Por Bernardo Sardinha
Quando acabou, deu um passo
para trás e admirou sua caligrafia:
- "Leticia" - leu em voz alta o que estava escrito no asfalto em
grandes letras brancas. Antes de passar para a próxima palavra, por cautela, olhou
a sua volta. Ninguém na rua, ninguém nas janelas, e principalmente, ninguém no
quinto andar do prédio n.º87. Naquela altura da madrugada a rua Bolívar estava
tão deserta que parecia uma cidade fantasma e, sentindo que sairia impune
continuou.
Ia escrever "filha da
puta", mas achou vulgar demais. Optou então por "vadia" e assim
desenhou um grande e belo "V" e depois um "A". Percebeu que
tinha esquecido de colocar um pronome,o que seria a morte, então colocou um
"a".
"Leticia a vadia" - pensou em voz alta e sentiu que soava como um título.
Como queria ataca-la melhor espremeu um
"s" e um "u" formando toscamente um "sua". Gramaticalmente
correto, agora podia terminar seu trabalho. Mas assim, do nada, decidiu
chama-la de vagabunda, e aproveitou o "VA", já lindamente desenhado
no asfalto, e escreveu até a tinta acabar. Persistente, conseguiu ainda espremer
daquela latinha de Colorgil branca um pouco mais de tinta para colocar o acento
no nome daquela filha da puta. Afinal, não era ela que vivia tirando pontos de
todos por causa dos acentos? Não podia faltar isso.
"- Colocou o acento no
lugar errado." - disse uma vozinha tímida que continuou - "É Letícia,
e não Léticia." e você esqueceu do "n" em vagabunda." Olhou
para trás e uma senhorinha estava no parapeito da janela do 1º andar do prédio
n.º 87 estava com os olhos bem arregalados observando-o. "Vai ter que
ficar assim agora. A tinta acabou." - disse sem querer ser arrogante, mas
sendo. Antes de fechar as janelas ela disse: - "Acho que tenho um pouco
aqui. Espere aí". Quando pegou das mãos da senhora a tinta para corrigir,
ainda ouviu dela: "Tinha que ter escrito filha da puta. É isso que ela
é!" - ele riu alto e concordou.
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