Cada dia da nossa vida é de um jeito. Sem regras ou com regras.
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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Ana

Por Marcela de Hollanda

Os dois estão tomando um café. Na verdade, ele ainda espera esfriar enquanto ela vira o café inteiro de uma vez queimando a língua e o céu da boca. Do nada, ela dispara.

Ana: Carlos, eu preciso terminar com você.
Carlos: Ahn? Tu tá falando sério?
Ana: Acho que sim.
Carlos: E posso saber por quê?
Ana: Eu tenho 25 anos.
Carlos: E acabou nosso prazo de validade?
Ana: Não. Mas o meu tá chegando perto.
Carlos: Tu tá doente?
Ana: Não! Vira essa boca pra lá.
Carlos: Puta susto que tu me deu agora. Papo reto. Tu não me ama mais? É isso?
Ana: Amo.
Carlos: Te fiz alguma coisa?
Ana: Não. Você é um ótimo namorado.
Carlos: É porque eu não te pedi em casamento ainda?
Ana: Mais ou menos. É porque eu já estou muito velha pra continuar numa relação que não vai dar em nada.
Carlos: Como assim dar em nada? A gente se dá bem pra caramba. A gente se ama. Já se conhece um bocado. Eu nunca disse que não ia querer casar, ter filhos, casa, cachorro contigo. Só tem que ser no tempo certo.
Ana: É. Você não disse. Mas eu sei.
Carlos: Tá interessada em outro cara e quer me enrolar com essa conversinha toda, né?
Ana: Não. Não tem outro nenhum. Ainda. Mas vai ter. Eu fui numa cartomante hoje.
Carlos: Cartomante?
Ana: É. A Paulinha me chamou pra ir com ela e eu fui por curiosidade.
Carlos: E ela disse que tua ia se apaixonar por outro.
Ana: Ela disse que o grande o amor da minha vida eu ia conhecer num lugar onde se lê. Já que não é você mesmo, acho melhor pra nós dois que a gente termine logo. Quanto mais cedo, menos a gente vai sofrer. Não é melhor terminar enquanto a gente se gosta e se respeita?
Carlos: Não. O melhor é a gente continuar junto. Mas, como tu disse, eu te respeito. E se tu quer terminar comigo por causa de uma bobagem dessas, deve ser melhor terminar mesmo. Só não posso te dizer que vou sofrer menos.

Ele sai. Ela chora. Tem vontade de gritar pedindo pra ele voltar. Mas se segura. Melhor sofrer agora do que depois. Melhor ficar livre para o grande amor entrar. Se aquele cara, que ela amava tanto, ainda não era seu grande amor, ela não podia nem imaginar o quanto feliz seria com o cara certo.
Passou a frequentar bibliotecas, livrarias e universidades. Tinha que dar uma mãozinha pro destino. Conheceu alguns poucos caras, até interessantes, mas os relacionamentos não chegavam a acontecer de verdade.
Quando fez 30 anos, desistiu de procurar. Acabou namorando um cara que conheceu num acidente de trânsito dentro de um túnel. Um ano depois, casaram. Tiveram dois filhos e quando o menor fez dois anos, se separaram. Arrasada, não só com a separação em si mas com todo o tempo perdido procurando nos lugares errados por causa de uma cartomante pilantra, saiu pra beber com a sua amiga, separada do marido há mais tempo, Paulinha.
Ana nunca tinha sido muito de sair à noite. Não gostava do ambiente apertado e sufocante das boates. Mas aceitou ir só naquela noite. Depois de três cervejas e uma dose de tequila, viu, do outro lado da pista, Carlos, seu ex. Lembrou da besteira que tinha feito por terminar com ele por um motivo tão idiota. Com ele que era um cara incrível. Passando por um momento sensível e bêbada, não conseguiu segurar uma lágrima ao imaginar o que podia ter sido da sua vida se nunca tivesse entrado naquela cartomante. Será que teriam ficado juntos e felizes?
Foi ao banheiro retocar a maquiagem. Na saída, deu de cara com o próprio. Começaram a conversar um pouco. Ela, constrangida pelo que tinha feito. Ele, ainda um pouco ressentido. A tensão entre os dois era inegável. E com o barulho da boate, tinham que conversar muito próximos. A tequila falou mais alto e ela partiu pra cima dele num beijo de lava vulcânica. Se beijaram por meia hora, não resistiram e entraram no banheiro masculino.
Depois de consumado o ato, era impossível de não se lembrarem. Aquela era a mesma boate. Aquele era o mesmo banheiro. Diante de uma fila enorme de mulheres, ela, depois de cinco cervejas e duas doses de tequila, tinha decidido usar o banheiro masculino mesmo. Mas se esqueceu de trancar e levou um susto quando ele entrou. Os dois ficaram muito sem jeito e mais ainda quando, uma semana depois, descobriram que trabalhavam no mesmo prédio. O episódio tinha sido lembrado várias vezes durante o namoro deles. Se lembrando disso naquele momento de reencontro, sorriu e ainda vestindo a blusa olhou pra frente. Na porta do banheiro, todo tipo de piadinhas e xingamentos decoravam o ambiente.


Ana: Filha da puta!


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