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quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Luz

Por Marcela de Holanda


Seu prazo estava apertado. Tinha que entregar o texto para sua coluna mensal numa revista de grande porte. Como sempre, tinha deixado para o último dia. Procurava uma luz. Não tinha ideia do que escrever. Não conseguia simplesmente parar e espremer seu cérebro até sair alguma palavra. Eram tantas coisas que chamavam sua atenção que parar não era uma opção. O máximo que conseguia era se concentrar por dois minutos. Justo naquele dia celebridades tinham tido suas fotos íntimas reveladas, candidatos à presidência tinham feito declarações bombásticas, discussões muito relevantes aconteciam no Facebook e estava passando Lagoa Azul na TV. Mas nada daquilo era tema para sua coluna. Até que acabou a luz. E agora? Sem luz, não sobrava nada. Aliás, acabou a eletricidade, porque a luz do Sol ela ainda tinha. Não por muitas horas. Se tivesse sido uns tempos antes, ela sentaria na sua poltrona e aproveitaria para adiantar o livro que estivesse lendo. Mas tinha substituído todos os livros da sua estante por livros digitais quando teve que se mudar para um apartamento menor depois do aluguel do anterior subir absurdamente. Adorava seu leitor de livros! Mas ele tinha parado de funcionar no dia seguinte ao término da garantia e ela estava esperando lançarem o modelo novo para poder comprar o antigo mais barato. Sua única salvação era a internet do celular. Sua última chance de comunicação com o mundo. Mas a bateria já estava pela metade. Quantas horas duraria esse apagão? Resolveu que não podia se desesperar nem agir sem pensar. Esquematizou um plano. Talvez se ela só se permitisse usar a internet por cinco minutos a cada meia hora, a bateria durasse tempo suficiente. Achava que meia hora era capaz de aguentar. E o que fazer nos intervalos? Lembrou de um objeto que tinha guardado no armário junto com relíquias da infância e cartinhas dos seus namorados de adolescência. Era um caderno roxo junto com uma caneta de cheiro de framboesa. Nos intervalos da sua existência digital, tentaria lembrar como se escrevia em papel para rascunhar sua coluna. Finalmente a luz, uma ideia. Escreveria para as gerações atuais e futuras sobre a importância de preservar as reservas energéticas e procurar fontes alternativas, pois tinha certeza que o ser humano não era mais capaz de sobreviver na escuridão. Quando deu por si, o texto estava pronto. No mesmo instante, a televisão ligou, o modem voltou a piscar, o ar condicionado religou e ela enfim respirou aliviada.



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