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quinta-feira, 6 de março de 2014

Tentativa frustrada

Por Bernardo Sardinha

Enquanto seu marido se aconchegava no sofá com um sorriso bobo na cara, colocou o CD “para fazer amor” e deixou o som bem baixinho, quase inaudível. Fechou as cortinas da varanda e acendeu algumas velas aromáticas e foi para o quarto, onde rapidamente colocou sua camisola mais nova e uma calcinha diferente.

Quando ela voltou para sala, viu o maridão ainda com aquele sorriso de bobo no rosto - ou seria de safado? Devagar, começou uma dança bem insinuante, se esfregando na parede, mexendo no cabelo e com todas as caras e bocas de que tinha direito, até lembrar que a luz da cozinha estava acesa.

Com a luz da cozinha agora devidamente apagada, volta a dançar se insinuando para seu marido. Levanta devagar sua camisola, revelando para o maridão a calcinha de renda e a noite que ela tinha preparado.

Sentou no seu colo e fez o que as strippers fazem nos filmes, balançou a cabeça e chegou a pensar em esfregar os peitos na cara dele, mas como estavam muito doloridos mudou de ideia. De perto, notou as profundas olheiras no rosto do marido e o ar de cansado, mas mesmo assim, não ia desistir da sua noitada louca.

- Do que você está rindo? – ela pergunta

- Você está sem graça – sussurrou ele e os dois riram baixinho.

Ela voltou a se concentrar no “lap dance”, recebendo em retorno beijos preguiçosos no pescoço e cafungadas que a arrepiaram. O clima esquentou até que Toquinho, um Dachshund de 2 anos, parou para assistir seus donos se agarrarem no sofá branco da sala.

- Ai! Droga... – resmungou ela ajeitando a alça da camisola.

- O que houve? Por que parou?

- Temos um voyeur... Não vou conseguir fazer nada com o cachorro olhando.

- Deixa ele – e voltou a beijar o pescoço comprido dela em uma tentativa de manter aceso aquele fogo.

- Não vou conseguir...

- Não consegue transar com o cachorro olhando?

- Não... Você acha isso estranho?

O marido não se deu o trabalho de responder e começou a beijar sua esposa que diante da paixão de seu companheiro esqueceu do cachorro e do mundo.

Os dois se agarraram como adolescentes no sofá da sala, como adolescentes que estavam há muito tempo sem transar e sem dormir e Toquinho, que não recebia atenção a um tempo, coitado, aproveitou o momento.

- Ah... Olha isso...

Os dois param e olham Toquinho com uma bolinha na boca e uma carinha de infeliz. Eles voltaram a se agarrar, mas, entre um beijo e outro, alternavam turnos jogando a bolinha para o cachorro. Se demorassem para atirar o brinquedo, Toquinho começava a rosnar, o que era um prenúncio para um latido e imediatamente os dois desconcertados paravam de fazer o que estavam fazendo para atender o cachorrinho.

- Ele vai latir – sussurrava nervosamente a mulher,e o marido, estrambelhado se esticava para pegar a bola e arremessar. Em uma dessas, a bola caiu atrás de um vaso de planta e Toquinho ficou muito nervoso.

- Rápido! Ele vai latir! Não deixa ele fazer barulho - disse ela desesperada.

O maridão levantou trôpego tentando colocar as calças que caiam no joelho. Cambaleando por causa de uma mistura perigosa (pouco sono e ter levantado muito rápido), deu uma topada violenta com a ponta do dedo mindinho em uma quina pontiaguda da mesa da sala de jantar:

- Caralhameudedoputaquepariu – gritou entre outras coisas, mas sua voz atingiu um tom gutural inteligível e Toquinho acompanhou o dono no barulho, soltando meia dúzia de latidos histéricos.

Do fundo do corredor escuro ecoou o choro do bebê, e eles abandonaram o papel de marido e mulher, e assumiram mais uma vez o de pai e mãe.



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