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segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Socorro

Por Rodrigo Amém


Não era exagero dizer que Lúcia e Edgard eram felizes no bairro triste. Demorou, mas se entenderam parceiros, amigos, amados.  Tiveram filhos, mas só um vingou. Uma menina careca e rosada que não largava o peito bom de Lúcia. O outro só encontrava serventia na união de cicatrizes promovida pela palma queimada e ávida de Edgard com a trilha do terço.Nessas horas, eram um só. Uma só ferida do passado, coberta de pele grossa e forte.

Lúcia ficava com a careca rosa em casa. Trabalhar e trazer sustento era coisa de homem, dizia o imberbe Edgard. Ele saía de manhã e voltava de noite, trazendo pão, leite, uns trocados e histórias sobre clientes difíceis, entregas complicadas. Lúcia balançava a cabeça e sorria satisfeita de ser esposa adotiva e mãe de verdade.

Teve uma tarde que a bebê ficou febril. Lúcia sabia da gravidade. Viu muita criança chegar quente no orfanato e sair numa caixinha. Ela não pensou duas vezes. Embrulhou a menina num pano e correu pro hospital. Nem lembrou que Edgard tinha falado pra não sair. Nem pensou que o hospital era bem longe do casebre. E que ela estaria solta na cidade. Teve muita coisa que Lúcia não levou em consideração no seu desespero materno.

Que, por exemplo, o hospital público da cidade era o Pronto Socorro Nossa Senhora de Fátima.

Lúcia entro no saguão anunciada pelos urros da bebê rosada. A recepcionista perguntou o nome da criança. Lúcia não sabia. Nunca tinham definido. Ela olhou para a porta do hospital e respondeu de pronto: Fátima. O nome dela é Fátima. Ajuda minha Fátima rosa, por favor.

Uma enfermeira tomou o bebê nos braços e levou hospital adentro. A ex-noviça seguindo atrás, até ser barrada em uma das portas. Daquele ponto em diante, só quem é funcionário, mãe. Desculpe. Pode aguardar aqui.

Pelo vidro, Lúcia acompanhava uma sequência de costas brancas orbitando o choro abafado de Fátima. Desespero e alívio ao mesmo tempo. E uma sombra no canto do olho. Uma sombra negra. Virando a cabeça devagar, Lúcia foi perdendo a cor do rosto. De hábito e tapa-olho, Irmã Dalva sorria em antecipação à sonhada vingança.

- Você me deve uma criança, ladra. E um olho.  – sussurrou em alto e bom som.



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