Por Bernardo Sardinha
Eram por volta das onze horas quando a
gritaria começou no apartamento 402. Nele morava um ex-jogador de futebol
famoso no Rio de Janeiro com sua esposa de longa data. Ele era cordial nas
reuniões de condomínio e tinha uma cabeça boa, digo, não era esbanjador. Ela,
uma loira ex-miss bumbum que não dava nem bom dia no elevador. Apaguei as luzes
e fiquei tentando ouvir os gritos da loira, que infelizmente estavam abafados,
fazendo com que minha curiosidade mórbida aumentasse. As brigas deles eram a
minha novela, meu big brother, meu prazer proibido. Uma rádio novela cheia de
baixarias, que valeria um bloco inteiro do Show do Ratinho.
- Sai da Janela! - disse Marcela, minha
esposa, sussurrando.
- Me deixa, droga! Estou tentando
escutar algo.
- Você não tem uma tese de doutorado
para terminar?
Olhei
por cima dos ombros para a pilha de livros sobre a mesa. Eles estavam carentes
de atenção. Dei com os ombros e como um pai irresponsável falei:
- É rapidinho.
- Ih! Olha! Você tem um amigo! - disse
ela apontando para um homem de binóculo do outro lado da rua. O safado estava
de camarote enquanto eu só podia ouvir os gritos da loira satanás. Fiquei com
invejinha.
- Vamos, você fica sugando essa energia
podre dessa vaca.
- Shhhh! Deixa eu ouvir só um pouco, droga.
Marcela
cruzou os braços e ficou no parapeito da janela junto comigo. Ela era uma
companheira admirável. Entre os gritos e rosnados da ex-miss bumbum, fiquei ali
admirando- a sobre a luz pálida da rua até que veio a bomba. A loira foi para a
janela e gritou:
- Porque a minha boceta, você não come
mais!!! Eu estou indo embora.
Em seguida houve um barulho de porta e
a gritaria cessou. Marcela foi para dentro balançando a cabeça em desaprovação
ao meu passatempo e eu fiquei na expectativa do próximo capítulo, se é que ia
haver um próximo.
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