Por Rodrigo Amém
Descendo as trilhas da favela, Edgard sentiu-se poderoso pela
primeira vez. Ao seu lado, o braço direito do dono do morro, Léo, empunhava uma
doze. Ambos seguiam escoltados por dois soldados armados de metralhadoras
Ak-47. Em sua mão, o peso do maior revólver que Edgard já vira. Por onde
passavam, os moradores desviavam o rosto, fechavam portas, janelas, apagavam as
luzes. Era como se a favela baixasse os olhos em reverência.
Edgard jamais se esqueceria da sensação de
ser reverenciado. E essa era apenas a primeira sensação inesquecível que aquela
noite traria para sua vida.
- Tá por cima, hein, guri? – Léo nem olhou
para Edgard ao cuspir o comentário. – Esse berro aí é do chefe.
- Esse morro é do chefe. – Edgard só se deu
conta da insolência depois que ela saiu de sua boca. Mas não era o momento pra
mostrar arrependimento ou qualquer outro tipo de fraqueza.
- A primeira vez que Seteoito passou alguém
foi com esse ferro, aí. – disse Léo.
Edgard olhou para a arma em sua mão.
- Você já usou ela?
- Você já atirou alguma vez na sua vida? –
desconversou Léo.
Edgar se lembrou das suas guerras de
lama.
- Eu sou bom de mira.
- Se tu fizer merda...
- Vai ter problema, não. Valeu a força,
aí.
Edgard parou sob a sombra do orfanato. Olhou
para o lado, na distância, a sua ponte. Apertou sua cicatriz contra o coldre da
arma.Lembrou-se dos bichos e sua revolução. Léo levantou o queixo como quem
pede uma definição.
- Partiu. – sussurou Edgard.
Os dois capangas usaram seus pés enchinelados
num movimento sincronizado e a porta de entrada explodiu para dentro.
- Você entra quando eu mandar. – disse Léo,
apontando primeiro para o peito de Edgard e depois para o próprio peito. De
dentro do casarão, as crianças e freiras começavam a gritar. Os capangas
gritavam para que todos fossem ao chão. Edgard pensou em argumentar algo,
mas Léo já estava imerso na escuridão. Um tiro. Um tiro?! As metralhadoras
ecoaram e os gritos de pânico encheram os corredores de ecos, pólvora e
sangue.
Edgard não esperou. De arma em punho,
mergulhou no caos. As crianças choravam. A primeira freira ensanguentada
desabou na frente de Edgard, saída de um dos quartos. Mesmo na penumbra, ele
conseguiu reconhecer a irmã que dava aulas e que cuidava das crianças menores.
Muito sangue saia de sua boca. A vida se esvaindo de seus olhos.
Corredor a dentro, um braço puxa Edgard para
dentro de um dos quartos. Nem deu tempo de levantar o 38. Felizmente, era Léo.
Ou infelizmente.
- Seu filho da puta! Essas freiras tão
maquinada! Mataram o João, seu puto!
Nada daquilo fazia sentido. As freiras não
tinham armas. Não que Edgard soubesse. E quem era João?
Uma outra rajada de metralhadora. Tiro. Uma
pancada surda no vão das escadarias.
- Léo!!! Léooo!!! Eu peguei o filha da puta,
Léo!!!
Do alto da escada, o outro capanga gritava.
- Quem é esse merda?! – gritou Léo.
- Sei lá! Tava comendo uma freirinha! A gente
entrou e ele puxou o trabuco na cara do João! Mas eu peguei ele! Tá tranqui...
– Tiro.
O corpo do último capanga bateu no chão no
primeiro andar e fez barulho de melancia espatifando.
Um chorinho de mulher ecoou. Tinha uma
freirinha armada. Provavelmente com a arma do amante da colega. O sangue subiu
nos olhos de Léo.
- Eu vou tacar fogo nessas piranhas.
Léo saiu pronto pro crime. Edgard foi atrás, temendo o pior. Na
primeira porta que passou o braço direito do tráfico entrou disposto a uma
chacina. Descarregou sua escopeta em algumas crianças e duas freiras que usavam
seus corpos para proteger os órfãos. Não era mais uma operação de
resgate.
Era um massacre.
Edgard se adiantou em busca de sua família.
No fim do corredor mal iluminado, uma freirinha apontou um 32 e disparou contra
Edgard. A bala pegou de raspão no ombro esquerdo e levou o rapaz a empunhar seu
canhão e disparar. Acertou a freirinha no meio dos olhos.
E foi assim que Edgard fez sua primeira
vítima, o amor de sua vida.
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