Por Rodrigo Amém
Momentos
intermináveis se sucederam antes que alguém tomasse coragem para pegar a
derradeira empada. Uma gorda acabou metendo a mão no salgadinho. E foi mesmo
aquela gorda de vestido colante de cetim, tia não sei de quem, a esfomeada. É
por isso que aquele vestido brega de mangas bufantes fica parecendo um balão
junino inflado pelas formas adiposas, como se fosse apenas ar quente. Deve ser
difícil se controlar, pobre mulher. Dizem que alguns procuram afeto na comida.
Dava para ver o quanto ela era carente.
Tentando desviar
seu olhar da barriga da tal tia, Ricardo sorriu amarelo e desejou ir pra casa.
Sentia-se cansado, com dores no corpo. Provável que gripasse. Foi quando um
arrepio correu-lhe a espinha, seguido de um espirro repentino. Aqui e ali as
vozes xexelentas desejaram-lhe saúde enquanto ele erguia a cabeça. Abriu um
olho e depois o outro. E viu que era gay.
Ricardo foi tomado
por um medo desavergonhado. Tremeu, até. Como assim, gay? Ele tinha namorada e até
fama de comedor, cuidadosamente cultivada com boatos e fanfarronices. Não era
gay, tinha certeza disso. Olhou para os lados, aflito. Será que alguém percebeu
que ele tinha virado homossexual? Ficou ali, quieto, tentando não dar bandeira.
Meu Deus! A perna cruzada! Coisa de boiola! E descruzou rápido para ninguém
ver. Mas será que foi rápido demais e alguém percebeu que ele tentava esconder
algo? Ele precisava de uma cerveja. Levantou rápido. Péssima levantada. Parecia
uma gazelinha aloprada. Fez cara de mau e sentiu que as pessoas o olhavam como
se estranhassem suas atitudes. Estava dando na cara! Melhor sair rápido. Teve a
impressão de estar correndo uma marcha atlética.
No bar, o irmão
mais novo do aniversariante servia a todos. Um jovem dos seus 18 anos. Ricardo
havia ouvido sobre ele. Jogava vôlei na faculdade. Um metro e oitenta. Moreno,
olhos verdes. Bem atlético. Mas quando Ricardo deu por si, estava ali, sorrindo
para o cara, levando uma eternidade para terminar de servir sua cerveja. O mais
novo gay do universo tentou se conter, mordendo as bochechas por dentro para
segurar o sorriso. Aí sim, ficou com cara de veado. Derrubou a cerveja e saiu
correndo para o jardim. Precisava tomar ar. E ficou admirando as estátuas na
fonte, as flores, os arbustos e sentiu vontade de cantar uma antiga canção do
ABBA.
Ricardo começou a
se desesperar. E agora, o que diria para a namorada? A simples lembrança de
beijá-la já lhe causava náuseas. Agora ele só pensava no bofe jogador de vôlei.
Ricardo pensou em gritar, mas não tinha certeza do próprio timbre de voz.
Preferiu engolir o desespero, levando delicadamente a mão nos lábios. Depois
baixou-a bruscamente, de sopetão.
Pensando cada
passo, cada movimento, olhando para todos os lados, como se olhos pousassem sobre
seus ombros a todo momento, Ricardo voltou para o seu lugar, ao lado da gorda
de cetim. Olhou ao redor e
viu seu novo mundo rosado, com a serenidade de quem observa a bomba H
desabrochando, sabendo que nem adianta correr. Percebeu, ao lado da gorda da
empadinha, uma linda loira conversando alegremente. Sentiu o coração palpitar.
Um bom sinal, até que enfim! Possivelmente o efeito estaria passando e ele logo
voltaria a ser o comedor de sempre.
Observando com mais
atenção seu objeto de desejo, pôde fixar sua atenção a um detalhe em especial.
O par de brincos ma-ra-vi-lho-sos que a mona estava usando. Sem falar nos
sapatos que eram um luxo! Ricardo sentiu vontade de chorar. Mas ficou ali,
imóvel, olhando para o nada, rezando para que o vento trouxesse um novo espirro
repentino.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela gentileza! Aguardamos a sua volta.