Cada dia da nossa vida é de um jeito. Sem regras ou com regras.
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sábado, 7 de junho de 2014

O projeto

Por Rodrigo Amém


Dia 1
Tanto tempo de solidão não pode estar me fazendo bem. Hoje eu acordei, olhei  ao redor e estava tudo escuro. Todos os dias iguais. Eu e o vazio, imerso em trevas. Eu preciso fazer algo a respeito.  Acho que vou acender uma vela.

Dia 2
É incrível como essa luz que eu criei ontem encheu o ambiente de possibilidades. Agora, posso ver mais claramente o que há ao meu redor. O vazio já não me assusta tanto, muito embora a solidão continue. Mas hoje me sinto especialmente criativo. Acho que vou trabalhar minha inventividade. Repensar esse meu universozinho. Criar meu mundo, sei lá.
Será que eu consigo pintar esse teto de azul? Gosto dessa cor. Azul me acalma. Acho que vou encher tudo com azul. Não. Talvez seja melhor jogar um verde para balancear, também. Verde é uma cor de esperança. Realmente não ficará mau. Acho que preciso de mais calor aqui no meio. Mais  luz, muito mais luz. Bem de perto. Isso.

Dia 3
Estou frustrado. Meu Projeto está lindo, mas parece muito... Não sei dizer. Estático, talvez. Esses vegetais não são muito interativos. Precisa de mais vida. Mais movimento no céu, na terra e na água. Estive pensando em organismos pluricelulares. Tecidos! Organismos vivos, feitos com tecidos vivos e animados! Por que eu não pensei nisso antes?



Dia 4
Estou pasmo. O projeto ganhou muito mais colorido através dos seres vivos animados. Ganhou animação, a coisa.  Eu olhei para eles e disse: "Sois os principais habitantes deste mundo que animais". Animais. Acho que vou chamá-los assim. O interessante é que eles aprenderam a coexistir rapidamente. Alguns deles alimentam-se dos vegetais. Outros, dos seres menores que eles, provocando uma reação em cadeia. Uma cadeia alimentar, diria eu. Noto que alguns deles começaram a evoluir e já são mais fortes, ágeis e resistentes do que eu  havia determinado. Tomei especial afeição por um grupo de seres que, até pouco tempo, moravam nas árvores e agora utilizam-se do chão como habitat. Eles tentam, insistentemente, a locomoção por meio das patas traseiras, unicamente. Nas patas dianteiras, os polegares estão se voltando contra os demais dedos. Talvez seja um reflexo de atrofia pelo desuso. Apesar de satisfeito com os resultados, tenho sentido um certo receio de que o projeto acabe saindo do controle e caindo no caos.

Dia 5
Tive uma grande ideia. Os animais devem ser vigiados mais de perto. Não quero influir diretamente, não seria científico ou ético. Ainda não absorvi bem o duro golpe de ter sido obrigado a exterminar aqueles enormes répteis. Mas foi necessário. De outra forma, meus amiguinhos peludos não teriam chance de sobrevivência na cadeia alimentar. Enfim, fiz o que fiz e pronto. Mas não quero ter que apelar para a força novamente. Então, decidi eleger uma das espécies de animais para exercer a vigilância sobre as outras.  Darei o privilégio aos meus favoritos. Andei brincando com o barro e fiz um novo e mais poderoso cérebro, que implantarei em um espécime dos favoritos. Chamá-lo-ei de Adão.

Dia 6
Finalmente, não me sinto mais só. Adão me compreende, escuta e respeita. Sinto-me pleno, enfim. Mas parecia que meu vigilante não compartilhava deste mesmo sentimento. Então, ele exigiu que lhe fizesse outro de sua espécie. Senti-me traído e me deixei levar pela Ira. Não era necessário, mas tirei-lhe uma costela sob pretexto de precisar de matéria-prima. Foi um ato infantil da minha parte, eu sei. Mas nunca havia me sentido desprezado antes. Ele teve o que mereceu. Para redimir meu sentimento de culpa, fiz-lhe a mais bela fêmea do Projeto. E Adão parece feliz novamente, ao lado de sua Eva. Merda.

Dia 7
Decidi abandonar o Projeto. Nada mais está dando certo. Os filhos de Adão são duas pestes insuportáveis que matam meus animais friamente e ainda dizem que o fazem por mim! Moleques! E essa Eva, então, consegue me irritar profundamente! Quem ela pensa que é? Dizendo a Adão o que fazer, quando fazer e como fazer! E é só eu ordenar que não se faça uma coisa e ela é a primeira a me desobedecer! Milhares de tipos de fruta em todo o Projeto e ela quis comer logo a que eu tinha proibido! Isso é uma afronta! Não há mais espaço neste projeto para minha vontade.  Então, que seja como eles quiserem. Ofereci a eles o Paraíso. Mas eles preferiram encarar a vida real. Estou me sentindo só, novamente. E desiludido. Pensei em destruir o Projeto. Mas mudei de ideia. Deu muito trabalho, a gente acaba se apegando. Vou deixá-lo de lado um pouco. Vai que um dia meu filho resolve tentar dar um jeito nisso? Até lá, eles que se danem. Eu vou descansar.


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