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terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Fröhliche Weihnachten

Por Rec Haddock

       Estava chovendo bastante naquele dia. Sempre chove bastante nessa época, e ele começou a procurar o cheiro, mas não encontrou. O cheiro que a chuva fazia lá, a chuva não faz em nenhum outro lugar.
Lá, no caso, era o Golf Resort Club Vermont. No meio da estrada, um hotel que acabou crescendo demais. Dois circuitos de golfe independentes, várias piscinas, lagos para pesca, churrasqueiras, boliche, bocha, cavalos, um campo de futebol gigantesco e mais dois pequenininhos, quadras de vôlei, tênis, basquete, academia, restaurantes, lojas de souvenir, mesas de sinuca, campeonatos de tranca, jogos de pôquer. Quartos e chalés e restaurantes e prédios projetados por Niemeyer e jardins projetados por Burle Marx. De tudo o que ele descreveu sobre o lugar, é isso o que lembro – talvez ele e eu tenhamos esquecido algumas coisas, mas com certeza as memórias da infância dele e a minha empolgação com o lugar compensaram estes esquecimentos.
Seu bisavô fora um investidor e investiu naquele hotel quando ele era apenas uma série de quartos amontoados. Por isso, na sua infância, a sua família ainda era dona de uma parte do Resort e ele ia passar os últimos 15 dias do ano lá. Todo ano. E todo ano chovia. E a chuva que chovia lá tinha um cheiro especial, como de grama recém-cortada. Era disso que mais gostava.
Seu bisavô não fora o único investidor, e outras famílias, também donas de suas partes do Resort,iam para lá todos os anos. E, como não poderia deixar de ser, tantas famílias acabavam virando uma família só, por quinze dias por ano. Até que as pessoas das famílias diferentes começaram a casar entre si e criar novas famílias de fato, e todos acabaram virando uma família por todo o ano, em todos os anos.
Tem famílias que se unem em torno do circo, outras que se unem em torno da música. Tem famílias de dentistas e outras que adoram velejar. Algumas famílias se unem em torno de alguma coisa que todos amam. Essa se uniu em torno do Natal no Golf Resort Club Vermont, e mesmo que alguns não fossem parentes de sangue, todos se amavam como irmãos e primos e tios, porque amavam aquele lugar.
E como amavam o Natal. Todos eles atacavam a ceia no Restaurante dos Flamboyants e reclamavam juntos do péssimo cantor que o Hotel contratava todo ano. Um deles – um dos homens mais velhos, sem filhos – sempre era acometido por uma dor de barriga súbita, perto da meia noite, e desaparecia. Logo, tocavam-se os sinos e surgia o Papai Noel para distribuir os presentes para as crianças, depois, é claro, de descobrir através de uma severa arguição oral se a criança em questão tinha ou não sido boazinha naquele ano.
Tudo era perfeito.
Mas merdas acontecem, e a família dele perdeu muita grana na época em que um Banco Internacional, na sua escalada, estava comprando hotéis pelo mundo inteiro. E o hotel da vez era, claro, o seu hotel. Venderam a sua parte quando ele tinha 19 anos.
Parte da sua magia já tinha acabado, é verdade, mas o Golf Resort Club Vermont ainda era um lugar especial para ele. E agora chovia, mas a chuva não tinha cheiro de chuva.
Então ele decidiu que era melhor que ele voltasse para a casa. Ele sentia muitas saudades daqueles momentos, e naquela véspera de Natal, quando virou a chave do seu apartamento, chorava - como eu choro quando conto essa história – por não ter mais nada daquilo.
Acontece que milagres acontecem.
Quando a chave virou e a porta abriu, ele viu a sua mulher. Junto com ela, estavam seus pais, seu irmão, avós e tio. Todos estavam sorrindo, felizes. Sua avó estava um pouco bêbada.
A sua memória estava no seu coração, mas a sua família não estava junta em torno do Natal do Golf Resort Club Vermont, afinal. Nem sequer estava junta em torno do Natal. Ela estava junta porque se amava. E ele amava todos. Ele amava aquela mulher que tinha escolhido para ser sua parceira na vida, e, para a sua mais completa felicidade, eles também a amavam.

E, finalmente, ele percebeu. Sua casa estava com cheiro de chuva.


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