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sábado, 15 de março de 2014

Reichokê

Por Rodrigo Amém

Algumas inovações da vida moderna realmente conseguem me impressionar. O DVD, a internet e os peitos de silicone, por exemplo. Afirmações de que o homem pode se superar a todo momento. Nos últimos dias do século XX, muitas enquetes de rua foram feitas pelos telejornais do mundo afora, enfocando exatamente esta questão: qual a invenção mais assombrosa deste século? Muitos lugares comuns como os que eu citei no início deste texto foram lembrados pelos transeuntes. Mas ninguém lembrou do meu favorito. Ou melhor, do invento que mais me assombra e assusta. O Videokê.

Filho Hi-tec do ancião Karaokê, o videokê é o motor de arranque de uma revolução silenciosa vinda do oriente, com jeito de arma da guerra fria. Começou como uma bobagem saudosista que nisseis, sanseis e nãoseis importavam para alimentar a sua saudosista fome cultural de seu país de origem, o Japão. A japonesada se divertia horrores, por horas a fio, tomando saquê e cantando aquelas musiquinhas de Japan Pop Show. Mas aquilo era apenas o começo.A febre começou a se espalhar quando surgiram as primeiras versões de músicas brasileiras adaptadas para o joguinho. Agora, a brincadeira não era mais apenas um privilégio de gente de olho puxado. E a coisa começou a degringolar.

O mais impressionante sobre o Videokê é que ele tem uma capacidade incrível de hipnotizar mentes. Até as pessoas mais tímidas, donas de vozes acanhadas e com senso rítmico de um corrimão de escada se acotovelam para cantar "Fio de Cabelo". Respeitáveis senhoras são capazes de sair no tapa pela posse do microfone. Crianças choram, já que ninguém deixa que elas cantem Xuxa. Pais bêbados entoam "Borbulhas de Amor" para esposas constrangidas e logo a seguir, aquela mocinha crente e com cara de "quero-sumir-daqui" mostrará todo o seu potencial de Celine Dion cantando o tema de "Titanic". Afinal, o pessoal lá da Assembleia sempre diz que ela tem uma voz abençoada. Aleluia, irmã. Ninguém conversa.

Mas todo mundo canta. O Videokê é, claramente, uma invenção diabólica. Coisa do capeta.
Mas é interessante como é fácil chamar a atenção das pessoas. É só falar delas mesmas. É isso que o Videokê faz. Quando a máquina distribui notas aleatórias com mensagens de incentivo, está falando para o tiozinho careca e gordo que ele realmente impressionou com "My Way". Quer dizer, mais um pouquinho e o Agnaldo Rayol que se cuide. De ego inflado, o Tiozinho volta para o fim da fila. Da próxima vez ele chega a 80! Onde está o maldito cardápio de músicas?

Outro detalhe que merece nossa atenção é o teor das ilustrações da tela do Videokê. Qual seria a relação entre aquela foto dos pinguins na Antártida e a música "Morango do Nordeste"? Seriam os pinguins os verdadeiros morangos? Estariam eles de malas prontas para enfrentarem a temperatura tropical do Piauí? E aquela orquídea servindo de cenário para "Emoções", do Roberto Carlos? Romântico, é verdade. A seguir, um motociclista cruza o deserto num trecho do rally Paris-Dakkar. "Se chorei ou se sofri, o importante é que emoções eu vivi...", narra o cantor. Com certeza, o motoqueiro vive melhores emoções no momento daquela foto do que nós, no momento de sua exibição musical.

Eu tenho uma teoria.

Acho que, por detrás daquelas imagens belas e da fascinação pelo Videokê, esconde-se um plano maquiavélico de dominação cultural pacífica. O Japão está tentando conquistar o mundo através de mensagens subliminares escondidas nas imagens do Videokê. Enquanto ouvimos Leandro e Leonardo e a imagem nos mostra um camelo passeando perto das pirâmides, uma mensagem subliminar é transmitida ao nosso córtex cerebral: "Vocês são meros camelos sul-americanos! Rendam-se ao nosso império oriental!".

Tá rolando a florzinha na tela. A tia cantando a versão da Simone da música de natal do John Lennon (estamos em março). A mensagem subliminar comendo solta. "Abram seus mercados para os nossos produtos eletrônicos! Vocês serão o adubo para nossa nova ordem mundial! Rendam-se a nós!". Terríveis, esses japoneses. Duas bombas atômicas não justificam uma vingança cruel como esta.


Dentro de poucos anos, estaremos subjugados e a América liderada pelos EUA cairá sob o julgo do Império do Sol Nascente. Embalado a Whitney Houston, Sula Miranda e Pepino de Capri, nascerá o quarto Reichokê. Mas todos nós teremos nota 80. Parabéns! Somos quase profissionais.

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