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sábado, 5 de outubro de 2013

SAÚDE, RICARDO

Por Rodrigo Amém

Momentos intermináveis se sucederam antes que alguém tomasse coragem para pegar a derradeira empada. Uma gorda acabou metendo a mão no salgadinho. E foi mesmo aquela gorda de vestido colante de cetim, tia não sei de quem, a esfomeada. É por isso que aquele vestido brega de mangas bufantes fica parecendo um balão junino inflado pelas formas adiposas, como se fosse apenas ar quente. Deve ser difícil se controlar, pobre mulher. Dizem que alguns procuram afeto na comida. Dava para ver o quanto ela era carente.

Tentando desviar seu olhar da barriga da tal tia, Ricardo sorriu amarelo e desejou ir pra casa. Sentia-se cansado, com dores no corpo. Provável que gripasse. Foi quando um arrepio correu-lhe a espinha, seguido de um espirro repentino. Aqui e ali as vozes xexelentas desejaram-lhe saúde enquanto ele erguia a cabeça. Abriu um olho e depois o outro. E viu que era gay. 

Ricardo foi tomado por um medo desavergonhado. Tremeu, até. Como assim, gay? Ele tinha namorada e até fama de comedor, cuidadosamente cultivada com boatos e fanfarronices. Não era gay, tinha certeza disso. Olhou para os lados, aflito. Será que alguém percebeu que ele tinha virado homossexual? Ficou ali, quieto, tentando não dar bandeira. Meu Deus! A perna cruzada! Coisa de boiola! E descruzou rápido para ninguém ver. Mas será que foi rápido demais e alguém percebeu que ele tentava esconder algo? Ele precisava de uma cerveja. Levantou rápido. Péssima levantada. Parecia uma gazelinha aloprada. Fez cara de mau e sentiu que as pessoas o olhavam como se estranhassem suas atitudes. Estava dando na cara! Melhor sair rápido. Teve a impressão de estar correndo uma marcha atlética. 

No bar, o irmão mais novo do aniversariante servia a todos. Um jovem dos seus 18 anos. Ricardo havia ouvido sobre ele. Jogava vôlei na faculdade. Um metro e oitenta. Moreno, olhos verdes. Bem atlético. Mas quando Ricardo deu por si, estava ali, sorrindo para o cara, levando uma eternidade para terminar de servir sua cerveja. O mais novo gay do universo tentou se conter, mordendo as bochechas por dentro para segurar o sorriso. Aí sim, ficou com cara de veado. Derrubou a cerveja e saiu correndo para o jardim. Precisava tomar ar. E ficou admirando as estátuas na fonte, as flores, os arbustos e sentiu vontade de cantar uma antiga canção do ABBA. 

Ricardo começou a se desesperar. E agora, o que diria para a namorada? A simples lembrança de beijá-la já lhe causava náuseas. Agora ele só pensava no bofe jogador de vôlei. Ricardo pensou em gritar, mas não tinha certeza do próprio timbre de voz. Preferiu engolir o desespero, levando delicadamente a mão nos lábios. Depois baixou-a bruscamente, de sopetão. 

Pensando cada passo, cada movimento, olhando para todos os lados, como se olhos pousassem sobre seus ombros a todo momento, Ricardo voltou para o seu lugar, ao lado da gorda de cetim. Olhou ao redor e viu seu novo mundo rosado, com a serenidade de quem observa a bomba H desabrochando, sabendo que nem adianta correr. Percebeu, ao lado da gorda da empadinha, uma linda loira conversando alegremente. Sentiu o coração palpitar. Um bom sinal, até que enfim! Possivelmente o efeito estaria passando e ele logo voltaria a ser o comedor de sempre. 

Observando com mais atenção seu objeto de desejo, pôde fixar sua atenção a um detalhe em especial. O par de brincos ma-ra-vi-lho-sos que a mona estava usando. Sem falar nos sapatos que eram um luxo! Ricardo sentiu vontade de chorar. Mas ficou ali, imóvel, olhando para o nada, rezando para que o vento trouxesse um novo espirro repentino. 


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