Cada dia da nossa vida é de um jeito. Sem regras ou com regras.
De qualquer forma, nada é igual.
Aqui cada dia é dia de um texto diferente.
Quer sair da rotina? Fica com o Salada!

domingo, 29 de junho de 2014

Corrente Milagrosa de Nossa Senhora

Por Halliny Lima


Andando à noite

Achei aquele papel

Ali 

Amassado

Estranho

Inteiro

Veio a curiosidade...e me abaixei

Imagem de Nossa Senhora Aparecida

Mas que por falta na tinta 

Não estava tão aparecida assim

“Quem encontrar essa corrente milagrosa de Nossa Senhora Aparecida, deverá fazer 4 

cópias diárias durante 60 dias. Ou seja, 2 meses”

(Caramba!! Além de ter que fazer as cópias todo dia, ainda frisa que 60 dias são 2 

meses..nunca se sabe o grau de estudo do leitor....enfim) . Prosseguindo a leitura:

“Tudo o que quiser, conseguirá. Não rasgue, não guarde. Comece a corrente. Ela 

precisa circular. Faça 4 cópias e as jogue nas ruas, em residências ou qualquer lugar de 

circulação de pessoas”

(Meu Deus! Além do gasto diário com a xerox, ainda promove a sujeira urbana com 

folhas e mais folhas de papel?). Mas não é só isso. Está achando difícil a xerox? Lá vem 

a ameaça...

“Se não fizer poderá ter decepções financeiras, amorosas ou familiares”

(Resumindo: Você gasta uma nota pra xerocar a mensagem de Nossa Senhora, então 

com isso, você automaticamente já terá uma grande decepção financeira! Fora a 

certeza apontada de que virão decepções amorosas ou na família. E quem não as tem? 

Independente de Corrente de Nossa Senhora?). Aí começam os “casos reais” de pessoas 

que fizeram ou não a tal Corrente.

“O dono de um escritório precisou de 1 milhão de reais e ganhou antes mesmo de 

completar os 60 dias, mas quem deixou de completar a corrente...teve vários problemas”

(Me sinto coagida com isso!)

“O dono de uma padaria perdeu seu único filho (vish...chantagem emocional de Nossa 

Senhora??? Ainda mais com o tema ‘filho’??), por ter interrompido a Corrente Milagrosa 

de Nossa Senhora Aparecida. A santa corrente precisa circular. Tenha fé e confie, pois 

terá surpresas nos próximos dias.

Obs: Ao término dessa corrente, rezem um Pai Nosso e uma Ave Maria

Amém...”

Docren!

Não, eu não posso crer que ainda exista esse tipo de raciocínio pseudo-religioso em 

formato de Corrente Milagrosa Divina! E o mais engraçado: a oração no final que seria 

o elemento mais importante para revelar a fé, vem quase como uma vírgula na carta da 

Corrente. Quase que despercebida...

Oh Deus!

E aí?


Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Halliny Lima e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização da autora. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.

sábado, 28 de junho de 2014

O problema

Por Rodrigo Amém

O problema não é que a esquerda tem um projeto de poder que sataniza os empresários e explora o povo como massa de manobra trocando o fim da meritocracia por um Estado paternalista e anti-democrático. O problema é que você não busca informação. Você busca confirmação da sua visão do mundo e rechaça qualquer argumento que não venha blindado pelas suas filosofias. O problema não é que a direita é insensível para as questões das minorias, dos excluídos e da ecologia, numa busca egocêntrica pelo lucro e pelo desmantelamento estatal, faturando em cima do bem público, atropelando os direitos civis dos cidadãos em busca da manutenção do status quo. O problema é que você pensa política como pensa futebol: quem não está com você está contra e nada de válido tem a acrescentar na busca por uma sociedade mais próspera. O problema não é que a nova geração é composta por jovens idiotas libertinos que não querem nada com a vida (pelo contrário. De acordo com o Efeito Flynn, a média de QI cresce 3 pontos a cada geração), o problema é que vivemos uma era de redefinição de conceitos. Uma possibilidade que, para você, significa a aterrorizante possibilidade de ter suas convicções e ideologias varridas à irrelevância. O problema não é que os conservadores são manipuladores, arrogantes e desprezam as liberdades individuais. O problema é que você não tolera ouvir vozes dissonantes e considera a experiência alheia irrelevante, uma vez que você sabe que é 3 pontos de QI mais “esperto”. O problema não é os outros.

Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Rodrigo Amém e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização do autor. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Uma nova chance

Por Bernardo Sardinha

Abri os meus olhos e tinha uma estranha ao meu lado. Olhei em volta assustado e rapidamente me dei conta de que não estava em meu quarto. Levantei devagarinho e atordoado fui ao banheiro.

Quando acendo a luz e me vejo no espelho, tomo um susto. Eu não me reconheço mais. Não reconheço nada a minha volta. Enquanto a mulher dorme de boca aberta na cama, ando pelo modesto apartamento, e descubro vários porta retratos com fotos de possíveis familiares, meus e dela. Na cozinha há vários pratos quebrados e na porta dos fundos, uma mala abarrotadas com roupas colocadas de qualquer jeito.

Ainda estava juntando os pedaços da minha suposta vida e ela aparece na cozinha de camisola e calcinha e pergunta: - Você realmente me perdoa?
Ao invés de dizer “Não lembro de nada! Não sei quem sou! E nem quem é você! Eu tô com uma espécie de amnésia! Me leva para o médico agora! E se esses pratos quebrados forem meus você vai pagar por eles, sua vaca!”, eu acenei com um sim, um sorriso e uma cara de pau mais dura do mundo. Ela me abraçou e no meio de um soluço disse que me perdoava também.
Afinal, para perdoar de verdade é preciso esquecer. E somente o tempo vai me dizer se a ordem dos fatores não altera o resultado.



Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Bernardo Sardinha e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização da autora. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Ongaronga

Por Marcela de Holanda


Acordou já tarde, mas ainda não queria levantar. Acabou cochilando e foi aí que tudo começou. Foi tão rápido que não conseguiu apreender o contexto. Tinha um homem não identificado em seu sonho e ele dizia a seguinte frase: “Só se a gente fizer ongaronga”. Acordou na mesma hora rindo de si mesma e das suas invencionices durante o sono.

Por curiosidade, pegou o celular na cabeceira e pesquisou no Google a tal palavra. Não havia resultado para ongaronga, mas havia vários resultados para On Garonga. O Garonga Safari Camp, na África do Sul, era descrito como um safari para a alma. Ficou com aquilo na cabeça e voltou a pesquisar mais tarde. As fotos do lugar eram incríveis. As acomodações tinham um clima rústico romântico de frente para uma vista selvagem.

Sentiu-se tentada a arrumar as malas e ir. Só tinha um pequeno detalhe. Ela tinha medo dos animais. Não só dos grandes, mas dos pequenos também. Era do tipo que se irritava com mosquito. Ia fazer o que on Garonga? Mas também era do tipo que acreditava em sonhos e em sinais.

Ficou ruminando a ideia por alguns dias até que resolveu mostrar para o marido. O pior aconteceu. Ele amou a ideia. Ficou animado com a perspectiva como ela nunca tinha visto antes. O casamento deles não andava muito bem. Ela já tinha tentado, de muitas maneiras, melhorar a situação e já começava a achar que não tinha salvação.

Não teve coragem de dizer para ele que na verdade achava que não teria coragem de ir. Disse que daria um jeito de antecipar suas férias e que ele fizesse o mesmo. Os dois partiriam assim que possível. Ele topou. Ela começou a ter crises de ansiedade e de arrependimento todos os dias, mas seguiu em frente com seus planos.

A relação já mostrava bons sinais de melhora quando os dois embarcaram no avião para a África. Se esse era o preço a pagar, ela encararia um leão por dia. Ou, no caso, vários leões, elefantes, hipopótamos, rinocerontes, girafas...


Foi, mas não voltou. Deixou para trás a pessoa que era para renascer muito melhor. E ele também. Tudo o que viveram on Garonga tornou os dois cúmplices inseparáveis. Voaram para casa, prontos para encarar tudo que viesse e esperando o filho que fizeram on Garonga.


Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Marcela de Holanda e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização da autora. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.

domingo, 22 de junho de 2014

Tardes e manhãs de pão com manteiga e leite com chocolate

Por Halliny Lima


E como num estalar de dedos

Aquelas manhãs não são mais as mesmas

O ruído pertinente

O movimento de gente

Estridente

Parou.

É bom lembrar o que foi

Mesmo com suas nuances

O contagiar de uma brincadeira

A risada alheia

A risada geral

As tardes acaloradas também se foram

Acaloradas de Sol

Acaloradas de palavras

Pertinentes

Estridentes

De gente

Alguém dizia que chegaria o dia

Falar umas verdades...

As tardes se foram

E nunca soubemos quais eram elas...

Grandes histórias

Pequenas histórias

E a pouca idade daqueles que acham já saber de tudo...

Humpf...

Ah...quanta coisa ainda por vir

Quantas quedas

Arranhões de joelho

Braços quebrados

Corações arrebentados

Ainda vão doer

Hoje, essas não fazem sentido

Eu também pensava assim

Mas é necessário vivenciar esse transcorrer

Viver...

Um gosto bom de pão com manteiga

Leite com chocolate

Folhas

Palavras 

E sonhos...



Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Halliny Lima e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização da autora. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.

sábado, 21 de junho de 2014

Coxinha, Caviar e Cara de Mamão

Por Rodrigo Amém



Coisa besta é chamar o outro de “coxinha.” Não dá pra saber muito sobre o rotulado. Mas sobra informação sobre o detrator. Coxinha (a pessoa, não o salgadinho) não é real. É um arquétipo mal intencionado. Serve para demonizar a visão conservadora do mundo e desconsiderar qualquer argumento liberal.

Aí, na internet, alguém grita: “Isso é coisa dessa esquerda caviar!” Trata-se de um espantalho ideológico. Por detrás do xingamento, insinua-se que só a hipocrisia justifica um branco rico sair em defesa de negros pobres. Tem que ser pose. Tem que ser da boca pra fora. Porque se não for, meu conservadorismo soa alienado. Então, desconsidera-se a pessoa para não ter que considerar seus argumentos.

Quando eu era criança e não conseguia convencer alguém a brincar comigo, eu gritava: “Cara de Mamão!” Não que a pessoa parecesse um mamão. Ou que parecer um mamão fosse uma falha grave de caráter, personalidade ou mesmo estética. Eu só precisava desmoralizar aquele moleque que não queria brincar comigo. E o defeito mais grave que alguém poderia ter era sempre aquele que eu inventava.

Muito marmanjo ganha fama pela capacidade de destilar neologismos ofensivos contra quem não partilha das suas convicções. Xingamento no lugar de argumento, como eu fazia quando era pequeno. Foi só depois de velho que eu aprendi que é mais produtivo discutir ideias que pessoas.

Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Rodrigo Amém e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização do autor. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Quando acordo com chuva

Por Amanda Leal


Debaixo dos meus pés só tem areia.

Esmago cada grão com o peso de um corpo e de uma alma cansada.

É tarde. Chove. O céu está cinza e o mar bate. 

Eu fujo de mim mesma e me concentro no horizonte, olho para a beira do mar e vejo o quão grande é a imensidão de mim mesma. 

Então, eu choro um choro suave e quase sem lágrima, e eu me lembro de um tempo bom com sol e sem nuvens.

O cinza do dia reflete a cor do meu atual coração.

Saudade de estar ao seu lado, saudade de um beijo seu. 

Vontade de cair de um lugar bem alto e de te encontrar lá onde for.

Vontade de fechar os olhos e de estar junto de você.

É estranho sentir essa sensação de morte e saudade por quem ainda está vivo.

Na mesma hora você me liga e eu fico bem, te atendo e abro um sorriso que não abri desde que acordei. 

Só você tem esse poder, de me despertar.

Saio de um sono profundo para ser alguém que quero ser todos os dias. 

- Mas o que houve comigo? - Eu me pergunto, diante dessa linda paisagem nublada. 

Nada. Absolutamente nada. 

É que têm dias que a gente acorda triste mesmo e se sente assim, estranha. 

Dá um medo danado do mundo, fobia das pessoas e uma saudade doentia daquilo que já se tem por perto.

Têm dias que o coração sangra sem motivo e dói sem pancada.

É que têm dias que o coração bate rápido sem nenhuma razão e desacelera enquanto se corre.

Pois apesar de toda dor sem causa que hoje me atinge, a mais pura e verdadeira felicidade também me acomete: a de poder te ver a qualquer hora.


Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Amanda Leal e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização da autora. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Lendas Africanas

Por Bernardo Sardinha






Nessas andanças pela nossa Senhora de Copacabana, encontrei um ambulante vendendo esculturas de madeira de todo o tipo. Espalhadas pelo chão tinham: girafas, elefantes, antílopes, tigelas e algumas máscaras africanas. Quem me conhece sabe que sou maluco por máscaras, e ali em cima de um plástico azul tosco, vi uma que me interessou muito. O ambulante, um negro de cabelo grisalho, se aproximou simpático quando eu a peguei do chão. Conversamos sobre as máscaras e pelo sotaque deu para ver que ele não era local.

Antes de comprá-la, perguntei qual era a história e origem dela e ele me contou algo mais ou menos assim: "Após uma guerra, o povo Baoulé, liderado pela Rainha Pokou, foi obrigado a fugir de Gana. Durante a perigosa fuga, eles encontraram um rio intransponível por causa dos crocodilos. Desesperados, eles rezaram para o Deus do Rio, implorando para que ele os deixasse passar. Atendendo as preces o Deus apareceu, e disse que se a rainha queria passar com seu povo, ela teria que jogar no rio o seu bem mais valioso. Imediatamente Pokou, ordenou que jogassem todas as jóias da rainha no rio, porém nada aconteceu.

Com o exército inimigo se aproximando, a rainha percebeu que seu bem mais valioso era o seu filho e o empurrou no rio para ser devorado pelos crocodilos. Após o sacrifício, os répteis se enfileiraram lado a lado, fazendo uma ponte e assim permitiram que todo aquele povo passasse,chegando finalmente aonde é hoje a Costa do Marfim. 
Após a travessia do rio, Pokou estava tão devastada pela morte do filho, que somente conseguiu dizer “baouli” que significa: a criança está morta.” Daquele ponto em diante eles ficaram conhecidos como Baoulé e para lembrar Pokou e de seu sacrifício eles fazem máscaras em homenagem a ela.
Comprei a máscara e ganhei uma história. Saí no lucro.



Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Bernardo Sardinha e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização do autor. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Princesa

Por Marcela de Holanda


—  Tá triste?

—  To.

—  Por quê, meu amor?

—  Dinda, eu queria ser uma princesa.

—  Mas você é minha princesa.

—  Não desse tipo. Eu queria ser uma princesa de verdade. Que nem aquelas das histórias. Morar num castelo enorme. Usar aqueles vestidos. Casar com um príncipe.

— Pensa bem. Você não gosta de estar sempre perto dos seus pais? Se morasse num castelo enorme vocês não iam ficar tão perto. E se eles fossem o rei e a rainha não teriam tanto tempo pra você. Teriam que cuidar de todo o reino.

—  Tá. Mas os vestidos são tão bonitos!

—  É. São sim. Mas você não gosta de brincar na areia, de pique pega, de jogar bola? Você acha que daria pra fazer tudo isso com aquelas roupas te pinicando, prendendo sua respiração? Além do mais, não são brincadeiras apropriadas para uma princesa. Você teria que se comportar o tempo todo.

—  É. Ia ser chato. Mas pelo menos eu ia casar com um príncipe e ser feliz para sempre.

— Quantos príncipes de verdade existem por aí? O seu pai ia ter que escolher um deles para casar com você. Qual a chance dele escolher justamente um que vai te fazer feliz pra sempre? Já é difícil encontrar alguém mesmo com todos os não príncipes como opção. Você não gosta que escolham nada por você. Ia querer que escolhessem seu marido? Eu não trocaria seu tio por príncipe nenhum do mundo. Porque é ele que eu amo.

—  Dinda, eu não quero mais ser princesa não.

—  Não?

—  Não. Melhor ser livre, né?

—  É.


Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Marcela de Holanda e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização da autora. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Jean- Paul Sartre


Por Rec Haddock

INT. QUARTO DE GABI. NOITE.

GABI está sentada em sua escrivaninha, de costas para OLLEN. Sobre a escrivaninha vemos várias latas de Coca-Cola sem tampa, e dentro de cada uma delas vários lápis de cor muito apontados. Espalhados sobre as paredes vemos vários desenhos feitos com gestos rápidos, pôsteres de bandas de rock alternativas e bandas de jazz, além de pôsteres de filmes B. O teto está coberto de polaroids, e nenhum dos modelos das fotos é repetido. O quarto todo está meticulosamente arrumado, exceto pelo lugar no carpete onde Ollen está sentado. Com as costas apoiadas na cama e um laptop no colo, ele tem a sua volta uma série de livros com anotações em laranja néon espalhados. Ele os lê, e parece procurar algo neles, sem sucesso. Gabi pega um lápis branco e começa a desenhar uma figura invisível na folha de papel branca. 

GABI

Você acredita em Deus?

Ollen para de folhear os livros e pensa.

OLLEN

Acho que não. Você acredita?

GABI

Acredito.

A ponta do lápis de Gabi quebra. Ela apóia o lápis sobre o desenho e a testa sobre a palma da mão.

OLLEN

Tudo bem?

GABI

Qual você acha que é o seu propósito? Porque você nasceu se não existe um plano pra você?

OLLEN

Nunca pensei sobre isso.

Gabi pega um apontador e começa a apontar o lápis. Ollen começa a digitar qualquer coisa no laptop.

GABI

Eu queria muito saber o que eu devo fazer pra poder começar...

A ponta do lápis quebra ainda dentro do apontador. Ollen para de digitar, novamente, e olha, curioso, para Gabi lutando com o lápis e o apontador. 

GABI (CONT’D)

... merda. Começar a fazer o que eu preciso fazer.

OLLEN

Porque você não começa fazendo o que você gosta de fazer?

GABI

Porque eu não sou boa no que eu gosto de fazer...

A ponta do lápis quebra de novo dentro do apontador.

GABI (CONT’D)

... caralho! Se eu não sou boa no que gosto de fazer, não devo ter vindo pra essa vida pra fazer isso. Deus não ia me criar para fazer mal alguma coisa.

OLLEN

Deus não ia te criar pra fazer mal alguma coisa?

Gabi para de tentar apontar o lápis, e começa a olhar para os seus desenhos na parede.

GABI

É. Pensa. Se você inventa uma bateria de celular, você não pode criar um negócio enorme, que não caiba no celular. Não pode criar um negócio que não forneça energia, ou que bloqueie o sinal do celular, por exemplo. O propósito do que se cria, determina as características do que você cria, entendeu? Porque deus me criaria pra desempenhar mal uma função?

Gabi coloca o lápis branco sem ponta de volta na latinha. 

Coloca as pernas dobradas sobre a cadeira e abraça-as. 

OLLEN

E se não foi Deus quem criou você? Se foi um anjo que ele designou? Ou se ele te criou sem nenhum propósito? E se não há sentido profundo na sua existência? 

GABI

Aí eu vou ser um nada.

OLLEN

Porquê?

GABI

Porque vou ser inútil, né Ollen? Que nem essa merda! 

Gabi joga o lápis sem ponta sobre Ollen, que se esquiva.

OLLEN

Mas pra mim parece o contrário. Você fica aí se comparando com lápis e baterias de celular, sem se dar conta que você é muito mais do que isso. O fato de Deus não ter te designado um propósito não significa que você não possa ter um. Se não te foi designado um propósito, cria você mesma um propósito pra si.
Você não percebe, mas é muito boa no que faz, Gabi. Seus desenhos são lindos. Suas fotos são lindas. 

GABI

Mas e se a meta que eu criar não for o plano de Deus pra mim?

OLLEN

Você vai acabar chegando nesse plano se você acredita mesmo nele. Mas enquanto isso, experimenta um pouco do livre-arbítrio que seu Deus te deu. 

Ollen pega o lápis e o estende para Gabi.

GABI

Espera um pouco, assim. Não se mexe.

Gabi pega sua polaroid e tira uma foto de Ollen oferecendo o lápis. A câmera ejeta a foto, e Gabi a pega e escreve atrás da imagem:

Quem veio antes? A essência ou a existência?


Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Rec Haddock e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização do autor. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.

sábado, 14 de junho de 2014

O brasileiro é, antes de tudo, esquizofrênico

Por Rodrigo Amém


Eu sou brasileiro e amo meu país, mais umas partes que outras. Aquelas paradas lá pra cima, onde tem muita miséria e mosquito, eu considero menos. Mas essas partes que aparecem nas novelas e que os turistas pagam caro pra ver, essas sim eu tenho orgulho. Ê paizão bonito! É que nós somos muito ligados na natureza. A gente desmata um monte de floresta pra criar pasto pra gado. Natural, não?

O problema do Brasil é que ninguém faz nada pelos necessitados. Esses políticos só estão interessados em dar bolsa-família pra pobre. Tem muito político vagabundo. Mas o povo é guerreiro, trabalha todo dia, de sol a sol. E se tiver um feriadozinho na quinta, todo mundo enforca a sexta e vai pra beira do rio.

Eu sou brasileiro, profissão de fé. Meu sonho é poder votar num político incorruptível, linha dura, que moralize Brasília e faça com que as leis sejam cumpridas. Um candidato honesto em quem eu confie. Alguém como o juiz Joaquim Barbosa. Eu confio nele. Mais do que no app que eu uso pra burlar a Lei Seca quando eu tomo umas e volto de carro pra casa.

É muito difícil prosperar no Brasil. A carga tributária é um absurdo! Não dá pra ser feliz pagando tanto imposto! Tudo culpa desse Estado inchado e cheio de encostados. Mas eu ainda acredito no sonho: ralar durante um ano num cursinho preparatório para garantir um emprego público de meio expediente e pegar uma praia no fim do dia. Porque eu sou brasileiro: não desisto nem mudo nunca.


Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Rodrigo Amém e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização do autor. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Não vai ter copa

Por Amanda Leal


Sala. Dia. Duas malas grandes estão no corredor, há uma mochila e duas sacolas também.

Ele escreve um bilhete:

"Vou ao jogo do Brasil, espero que na volta possamos conversar e nos entender. Não me conformo com certas decisões. Ao final do jogo eu volto para conversarmos."

Ele sai. Ela lê o bilhete. Sente no peito uma dorzinha que só as mulheres sentem quando são colocadas em segundo plano. 

 - Ele podia ter ficado. Poderíamos ter conversado agora e resolvido tudo. Eu podia até mudar a minha decisão, então veríamos o início da Copa juntos. E hoje ainda é dia dos namorados. Filho da puta! -  pensou ela.

Do lado de fora do apartamento, ela coloca as malas, a mochila e as sacolas. E junto há um bilhete que diz assim:

- Depois não.

Ele irá entender quando ler.


Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Amanda Leal e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização da autora. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.






quarta-feira, 11 de junho de 2014

Entreouvido

Por Marcela de Holanda



 Posso sentar aqui com você?
Qual é o seu nome?
Eu sou jornalista.
Feliz Aniversário!
É o meu preferido.
Cinema ou teatro?
Vamos dividir?
Você está com febre.
Eu nunca contei isso pra ninguém.
Eu amo você.
Obrigado por me fazer feliz.
Quem é ela?
Eu juro.
Fiz um jantar pra você.
A minha mãe te disse isso?
Vamos viajar?
Eu odeio quando você faz isso.
Vou te esperar lá embaixo.
Só você pra me fazer rir desse jeito.
Na minha casa ou na sua?
Casa comigo?
Aceito.
Parede verde não dá.
Eu cozinho e você lava.
Vamos ficar aqui mais um pouco?
Que delícia!
Isso é hora de chegar?
São gêmeos!
Compra sorvete de jaca?
Você está linda.
A culpa é sua.
Sua vez de acordar.
Vou te levar pra dançar.
Eu amo você.
Escola religiosa?
Ela não tem idade pra namorar.
Isso vai passar.
Estou aqui com você.
Hoje a casa é só nossa.
Dor de cabeça?
Comprou a comida do cachorro?
Esse ano a gente sai do aluguel.
O dois passaram no vestibular!
Você fica lindo de terno.
Você está trabalhando demais.
Eu cuido disso.
Segura a minha mão?
Você vai ser pra sempre minha namorada.
Eu não aguento mais.
Parabéns, vovô!
A gente tem mesmo que ir?
Eu amo você.
Tá doendo muito?
Se você me escutasse.
Você me conhece mesmo.
Vamos renovar nossos votos?
Você consegue.
Eu não vou sair do seu lado.
Tenho muito orgulho de você.
Eu amo você.
Eu amo você.
Eu amo você.


Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Marcela de Holanda e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização da autora. Entre em contato conosco para maiores informações.
Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.