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terça-feira, 17 de junho de 2014

Jean- Paul Sartre


Por Rec Haddock

INT. QUARTO DE GABI. NOITE.

GABI está sentada em sua escrivaninha, de costas para OLLEN. Sobre a escrivaninha vemos várias latas de Coca-Cola sem tampa, e dentro de cada uma delas vários lápis de cor muito apontados. Espalhados sobre as paredes vemos vários desenhos feitos com gestos rápidos, pôsteres de bandas de rock alternativas e bandas de jazz, além de pôsteres de filmes B. O teto está coberto de polaroids, e nenhum dos modelos das fotos é repetido. O quarto todo está meticulosamente arrumado, exceto pelo lugar no carpete onde Ollen está sentado. Com as costas apoiadas na cama e um laptop no colo, ele tem a sua volta uma série de livros com anotações em laranja néon espalhados. Ele os lê, e parece procurar algo neles, sem sucesso. Gabi pega um lápis branco e começa a desenhar uma figura invisível na folha de papel branca. 

GABI

Você acredita em Deus?

Ollen para de folhear os livros e pensa.

OLLEN

Acho que não. Você acredita?

GABI

Acredito.

A ponta do lápis de Gabi quebra. Ela apóia o lápis sobre o desenho e a testa sobre a palma da mão.

OLLEN

Tudo bem?

GABI

Qual você acha que é o seu propósito? Porque você nasceu se não existe um plano pra você?

OLLEN

Nunca pensei sobre isso.

Gabi pega um apontador e começa a apontar o lápis. Ollen começa a digitar qualquer coisa no laptop.

GABI

Eu queria muito saber o que eu devo fazer pra poder começar...

A ponta do lápis quebra ainda dentro do apontador. Ollen para de digitar, novamente, e olha, curioso, para Gabi lutando com o lápis e o apontador. 

GABI (CONT’D)

... merda. Começar a fazer o que eu preciso fazer.

OLLEN

Porque você não começa fazendo o que você gosta de fazer?

GABI

Porque eu não sou boa no que eu gosto de fazer...

A ponta do lápis quebra de novo dentro do apontador.

GABI (CONT’D)

... caralho! Se eu não sou boa no que gosto de fazer, não devo ter vindo pra essa vida pra fazer isso. Deus não ia me criar para fazer mal alguma coisa.

OLLEN

Deus não ia te criar pra fazer mal alguma coisa?

Gabi para de tentar apontar o lápis, e começa a olhar para os seus desenhos na parede.

GABI

É. Pensa. Se você inventa uma bateria de celular, você não pode criar um negócio enorme, que não caiba no celular. Não pode criar um negócio que não forneça energia, ou que bloqueie o sinal do celular, por exemplo. O propósito do que se cria, determina as características do que você cria, entendeu? Porque deus me criaria pra desempenhar mal uma função?

Gabi coloca o lápis branco sem ponta de volta na latinha. 

Coloca as pernas dobradas sobre a cadeira e abraça-as. 

OLLEN

E se não foi Deus quem criou você? Se foi um anjo que ele designou? Ou se ele te criou sem nenhum propósito? E se não há sentido profundo na sua existência? 

GABI

Aí eu vou ser um nada.

OLLEN

Porquê?

GABI

Porque vou ser inútil, né Ollen? Que nem essa merda! 

Gabi joga o lápis sem ponta sobre Ollen, que se esquiva.

OLLEN

Mas pra mim parece o contrário. Você fica aí se comparando com lápis e baterias de celular, sem se dar conta que você é muito mais do que isso. O fato de Deus não ter te designado um propósito não significa que você não possa ter um. Se não te foi designado um propósito, cria você mesma um propósito pra si.
Você não percebe, mas é muito boa no que faz, Gabi. Seus desenhos são lindos. Suas fotos são lindas. 

GABI

Mas e se a meta que eu criar não for o plano de Deus pra mim?

OLLEN

Você vai acabar chegando nesse plano se você acredita mesmo nele. Mas enquanto isso, experimenta um pouco do livre-arbítrio que seu Deus te deu. 

Ollen pega o lápis e o estende para Gabi.

GABI

Espera um pouco, assim. Não se mexe.

Gabi pega sua polaroid e tira uma foto de Ollen oferecendo o lápis. A câmera ejeta a foto, e Gabi a pega e escreve atrás da imagem:

Quem veio antes? A essência ou a existência?


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