Por Rodrigo Amém
Por
estas mal traçadas linhas, venho até você, caro leitor, dirigir-me
humildemente. Quero falar-lhe de uma fantástica aventura que vivi ainda há
pouco.
Estava
eu cuidando da minha vida, captando inspirações para vencer o desafio do papel
branco à minha frente, representado da fria luminosidade do meu computador. Oh,
máquina insensível que tanto me torturas. Não percebes a angústia de insuflas
no âmago do meu ser? Clamo por minha musa inspiradora, mas ela não me ouvirá.
Estou só. Oh, destino cruel.
Eis
que de repente, não mais que de repente, pela vidraça umedecida pelos pingos da
chuva que outrora caíra, um vulto se faz presente.
Sentindo
o coração pulsar como se fosse sair pela boca, lancei olhares sobre a janela,
mas nada lá havia. Com um suspiro aliviado, voltei a mergulhar no fundo do meu
eu à procura das belas palavras que escreveria para ti, quando uma gélida mão
pousou sobre meu ombro.
Um
arrepio percorreu minha espinha de tal forma que meu corpo ficou paralisado.
Uma voz sepulcral ecoou pelo aposento, como se vinda de além-túmulo:
Desta
vez não escaparás de mim. - Disse a maldita aparição e, ao final de sua
sentença, disferiu uma risada macabra que fez meus ossos gelarem.
O-o
q-que queres tu de mim? - Perguntei com minha voz trêmula de pavor. Só então
atrevi-me a virar lentamente e encarar meu algoz. Era uma figura sem rosto, de
manto negro como as asas da graúna. De mãos grandes e dedos delgados, seu toque
era frio como a lâmina da morte. Mais uma vez estremeci.
Durante
toda a sua vida fugiste de mim. Agora não há para onde correr. Quem virá lhe
ajudar, escritor? Teus gritos de clêmencia não serão mais ouvidos. - Ao fim
desta frase, outra risada nefasta reverberou pelo ambiente.
- Mas q-quem é você, com
mil demônios?
Senti
sua mão apertar com mais força meu ombro. Embora não conseguisse ver seus
olhos, senti que seu olhar sobre mim lançava-se como dardos venenosos e
mortais. De súbito, ele largou - me e caminhou rapidamente para a janela.
Olhando para a noite negra e fria lá fora, respondeu-me lentamente.
- Eu
sou o seu maior pesadelo. Sou tudo aquilo que temes. Eu sou o seu começo e
serei seu fim. Sou o seu passo em falso, seu momento de distração, o fruto de
sua preguiça... Sou aquele quem você teme ser e, no final das contas,
exatamente quem você é. Eu sou você amanhã, porque você já foi como eu...
Estive contigo na tua primeira redação de escola... Na primeira carta de amor
arrancada desesperadamente na forma de versinhos de rimas pobres... Fui seu
aliado em todas as provas de interpretação de texto onde não sabias exatamente
o que dizer. Eu sou a tua ausência de luz divina... Sou seu talento em trevas.
Sou o padastro de tua musa inspiradora. Eu sou...
...O Clichê! - completei
num sussurro rouco. - Mas, o que você quer de mim?
- Eu quero teu texto,
tua redação, teu estilo. Quero viver nas tuas histórias, alimentar-me de seus
contos, chafurdar nas tuas poesias. A cada linha em que me tiveres, me tornarei
mais forte, irei mais longe e semearei minha chaga. E você, ao fim de meu
trabalho, será medíocre e escreverá contos para revistas de adolescentes,
novelas de televisão e letras de sucessos da música
popular romântica. Eu vou consumir seu poder de criação mas, em troca, lhe
farei milionário. Terás, fama, fortuna e poder. Venha comigo...
- Não! Como viverei em
paz com minha consciência sabendo que colaborei para um mundo mais medíocre?
Que me vendi ao sistema? Que tornei me um...um... Carlos Lombardi! Não!
Valha-me Deus! Prefiro morrer à míngua!
- Pois
você não tem escolha - bradou O Clichê, enquanto ria e caminhava
ameaçadoramente até mim.
- Não! Não! Não!!!! -
gritei, tentando proteger-me com meus braços. Quando abri os olhos, estava em
minha cama, e o sol raiava pela janela. Respirei, aliviado. Estava a salvo
afinal. Tudo não passara de um pesadelo. Minha integridade ainda estava
intacta. Mas, quando levantei-me e caminhei até o computador, notei que este
estava ligado e este texto havia sido digitado. Comecei a balançar a cabeça,
como se não pudesse acreditar e pus-me a recuar em direção à porta, por
onde saí correndo e gritando.
Zoom
out partindo do close na tela do computador, passando através do vidro da
janela como em Cidadão Kane.
Vista
panorâmica da cidade e lentamente dá fade to black.
The end.
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