Por Rodrigo Amém
Os
dias seguintes passaram entorpecidos e viraram meses. Edgard, dividia seu tempo
entre o amor a sua filha e a dor do remorso pela morte de Joana. Seteoito
recebeu a cabeça da freira com estupor e respeito. Esse moleque é bom, pensou.
E partiu do chefe a decisão de, pelo menos provisoriamente, lotar Edgard numa
função administrativa. Até porque tinha a nenê dele. Então, pela maior parte do
ano, o casebre de Edgard virou uma espécie de posto avançado dos negócios de
Seteoito. De separar papelotes a hospedar figuras suspeitas “em trânsito”, o
trabalho de Edgard era resolver problemas administrativos e ficar em casa, com
sua nenê. Até o médico do posto de saúde fazia visitas em domicílio, cortesia
de Seteoito.
Edgard
fazia por merecer. Seu recém-descoberto talento administrativo já se fazia
notar no balancete da “firma”. Um dom que consistia, basicamente, em dedicar
uma atenção obsessiva a qualquer detalhe que lhe ocupasse a mente inquieta. Já
fora um mar revolto, um pântano, um poço. Agora era um lago fundo, coberto de
gelo fino.
Um
dia, Seteoito mandou uma puta passar a noite na casa de Edgard. Ele abriu a
porta e deu de cara com uma mulher desfigurada, vestida com uma saia de vinil e
uma meia arrastão. Faltavam-lhe alguns dentes sob o lábio inchado. O nariz
dobrado em L, manchado de sangue. Ela mancava. O cliente PM resolveu pagar o
programa com coronhadas. Seteoito, resolveu por bem tirar o produto de
circulação já que, com aquela cara, ela teria pouca serventia no bordel. Aparentemente,
a casa de Edgard tinha virado um lar temporário para as vítimas das
autoridades.
Edgard
ajudou a garota a se sentar lentamente. Um chorinho chamou sua atenção ao
berço. O pai prontamente se apresentou, pegou no colo, trocou fraldas, ninou.
Em alguns minutos, o bebê dormia novamente.
-
Você tem jeito. Ela é sua? – perguntou a hóspede.
Edgard
balançou a cabeça.
-
Qual o nome dela?
-
Maria. Maria do Socorro.
-
Bonito.
-
Foi a mãe dela que pôs.
-
Sua mulher não vai reclamar? – perguntou a prostituta, preocupada com sua
condição de visita inesperada.
-
Ela morreu.
A
resposta seca afundou o coração da puta.
Foi
quanto Leo entrou no barraco com o jornal na mão e o estendeu para Edgard.
- O
chefe quer falar com tu. Não tá sereno, não.
Edgard
arregalou os olhos diante da manchete e se preparou para tirar Maria do berço.
-
Deixa ela. A garota cuida. Ou não cuida? – ameaçou Leo.
A
prostituta balançou a cabeça positivamente, trêmula. Edgard hesitou.
-
Vamo, rapá! Ele tá esperando!
Edgard
sumiu porta afora, ao encontro de sua velha amiga, a morte.
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