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sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Pequenas confissões - Texto 3 - O caso da difícil senhora

Por Amanda Leal




Era uma vez uma história...Uma história que é minha mesmo. Já faz uns cinco anos que eu, recém - separada fui obrigada a me mudar. Isso não estava nos meus planos já que eu amava o meu apartamento anterior, nunca gostei de prédio pequeno e amava o play. Minha filha, Luana, podia brincar sem eu ter que ficar que nem doida atrás dela, era só descer que lá estavam ela e suas amiguinhas.

Eu sou o tipo de mãe atenta, que não deixa criança solta e nem marido, mas no caso do Osvaldo a coisa já não tinha mais jeito. Eram duas cabeças completamente diferentes: a minha e a dele. A coisa terminou de vez quando eu joguei fora toda a coleção de carrinhos de época que ele tinha, um bando de coisa antiga ocupando espaço. Comigo não tem essa, se eu tenho um problema eu vou lá e resolvo. Simples assim. E foi assim que nos separamos. Simples assim.

Infelizmente, resolver um problema me arrumou outro, pois tivemos que vender o apartamento e nos mudar (eu e Luana) para um menor. Essa coisa de separação é assim mesmo, te faz abrir mão de um monte de coisas que você gosta e já de outras, você dá graças a Deus por ter se livrado.

Mudamos para um quarto e sala, prédio antigo, mas jeitoso. Foram dois anos morando lá tranquilamente, o prédio era bem família, só dez apartamentos, maioria com idosos e mães solteiras. Acho que mudei para o lugar certo, não? Minha vizinha dona Lalá era muito tranquila em seu dia a dia, mas tinha um gênio e tanto.  

A empregada ficava com ela todos os dias de 8 ás 16:00, as duas viraram amigas e ficavam pra cima e pra baixo juntas, o filho de dona Lalá só visitava a mãe nos finais de semana, ele era gay e ela não aceitava. Vivia berrando com ele quando o via no jornal com seu namorado, um famoso promoter da noite carioca. Eu já vi o filho dela sair chorando de lá algumas vezes. Dava dó do coitado. Dona Lalá era assim, cheia de si, muito ranzinza e nunca dava o braço a torcer. Ao mesmo tempo em que sua casa era tranquila, encontrar com ela podia render uma briga de horas, por nada.

E no terceiro ano que eu e Luana estávamos morando lá, o prédio recebeu uma proposta de compra, uma construtora se interessou pelo local e fez uma oferta. Todos aceitaram, menos a dona Lalá. Isso gerou uma briga enorme, nos corredores era só discussão, ninguém queria a velha morando mais ali. - Como que ela podia rejeitar um milhão de reais e prejudicar os outros inquilinos? – dizia o síndico revoltado.  – Essa velha já está com a cara no caixão e quer prejudicar quem ainda tem muita vida pela frente? – gritou a novinha do 406.

A verdade é que dona Lalá já estava com os dias contados. Rolavam boatos de que ela não queria vender seu apartamento para não ter que deixar uma boa herança para o filho. – Mas que mãe é essa? – Pensei eu.  Durante os seis meses em que a construtora nos deu para resolver o caso amigavelmente, dona Lalá sofreu com xingamentos, tentativas de conversas civilizadas, macumbas e rituais estranhos feitos na porta de seu apartamento, até pastores do ratatá e padres exorcistas foram chamados para tirar o demônio que fazia dona Lalá não assinar o papel da venda. Muita coisa aconteceu, até sequestrada a velha foi.

Então, faltando uma semana para completar o sexto mês, dona Lalá apareceu morta. Todos que ainda estavam dormindo acordaram com o grito de sua empregada as 8 da manhã. Os que ainda tomavam banho ou desfrutavam do seu café da manhã se assustaram e corriam como podiam para ver o que estava havendo. A polícia foi chamada e semanas depois o prédio foi vendido.

Aparentemente, Dona Lalá morreu de causas naturais. Aparentemente, o filho não via a mãe há quase um mês. Aparentemente, todos estavam felizes. Mas, se eu te disser que no dia anterior a morte de Dona Lalá, quando eu fui botar o lixo fora, dei de cara com o tal promoter que namora o filho dela saindo do apartamento, você iria acreditar? Pois é a pura verdade. Só vou te dizer mais uma coisa, no enterro de dona Lalá estavam todos. Inclusive eu e o promoter. Quando nos encontramos, demos um oi simpático e um olhar cúmplice. Ao menos o problema estava resolvido. 


 Eu não tinha feito nada e também não tinha certeza se ele havia matado a difícil senhora.Difícil mesmo foi dormir nos dias seguintes ao enterro. Com o tempo, já na casa nova, um apartamento em um condomínio bem legal com play e piscina, até me esqueci de tudo. Mas ainda me pego pensando se o promoter tem problemas de sono. 


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