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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Velha amiga

Por Rodrigo Amém

Os dias seguintes passaram entorpecidos e viraram meses. Edgard, dividia seu tempo entre o amor a sua filha e a dor do remorso pela morte de Joana. Seteoito recebeu a cabeça da freira com estupor e respeito. Esse moleque é bom, pensou. E partiu do chefe a decisão de, pelo menos provisoriamente, lotar Edgard numa função administrativa. Até porque tinha a nenê dele. Então, pela maior parte do ano, o casebre de Edgard virou uma espécie de posto avançado dos negócios de Seteoito. De separar papelotes a hospedar figuras suspeitas “em trânsito”, o trabalho de Edgard era resolver problemas administrativos e ficar em casa, com sua nenê. Até o médico do posto de saúde fazia visitas em domicílio, cortesia de Seteoito.

Edgard fazia por merecer. Seu recém-descoberto talento administrativo já se fazia notar no balancete da “firma”. Um dom que consistia, basicamente, em dedicar uma atenção obsessiva a qualquer detalhe que lhe ocupasse a mente inquieta. Já fora um mar revolto, um pântano, um poço. Agora era um lago fundo, coberto de gelo fino.

Um dia, Seteoito mandou uma puta passar a noite na casa de Edgard. Ele abriu a porta e deu de cara com uma mulher desfigurada, vestida com uma saia de vinil e uma meia arrastão. Faltavam-lhe alguns dentes sob o lábio inchado. O nariz dobrado em L, manchado de sangue. Ela mancava. O cliente PM resolveu pagar o programa com coronhadas. Seteoito, resolveu por bem tirar o produto de circulação já que, com aquela cara, ela teria pouca serventia no bordel. Aparentemente, a casa de Edgard tinha virado um lar temporário para as vítimas das autoridades.

Edgard ajudou a garota a se sentar lentamente. Um chorinho chamou sua atenção ao berço. O pai prontamente se apresentou, pegou no colo, trocou fraldas, ninou. Em alguns minutos, o bebê dormia novamente.

- Você tem jeito. Ela é sua? – perguntou a hóspede.

Edgard balançou a cabeça.

- Qual o nome dela?

- Maria. Maria do Socorro.

- Bonito.

- Foi a mãe dela que pôs.

- Sua mulher não vai reclamar? – perguntou a prostituta, preocupada com sua condição de visita inesperada.

- Ela morreu.

A resposta seca afundou o coração da puta.

Foi quanto Leo entrou no barraco com o jornal na mão e o estendeu para Edgard.

- O chefe quer falar com tu. Não tá sereno, não.

Edgard arregalou os olhos diante da manchete e se preparou para tirar Maria do berço.

- Deixa ela. A garota cuida. Ou não cuida? – ameaçou Leo.

A prostituta balançou a cabeça positivamente, trêmula. Edgard hesitou.

- Vamo, rapá! Ele tá esperando!


Edgard sumiu porta afora, ao encontro de sua velha amiga, a morte.


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