Escutei o salto da médica martelar
firme o chão do corredor em meio aos bips e bops das
máquinas do CTI.
Passava os dias me perguntando aonde tinha errado,
o que eu tinha feito, para não ter uma visita sequer.
A enfermeira me disse que nos três dias em que
passei em coma ninguém veio me visitar e por mais três dias fiquei abandonado à
própria sorte.
Com a soma nociva de solidão e
remédios pesados para dor, não estranhei quando o monitor cardíaco e os
aparelhos que limpavam meu sangue começaram a trocar xingamentos.
Era um "Seu filha Bop da
puta!" para lá, "Bip veado Bip" para cá....
Por tédio, embarquei na minha loucura e
imediatamente mandei eles fazerem as pazes. Era apenas um desentendimento bobo
sobre qual enfermeira era a mais gostosa, e a cada dose de morfina as conversas
ficavam mais animadas e divertidas.
Quando o monitor cardíaco no meio
do turno da noite, disse que a médica de plantão era do tipo que "fode
gritando", não me contive e eu dei uma gargalhada bem alta.
Imediatamente a tal médica entrou
com o cenho cerrado e me perguntou o que estava acontecendo. Diante do meu
descontrole, sussurrei engasgado:
- "O monitor..."
Entendendo que eu estava
reclamando do som dos aparelhos, a médica de sobrancelhas grossas cruzou a
minha frente martelando seu salto alto e, prontamente, tirou o som dos meus
únicos amigos.
Gostou do que leu? Esse texto é de autoria de Bernardo Sardinha e sua reprodução total ou parcial dependem de prévia autorização do autor. Entre em contato conosco para maiores informações.
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