Por Amanda Leal
Era
uma vez uma história...Uma história que é minha mesmo. Já faz uns cinco anos
que eu, recém - separada fui obrigada a me mudar. Isso não estava nos meus
planos já que eu amava o meu apartamento anterior, nunca gostei de prédio
pequeno e amava o play. Minha filha, Luana, podia brincar sem eu ter que ficar
que nem doida atrás dela, era só descer que lá estavam ela e suas amiguinhas.
Eu
sou o tipo de mãe atenta, que não deixa criança solta e nem marido, mas no caso
do Osvaldo a coisa já não tinha mais jeito. Eram duas cabeças completamente
diferentes: a minha e a dele. A coisa terminou de vez quando eu joguei fora
toda a coleção de carrinhos de época que ele tinha, um bando de coisa antiga
ocupando espaço. Comigo não tem essa, se eu tenho um problema eu vou lá e
resolvo. Simples assim. E foi assim que nos separamos. Simples assim.
Infelizmente,
resolver um problema me arrumou outro, pois tivemos que vender o apartamento e
nos mudar (eu e Luana) para um menor. Essa coisa de separação é assim mesmo, te
faz abrir mão de um monte de coisas que você gosta e já de outras, você dá
graças a Deus por ter se livrado.
Mudamos
para um quarto e sala, prédio antigo, mas jeitoso. Foram dois anos morando lá
tranquilamente, o prédio era bem família, só dez apartamentos, maioria com
idosos e mães solteiras. Acho que mudei para o lugar certo, não? Minha vizinha
dona Lalá era muito tranquila em seu dia a dia, mas tinha um gênio e tanto.
A
empregada ficava com ela todos os dias de 8 ás 16:00, as duas viraram amigas e
ficavam pra cima e pra baixo juntas, o filho de dona Lalá só visitava a mãe nos
finais de semana, ele era gay e ela não aceitava. Vivia berrando com ele quando
o via no jornal com seu namorado, um famoso promoter da noite carioca. Eu já
vi o filho dela sair chorando de lá algumas vezes. Dava dó do coitado. Dona
Lalá era assim, cheia de si, muito ranzinza e nunca dava o braço a torcer. Ao
mesmo tempo em que sua casa era tranquila, encontrar com ela podia render uma
briga de horas, por nada.
E no
terceiro ano que eu e Luana estávamos morando lá, o prédio recebeu uma proposta
de compra, uma construtora se interessou pelo local e fez uma oferta. Todos
aceitaram, menos a dona Lalá. Isso gerou uma briga enorme, nos corredores era
só discussão, ninguém queria a velha morando mais ali. - Como que ela podia
rejeitar um milhão de reais e prejudicar os outros inquilinos? – dizia o
síndico revoltado. – Essa velha já está
com a cara no caixão e quer prejudicar quem ainda tem muita vida pela frente?
– gritou a novinha do 406.
A
verdade é que dona Lalá já estava com os dias contados. Rolavam boatos de que
ela não queria vender seu apartamento para não ter que deixar uma boa herança
para o filho. – Mas que mãe é essa? – Pensei eu.
Durante os seis meses em que a construtora nos deu para resolver o caso
amigavelmente, dona Lalá sofreu com xingamentos, tentativas de conversas
civilizadas, macumbas e rituais estranhos feitos na porta de seu apartamento,
até pastores do ratatá e padres exorcistas foram chamados para tirar o demônio
que fazia dona Lalá não assinar o papel da venda. Muita coisa aconteceu, até
sequestrada a velha foi.
Então,
faltando uma semana para completar o sexto mês, dona Lalá apareceu morta. Todos
que ainda estavam dormindo acordaram com o grito de sua empregada as 8 da
manhã. Os que ainda tomavam banho ou desfrutavam do seu café da manhã se
assustaram e corriam como podiam para ver o que estava havendo. A polícia foi
chamada e semanas depois o prédio foi vendido.
Aparentemente,
Dona Lalá morreu de causas naturais. Aparentemente, o filho não via a mãe há
quase um mês. Aparentemente, todos estavam felizes. Mas, se eu te disser que no
dia anterior a morte de Dona Lalá, quando eu fui botar o lixo fora, dei de cara
com o tal promoter que namora o filho dela saindo do apartamento, você iria
acreditar? Pois é a pura verdade. Só vou te dizer mais uma coisa, no enterro de
dona Lalá estavam todos. Inclusive eu e o promoter. Quando nos encontramos,
demos um oi simpático e um olhar cúmplice. Ao menos o problema estava
resolvido.
Eu não tinha feito nada e também não tinha
certeza se ele havia matado a difícil senhora.Difícil mesmo foi dormir nos
dias seguintes ao enterro. Com o tempo, já na casa nova, um apartamento em um
condomínio bem legal com play e piscina, até me esqueci de tudo. Mas ainda me
pego pensando se o promoter tem problemas de sono.
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