Por Rec Haddock
Estava
chovendo bastante naquele dia. Sempre chove bastante nessa época, e ele começou
a procurar o cheiro, mas não encontrou. O cheiro que a chuva fazia lá, a chuva
não faz em nenhum outro lugar.
Lá,
no caso, era o Golf Resort Club Vermont.
No meio da estrada, um hotel que acabou crescendo demais. Dois circuitos de
golfe independentes, várias piscinas, lagos para pesca, churrasqueiras,
boliche, bocha, cavalos, um campo de futebol gigantesco e mais dois
pequenininhos, quadras de vôlei, tênis, basquete, academia, restaurantes, lojas
de souvenir, mesas de sinuca, campeonatos de tranca, jogos de pôquer. Quartos e
chalés e restaurantes e prédios projetados por Niemeyer e jardins projetados
por Burle Marx. De tudo o que ele descreveu sobre o lugar, é isso o que lembro
– talvez ele e eu tenhamos esquecido algumas coisas, mas com certeza as memórias
da infância dele e a minha empolgação com o lugar compensaram estes
esquecimentos.
Seu
bisavô fora um investidor e investiu naquele hotel quando ele era apenas uma
série de quartos amontoados. Por isso, na sua infância, a sua família ainda era
dona de uma parte do Resort e ele ia passar os últimos 15 dias do ano lá. Todo
ano. E todo ano chovia. E a chuva que chovia lá tinha um cheiro especial, como
de grama recém-cortada. Era disso que mais gostava.
Seu
bisavô não fora o único investidor, e outras famílias, também donas de suas
partes do Resort,iam para lá todos os anos. E, como não poderia deixar de ser, tantas
famílias acabavam virando uma família só, por quinze dias por ano. Até que as
pessoas das famílias diferentes começaram a casar entre si e criar novas
famílias de fato, e todos acabaram virando uma família por todo o ano, em todos
os anos.
Tem
famílias que se unem em torno do circo, outras que se unem em torno da música.
Tem famílias de dentistas e outras que adoram velejar. Algumas famílias se unem
em torno de alguma coisa que todos amam. Essa se uniu em torno do Natal no Golf Resort Club Vermont, e mesmo que
alguns não fossem parentes de sangue, todos se amavam como irmãos e primos e
tios, porque amavam aquele lugar.
E
como amavam o Natal. Todos eles atacavam a ceia no Restaurante dos Flamboyants
e reclamavam juntos do péssimo cantor que o Hotel contratava todo ano. Um deles
– um dos homens mais velhos, sem filhos – sempre era acometido por uma dor de
barriga súbita, perto da meia noite, e desaparecia. Logo, tocavam-se os sinos e
surgia o Papai Noel para distribuir os presentes para as crianças, depois, é
claro, de descobrir através de uma severa arguição oral se a criança em questão
tinha ou não sido boazinha naquele ano.
Tudo
era perfeito.
Mas
merdas acontecem, e a família dele perdeu muita grana na época em que um Banco
Internacional, na sua escalada, estava comprando hotéis pelo mundo inteiro. E o
hotel da vez era, claro, o seu hotel. Venderam a sua parte quando ele tinha 19
anos.
Parte
da sua magia já tinha acabado, é verdade, mas o Golf Resort Club Vermont ainda era um lugar especial para ele. E
agora chovia, mas a chuva não tinha cheiro de chuva.
Então
ele decidiu que era melhor que ele voltasse para a casa. Ele sentia muitas
saudades daqueles momentos, e naquela véspera de Natal, quando virou a chave do
seu apartamento, chorava - como eu choro quando conto essa história – por não
ter mais nada daquilo.
Acontece
que milagres acontecem.
Quando
a chave virou e a porta abriu, ele viu a sua mulher. Junto com ela, estavam
seus pais, seu irmão, avós e tio. Todos estavam sorrindo, felizes. Sua avó
estava um pouco bêbada.
A
sua memória estava no seu coração, mas a sua família não estava junta em torno
do Natal do Golf Resort Club Vermont,
afinal. Nem sequer estava junta em torno do Natal. Ela estava junta porque se amava.
E ele amava todos. Ele amava aquela mulher que tinha escolhido para ser sua
parceira na vida, e, para a sua mais completa felicidade, eles também a amavam.
E,
finalmente, ele percebeu. Sua casa estava com cheiro de chuva.
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