Por Marcela de Holanda
Seu prazo estava apertado. Tinha que
entregar o texto para sua coluna mensal numa revista de grande porte. Como
sempre, tinha deixado para o último dia. Procurava uma luz. Não tinha ideia do
que escrever. Não conseguia simplesmente parar e espremer seu cérebro até sair
alguma palavra. Eram tantas coisas que chamavam sua atenção que parar não era
uma opção. O máximo que conseguia era se concentrar por dois minutos. Justo
naquele dia celebridades tinham tido suas fotos íntimas reveladas, candidatos à
presidência tinham feito declarações bombásticas, discussões muito relevantes
aconteciam no Facebook e estava passando Lagoa Azul na TV. Mas nada daquilo era
tema para sua coluna. Até que acabou a luz. E agora? Sem luz, não sobrava nada.
Aliás, acabou a eletricidade, porque a luz do Sol ela ainda tinha. Não por
muitas horas. Se tivesse sido uns tempos antes, ela sentaria na sua poltrona e
aproveitaria para adiantar o livro que estivesse lendo. Mas tinha substituído
todos os livros da sua estante por livros digitais quando teve que se mudar
para um apartamento menor depois do aluguel do anterior subir absurdamente.
Adorava seu leitor de livros! Mas ele tinha parado de funcionar no dia seguinte
ao término da garantia e ela estava esperando lançarem o modelo novo para poder
comprar o antigo mais barato. Sua única salvação era a internet do celular. Sua
última chance de comunicação com o mundo. Mas a bateria já estava pela metade.
Quantas horas duraria esse apagão? Resolveu que não podia se desesperar nem
agir sem pensar. Esquematizou um plano. Talvez se ela só se permitisse usar a
internet por cinco minutos a cada meia hora, a bateria durasse tempo
suficiente. Achava que meia hora era capaz de aguentar. E o que fazer nos
intervalos? Lembrou de um objeto que tinha guardado no armário junto com
relíquias da infância e cartinhas dos seus namorados de adolescência. Era um
caderno roxo junto com uma caneta de cheiro de framboesa. Nos intervalos da sua
existência digital, tentaria lembrar como se escrevia em papel para rascunhar
sua coluna. Finalmente a luz, uma ideia. Escreveria para as gerações atuais e
futuras sobre a importância de preservar as reservas energéticas e procurar
fontes alternativas, pois tinha certeza que o ser humano não era mais capaz de
sobreviver na escuridão. Quando deu por si, o texto estava pronto. No mesmo
instante, a televisão ligou, o modem voltou a piscar, o ar condicionado religou
e ela enfim respirou aliviada.
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