Cada dia da nossa vida é de um jeito. Sem regras ou com regras.
De qualquer forma, nada é igual.
Aqui cada dia é dia de um texto diferente.
Quer sair da rotina? Fica com o Salada!

terça-feira, 10 de junho de 2014

Não há melhor negócio que a vida. A gente a obtém a troco de nada.

Por Rec Haddock

Eu era feirante em 1995. Toda quarta-feira a gente caía na Constante Ramos, em Copacabana. O lugar era bom. Cheirinho de mar faz peixe vender mais. Não que eu vendesse peixes, mas o peixeiro sempre pagava uma dose pra galera quando vendia bem.

Apesar do horário escroto, é um lugar legal de se trabalhar, a feira. Se conhece bastante gente. Ouve-se muitas histórias.

Tinha um senhor que sempre vinha com o netinho, procurar uma fruta chamada physalis, em todas as barracas da feira. Ele era egípcio, tinha vindo fugido para o Brasil, pelo que me contaram. Depois eu acabei descobrindo que essa fruta é típica de lá. Mas até aquele senhor aparecer, eu nunca tinha ouvido falar dela.

Enfim. Eu já tinha perdido a conta de quantas vezes o senhor tinha aparecido, quando em uma quarta-feira, ele voltou sem o neto. Chovia canivete naquele dia, e o senhor estava vestido com uma capa de chuva cor de areia e usava o guarda-chuva de seu neto, com dois olhinhos de sapo, saindo do topo. O movimento estava ruim demais.

Ele fez seu percurso habitual, degustando o fracasso habitual, e parou, por fim, na minha barraca.

- Seu Rec. Tem physalis aí, hoje? – ele perguntou.

- Tem não, seu Salvator. Desculpa. – a tristeza nos olhos dele foi de cortar o coração.

- Peguei essa chuva pra nada. – ele estava quase chorando, e eu não pude não me compadecer.

- Eu vou achar essa fruta pro senhor, seu Salvator. Pode trazer seu neto, de volta na semana que vem, que eu trago.

Ele sorriu, duvidando, e foi embora.

Nunca trabalhei como trabalhei naquela semana. Liguei pra todos os fornecedores que conhecia, todos os amigos que tinha e acabei encontrando a tal da fruta. Era os olhos da cara, mas eu tinha prometido que ia ter na semana seguinte, então comprei 2 dúzias.

Quando o senhor chegou na quarta-feira, com o neto, eu já tinha o saco recheado com as frutas embaixo da bancada. Pronto para ele.

Quando ele me perguntou se eu tinha conseguido, eu tirei o saco debaixo da mesa e dei para ele. Nunca vi um menino tão empolgado quanto aquele neto do seu Salvator. Ele perguntou o preço, e eu disse que eram 180 reais, o preço de custo. O menino murchou. Sério. Eu vi o menino murchando de tristeza, na minha frente.

- Com esse dinheiro dá pra comprar todos os gibis que eu tenho, nonno! Dá pra comprar 180 kinder ovos. – o menino olhava pro chão, envergonhado, enquanto falava.

- Ei. – o senhor respondeu – vou te contar uma história. Quando eu era pequeno, eu queria muito um camelo. A gente passeava no deserto, meu pai e eu, e um dia vimos um vendedor de camelos. Eu pedi o camelo pro meu pai, e ele foi perguntar o preço. 50 dólares, o vendedor respondeu. E meu pai agradeceu e disse que estava muito caro.

- Um ano depois – continuou o senhor -, passeávamos pelo mesmo ponto quando avistamos novamente o vendedor de camelos. Pedi, novamente para o meu pai, e ele foi novamente perguntar o preço. 250 dólares, respondeu o vendedor. Imediatamente, meu pai sacou a carteira e comprou o animal para mim.

- Mas ele era caro quando custava 50 dólares! – o netinho disse – Porque seu pai comprou ele quando custava 250?

- Eu perguntei a mesma coisa ao meu pai. Ele disse que antes não tinha 50 dólares. Depois tinha bem mais do que 250. O preço das coisas não é absoluto. Elas valem o valor que você dá para elas e o quanto você quer pagar.

Ele me deu a pequena fortuna e deu o saco de frutas para o neto. E, de repente, eu não podia aceitar aquele dinheiro todo, mesmo que me desse prejuízo, e os chamei de volta. Devolvi o dinheiro, e disse que a história tinha pago as frutas. 


Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Rec Haddock e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização do autor. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela gentileza! Aguardamos a sua volta.