Por Rodrigo Amém
Três e tantas da
madrugada e o caminho de casa. Os sons dos motores adquiriram, subitamente,
tons proféticos do colapso iminente. À beira da estrada, o apalermado eu,
cercado de fumaça cheirando a óleo queimado e frustração.
Nem sei bem o porquê,
mas a primeira coisa que me ocorreu foi olhar para o céu, culpando estrelas. E
uma delas, desaforada, cuspiu-me o olho. Outras tantas a seguiram e logo
banharam o mundo. Como um bicho, corri curvado em direção à coisa alguma,
procurando sei lá o quê. Nem sei por que corria e por que curvado. De certo
achava que dobrando minha espinha choveria menos, enquanto eu corria para um
lugar onde molhasse pouco. Muito chato ser patético e todo mundo é, vez por
outra.
Achei barraco sinuoso e
sem porta para esticar a coluna e maldizer a bestice, que não me deixou ficar
no carro. Eu e o arrependimento, dentro do barraco: Chovia mais que fora.
E as gotas caíam
leitosas na sala podre. Vi uma cobra engasgada fornicar-se no buraco de rato.
Debaixo de uma mesa manca e caída, o ex-inquilino chacoalhava a chuva dos
pêlos. Foi preciso que eu dissesse saúde, depois do atchim, para lembrar que
não tinha espirrado e olhar em volta.
Era um velho roto e
fedido, olho caído outro não, mão estendida pra esmolar, cumprimentar e ler
destino. Quis saber de mim sem perguntar. E eu também nem respondi que tinha
medo e queria que ele morresse agora, antes de mim, do rato e da cobra. Ficamos
ali, dançando sem mexer.
Eu nem ia mesmo pegar, o
velho guardou sua mão pedinte, ainda me cravando o olho bom. Quis que se
virasse e fosse embora, mas tive medo de querer bater-lhe pelas costas. E se
ele saísse de ré, não poderia mover-me. Vai que me vigia. Melhor não saber por
onde vou. Quero sumir dele. E se a cobra vir morder? Será que o mataria? Mas a
cobra engasgada não morde, só engasga e fornica no buraco dos ratos.
Demorou uma vida quando
a chuva foi embora. Do mesmo modo que entrou, o velho saiu, sem que eu visse,
nem sei como. Só vi que já tinha sol, sem velho, sem cobra e sem rato e o
caminho era azul até a estrada.
Muito chato ser patético
e todo mundo é, vez por outra.
Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Rodrigo Amém e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização do autor. Entre em contato conosco para maiores informações.
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