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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Letras brancas

 Por Bernardo Sardinha

  Quando acabou, deu um passo para trás e admirou sua caligrafia: 
- "Leticia" - leu em voz alta o que estava escrito no asfalto em grandes letras brancas. Antes de passar para a próxima palavra, por cautela, olhou a sua volta. Ninguém na rua, ninguém nas janelas, e principalmente, ninguém no quinto andar do prédio n.º87. Naquela altura da madrugada a rua Bolívar estava tão deserta que parecia uma cidade fantasma e, sentindo que sairia impune continuou.

Ia escrever "filha da puta", mas achou vulgar demais. Optou então por "vadia" e assim desenhou um grande e belo "V" e depois um "A". Percebeu que tinha esquecido de colocar um pronome,o que seria a morte, então colocou um "a". 

"Leticia a vadia" - pensou em voz alta e sentiu que soava como um título. Como queria ataca-la  melhor espremeu um "s" e um "u" formando toscamente um "sua". Gramaticalmente correto, agora podia terminar seu trabalho. Mas assim, do nada, decidiu chama-la de vagabunda, e aproveitou o "VA", já lindamente desenhado no asfalto, e escreveu até a tinta acabar. Persistente, conseguiu ainda espremer daquela latinha de Colorgil branca um pouco mais de tinta para colocar o acento no nome daquela filha da puta. Afinal, não era ela que vivia tirando pontos de todos por causa dos acentos? Não podia faltar isso.

"- Colocou o acento no lugar errado." - disse uma vozinha tímida que continuou - "É Letícia, e não Léticia." e você esqueceu do "n" em vagabunda." Olhou para trás e uma senhorinha estava no parapeito da janela do 1º andar do prédio n.º 87 estava com os olhos bem arregalados observando-o. "Vai ter que ficar assim agora. A tinta acabou." - disse sem querer ser arrogante, mas sendo. Antes de fechar as janelas ela disse: - "Acho que tenho um pouco aqui. Espere aí". Quando pegou das mãos da senhora a tinta para corrigir, ainda ouviu dela: "Tinha que ter escrito filha da puta. É isso que ela é!" - ele riu alto e concordou.

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