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quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Emma

Por Marcela de Holanda


Quando fez 12 anos, Emma se tornou uma devoradora de livros. Tinha mudado de escola naquele ano e encontrava dificuldade para fazer novos amigos. Assim, passava a maior parte do tempo viajando pelas páginas. Seus pais a incentivavam e compravam quantos livros a menina quisesse. 

Até que um dia, ela encontrou seu preferido. Para começar, a protagonista tinha o mesmo nome que ela. Emma se apaixonou pela história da outra Emma. Leu e releu o livro incontáveis vezes até que decidiu. Não era justo que uma mulher tão incrível daquelas existisse só na ficção. Não. Emma seguiria seus passos e se tornaria ela mesma a outra Emma. Acreditava que esse era seu destino e que assim tudo sairia exatamente igual e que alcançaria o final tão esperado. 

O livro começava com a outra Emma já adulta. Então, nossa pequena Emma teve que esperar um pouco e foi se preparando como pôde. Se dedicou bastante na escola já que sabia que precisaria disso para passar no vestibular e se tornar uma advogada de sucesso como sua heroína. Essa parte ela conseguiu realizar. Se formou no tempo correto na melhor faculdade da cidade. Passou no exame da OAB de primeira. 

O passo seguinte, era encontrar um homem com as características exatas. Ela deveria se casar com um cara chamado Daniel que fosse moreno, de olhos bem escuros e professor de saxofone. Essa procura demorou três anos. Mas não é que encontrou mesmo? Casaram-se num dia 27 de abril na areia da praia assim como ela sempre soube que seria. 

O capítulo seguinte de sua vida deixava Emma um pouco tensa. Mas ela não podia pulá-lo. Sabia que ele era fundamental, embora um pouco doloroso e indecoroso. Ela devia engravidar de um amigo do marido. Sorte que no livro o amigo permanecia bastante misterioso. Então, seu amante não tinha características definidas, apenas o nome. Por azar, seu marido não tinha nenhum amigo chamado Antônio. Esperou dois anos até que num jantar na sua casa, por acaso, descobriu que o melhor amigo do Daniel, chamado Carlos, era na verdade Antônio Carlos. Seguiu as instruções do livro e conseguiu seduzi-lo. Traiu o marido apenas uma noite. E engravidou.

Tudo estava saindo de acordo com o planejado, embora ela não se sentisse feliz como previa. Sabia que o sofrimento da heroína fazia parte de todo bom livro e seguiu em frente. Com cinco meses de gravidez, aconteceu o que ela temia. Seu plano sofreu um desvio irrecuperável. O bebê que esperava não era um menino. Pode parecer um detalhe, mas invalidava toda a trama. Como ela poderia colocar no filho o mesmo nome do pai biológico e manter esse segredo se teria uma menina? 

Passou uma semana sem dormir procurando uma solução. Acabou decidindo abandonar tudo. Deixou o marido para trás, fez as malas e, mesmo com uma barriga já grande, pegou o primeiro avião. Tinha um bom dinheiro guardado. Cursou faculdade de moda, trabalhava meio período e era mãe no tempo que sobrava. Acabou abrindo uma grife de comércio apenas virtual que alcançou um tremendo sucesso e viajava o mundo com sua filha, Antônia, buscando tendências. Só contou quem era o pai dela quando Antônia já tinha 18 anos. A filha demorou 10 anos para perdoá-la. Já para o fim da vida, Emma escreveu um livro. Um livro sobre a história de uma menina que queria ser uma personagem de livro. E conseguiu.



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