Por Rec Haddock
Eu era feirante em 1995. Toda quarta-feira a gente caía
na Constante Ramos, em Copacabana. O lugar era bom. Cheirinho de mar faz peixe
vender mais. Não que eu vendesse peixes, mas o peixeiro sempre pagava uma dose
pra galera quando vendia bem.
Apesar do horário escroto, é um lugar legal de se
trabalhar, a feira. Se conhece bastante gente. Ouve-se muitas histórias.
Tinha um senhor que sempre vinha com o netinho, procurar
uma fruta chamada physalis, em todas as barracas da feira. Ele era egípcio,
tinha vindo fugido para o Brasil, pelo que me contaram. Depois eu acabei
descobrindo que essa fruta é típica de lá. Mas até aquele senhor aparecer, eu
nunca tinha ouvido falar dela.
Enfim. Eu já tinha perdido a conta de quantas vezes o
senhor tinha aparecido, quando em uma quarta-feira, ele voltou sem o neto.
Chovia canivete naquele dia, e o senhor estava vestido com uma capa de chuva
cor de areia e usava o guarda-chuva de seu neto, com dois olhinhos de sapo,
saindo do topo. O movimento estava ruim demais.
Ele fez seu percurso habitual, degustando o fracasso
habitual, e parou, por fim, na minha barraca.
- Seu Rec. Tem physalis aí, hoje? – ele perguntou.
- Tem não, seu Salvator. Desculpa. – a tristeza nos olhos
dele foi de cortar o coração.
- Peguei essa chuva pra nada. – ele estava quase
chorando, e eu não pude não me compadecer.
- Eu vou achar essa fruta pro senhor, seu Salvator. Pode
trazer seu neto, de volta na semana que vem, que eu trago.
Ele sorriu, duvidando, e foi embora.
Nunca trabalhei como trabalhei naquela semana. Liguei pra
todos os fornecedores que conhecia, todos os amigos que tinha e acabei
encontrando a tal da fruta. Era os olhos da cara, mas eu tinha prometido que ia
ter na semana seguinte, então comprei 2 dúzias.
Quando o senhor chegou na quarta-feira, com o neto, eu já
tinha o saco recheado com as frutas embaixo da bancada. Pronto para ele.
Quando ele me perguntou se eu tinha conseguido, eu tirei
o saco debaixo da mesa e dei para ele. Nunca vi um menino tão empolgado quanto
aquele neto do seu Salvator. Ele perguntou o preço, e eu disse que eram 180
reais, o preço de custo. O menino murchou. Sério. Eu vi o menino murchando de
tristeza, na minha frente.
- Com esse dinheiro dá pra comprar todos os gibis que eu
tenho, nonno! Dá pra comprar 180 kinder ovos. – o menino olhava pro chão,
envergonhado, enquanto falava.
- Ei. – o senhor respondeu – vou te contar uma história.
Quando eu era pequeno, eu queria muito um camelo. A gente passeava no deserto,
meu pai e eu, e um dia vimos um vendedor de camelos. Eu pedi o camelo pro meu
pai, e ele foi perguntar o preço. 50 dólares, o vendedor respondeu. E meu pai
agradeceu e disse que estava muito caro.
- Um ano depois – continuou o senhor -, passeávamos pelo
mesmo ponto quando avistamos novamente o vendedor de camelos. Pedi, novamente
para o meu pai, e ele foi novamente perguntar o preço. 250 dólares, respondeu o
vendedor. Imediatamente, meu pai sacou a carteira e comprou o animal para mim.
- Mas ele era caro quando custava 50 dólares! – o netinho
disse – Porque seu pai comprou ele quando custava 250?
- Eu perguntei a mesma coisa ao meu pai. Ele disse que
antes não tinha 50 dólares. Depois tinha bem mais do que 250. O preço das
coisas não é absoluto. Elas valem o valor que você dá para elas e o quanto você
quer pagar.
Ele me deu a pequena fortuna e deu o saco de frutas para
o neto. E, de repente, eu não podia aceitar aquele dinheiro todo, mesmo que me
desse prejuízo, e os chamei de volta. Devolvi o dinheiro, e disse que a
história tinha pago as frutas.
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