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sábado, 21 de dezembro de 2013

A cobra, o rato, o velho

Por Rodrigo Amém

Três e tantas da madrugada e o caminho de casa. Os sons dos motores adquiriram, subitamente, tons proféticos do colapso iminente. À beira da estrada, o apalermado eu, cercado de fumaça cheirando a óleo queimado e frustração.

Nem sei bem o porquê, mas a primeira coisa que me ocorreu foi olhar para o céu, culpando estrelas. E uma delas, desaforada, cuspiu-me o olho. Outras tantas a seguiram e logo banharam o mundo. Como um bicho, corri curvado em direção à coisa alguma, procurando sei lá o quê. Nem sei por que corria e por que curvado. De certo achava que dobrando minha espinha choveria menos, enquanto eu corria para um lugar onde molhasse pouco. Muito chato ser patético e todo mundo é, vez por outra. 

Achei barraco sinuoso e sem porta para esticar a coluna e maldizer a bestice, que não me deixou ficar no carro. Eu e o arrependimento, dentro do barraco: Chovia mais que fora.

E as gotas caíam leitosas na sala podre. Vi uma cobra engasgada fornicar-se no buraco de rato. Debaixo de uma mesa manca e caída, o ex-inquilino chacoalhava a chuva dos pêlos. Foi preciso que eu dissesse saúde, depois do atchim, para lembrar que não tinha espirrado e olhar em volta.

Era um velho roto e fedido, olho caído outro não, mão estendida pra esmolar, cumprimentar e ler destino. Quis saber de mim sem perguntar. E eu também nem respondi que tinha medo e queria que ele morresse agora, antes de mim, do rato e da cobra. Ficamos ali, dançando sem mexer.

Eu nem ia mesmo pegar, o velho guardou sua mão pedinte, ainda me cravando o olho bom. Quis que se virasse e fosse embora, mas tive medo de querer bater-lhe pelas costas. E se ele saísse de ré, não poderia mover-me. Vai que me vigia. Melhor não saber por onde vou. Quero sumir dele. E se a cobra vir morder? Será que o mataria? Mas a cobra engasgada não morde, só engasga e fornica no buraco dos ratos.

Demorou uma vida quando a chuva foi embora. Do mesmo modo que entrou, o velho saiu, sem que eu visse, nem sei como. Só vi que já tinha sol, sem velho, sem cobra e sem rato e o caminho era azul até a estrada.

Muito chato ser patético e todo mundo é, vez por outra. 

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