que abdicaram por completo da tradição
pavimentaram o caminho da individualidade na Arte. Com a Revolução Industrial
veio a possibilidade de pintar-se o tema que se quisesse. Pois bem. O que se
ganhou com isso?”
Quadrinhos
de lulas e japonesas transando, suponho.
“Pela
primeira vez nós artistas não pintávamos sob encomenda. Tínhamos que pintar o
que quiséssemos, da forma que quiséssemos, no estilo que nos fosse apropriado.
De certo modo, este afastamento das vontades de público e de artistas causou o
maior sofrimento da profissão nos dias de hoje: ou bem o artista produz o que
quer e corre o risco de morrer de fome por não conseguir vender as suas obras;
ou bem faz concessões ao gosto do cliente e perde o respeito próprio. “Muitos
caíram na armadilha de acreditar que eram gênios porque não vendiam suas obras,
quando na verdade não vendiam suas obras porque eram medíocres. Esta ‘arte de
expressão’ que nos rege, hoje, premia a individualidade do artista original. Existe,
no entanto, uma corja que se diz artista, se pretende original, e nem ao menos
compreende a própria individualidade.”
Se
eu produzir, então, uma cópia fiel da Mona Lisa, serei um grande artista?
“Depende
do que é a Arte para você, Rec. Se para você Arte é o Novo, não. Se é o Belo,
sim. A Arte não é uma só. O importante é que você entenda que o único que pode
determinar o que é Arte e o que não é arte, sou eu, porque eu sou a arte. Eu
farei com que alguns sejam lembrados e outros não. Eu farei com que obras
fiquem e obras sumam. Eu farei e destruirei reputações. Sou incansável.
Interminável. Indissolúvel. Incompreensível. Inexorável.”
Como
sempre, tentei compreender. Quando abri os olhos, ele não estava mais lá. Não
tinha reparado o quão rápido o Tempo havia passado.
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