Por Marcela de Holanda
O cenário do seu sonho foi
invadido por um som estranho que parecia não pertencer àquele contexto. Uns
segundos depois, seus olhos abriram. O som continuava. Uma música alta, bem
alta, vinda sei lá de onde. Olhou no relógio. Eram 6 da manhã. De um domingo.
Que infeliz seria capaz de ligar uma música no volume máximo numa hora dessas?
Foi ao banheiro e voltou
para a cama. Fechou os olhos e tentou. Mas quem ela estava enganando? Sabia que
enquanto aquele barulho insuportável continuasse, não seria capaz de dormir.
Xingou mentalmente a vizinhança inteira na falta de um alvo específico. Tinha
trabalhado de segunda a sábado. Domingo era seu único dia de descanso. Ela
sempre tomava cuidado para não incomodar ninguém. Por que não faziam o mesmo
por ela?
Acabou levantando.
Investigou pela janela e viu que o som vinha de uma vila de casas na frente do
seu prédio. Mas de qual delas? Esperou que algum vizinho começasse a berrar
pedindo silêncio. Não era possível que fosse a única a se sentir incomodada.
Ninguém se manifestou. A música continuava ainda pior. Alguém trocava a rádio
de estação enlouquecidamente. Era provocação demais. Colocou um roupão e saiu
com aquele cabelo de maluca mesmo. De perto, identificaria a casa e tomaria
satisfação com quem quer que fosse.
Os corredores do prédio
estavam desertos e a rua também. Sentiu um pouco de medo, mas seguiu em frente.
Vinha da casa amarela. Tocou a campainha. Ninguém veio. Aproximou o ouvido da
porta e ouviu um choro. Um choro de criança. Ninguém parecia atender os
chamados dela também. A criança chamava o pai e chorava e nenhuma resposta era
ouvida.
Sentiu um aperto no peito.
Bateu à porta, bateu mais forte, quis arrombar. Não sabia como. Olhou em volta.
Lá longe vinha um adolescente com uns 15 anos que parecia voltar do programa de
sábado à noite. Ele era forte o suficiente. Foi até ele, explicou a situação e
pediu ajuda. Ele não sabia bem como fazer, mas tinha visto num seriado um cara
se lançando em direção a uma porta e conseguindo derrubar. Tentou três vezes
até a porta abrir. Acabou ganhando uma fratura no braço.
Encontraram a criança
sozinha em casa. Ela devia ter uns 5 anos. A mulher desligou o rádio que estava
no chão e tentou acalmar a criança. O adolescente pediu desculpa por não ficar,
mas tinha que chegar em casa antes que a mãe acordasse e a tempo de inventar
uma história para a mãe levá-lo ao hospital para ver o braço.
A mulher ligou para a
polícia e esperou com o seu roupão e cabelo de maluca. Esquentou um leite para
a menina e fez as perguntas que foi capaz de fazer sem assustá-la. Acabaram
dormindo enquanto esperavam. A polícia chegou. O pai da menina tinha saído na
noite anterior e acabou preso. Ela não tinha nenhum outro parente vivo.
O processo foi lento e
difícil, mas a mulher conseguiu adotar a menina. Cuidou dela sozinha. O pai
sumiu no mundo depois de sair da prisão. As duas criaram o hábito de dormir
ouvindo música, mas nunca alta o suficiente para ser ouvida de fora do
apartamento.
A criança cresceu e,
quando fez 25 anos, conseguiu um emprego numa empresa e se apaixonou pelo seu
chefe, com quem casou 3 anos depois. O chefe era um homem de ótimo coração que
um dia tinha sido um adolescente corajoso o suficiente para quebrar o braço
arrombando a porta para socorrer uma criança desconhecida chorando.
Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Marcela de Holanda e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização da autora. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela gentileza! Aguardamos a sua volta.