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sábado, 24 de maio de 2014

Aquele lance de mudar de um lance pra outro,tá ligado?

Por Rodrigo Amém


Assim que acordou, Gregório avistou a rua pela janela. Chuviscos escorriam pelo vidro e um dia nublado se desenhava lá fora. Olhou para o relógio. Um quarto para as sete. Estava atrasado para a aula de História da Arte do Egito Antigo. Olhou para o próprio corpo e assustou-se. Uma estranha massa bronzeada de músculos bem definidos se apresentava no lugar onde, costumeiramente, encontrava sua barriga flácida e branquela. Imaginou que era, meramente, uma alucinação, fruto da noite mal-dormida. Logo recobraria plenamente os sentidos e despertaria. Pensou em retirar o lençol de cima das pernas com um movimento rápido. Qual não foi sua surpresa ao perceber que havia colocado força demais no movimento e acabara por rasgar o lençol.

Levantou-se depressa e olhou-se no espelho. O que era aquilo? No lugar do físico pequeno e cheio de alvas dobras cutâneas, enxergou um verdadeiro Apolo no espelho. Alto, queimado de sol, incorrigível. A não ser, talvez, pelas orelhas. Péssimas orelhas, aquelas. Inchadas, disformes. Lembravam aquele vegetal. Como é mesmo o nome? Agrião. Não. Agrião é verde, pensou sem muita certeza.

Que situação. E agora, como explicaria aquilo no clube de ciências? Uma ruptura no fluxo tempo-espaço. Sua massa corpórea sofrera uma mutação causada, provavelmente pelo... Como é o nome daquele fenômeno? Ah, sei lá, mano.

Subitamente olhou para o chão. Sentiu uma vontade incontrolável de atirar-se ao solo. Atirou-se, pois. E descobriu, assustado, que era capaz de fazer apoios. E gostava da sensação. Maneiro! Mas foi interrompido por um barulho. Alguém batia à porta. Era sua mãe, avisando que a galera do curso tinha chegado para buscá-lo.

Num ato quase involuntário, passou a chave na porta. Não poderia deixar que fosse visto daquele jeito. O que diriam? Fariam citações eruditas de físicos como Shakespeare. Opa. Eu disse Shakespeare? Mas ele nunca foi físico. Ele era, na verdade... Deu branco, mano.

Voltam a bater na porta. Sua mãe, de novo. Seus amigos estavam com ela e pediam que ele se apressasse. Resolveu inventar uma desculpa para o atraso.

- Pera aí, mermão. Fica de boa que a gente já vamos...

Gregório leva as mãos à boca. De onde teria saído aquela frase? Aquele modo de falar não era dele, definitivamente. E, no entanto, havia saído de seus lábios. Estaria possuído por algum espectro descarnado? Ou teria levado muito pé na orelha e estava zoado? Zoado?! Ó o cara, meu!

- Gregório, você está bem? Há algo errado? - perguntava um dos colegas, atrás da porta. Gregório não sabia o que fazer. Talvez devesse avisar que estava se sentindo mal, que não iria à aula, esperaria que todos saíssem e depois levaria seu pit bull para dar uns rolê e ficar de bobeira vendo as mina. Meu Deus, o que havia acontecido com ele? Que vírus teria mudado seu corpo e sua mente? Seja lá quem for esse tal de vírus, vai levar porrada! Qual que é, mermão? Vai levar um armiloque!


De comum acordo, mãe, família e amigos acharam melhor lacrar a porta. Definitivamente.


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