Devo
admitir que houve uma época em que fui assessor parlamentar, ainda que num
passado longínquo. Sempre tive algum talento diplomático e naquela época ainda
podia utilizá-lo: eu era bastante útil em matéria de fazer arranjos para
aprovar leis. Hoje - quando a comunicação entre nós é essencialmente digital e
robôs falam com a voz que antes apenas seres conscientes tinham - fico perdido
em meio a tantos canais, e vejo que virei inútil.
Falo
apenas para leitores que não vejo, neste openjoulying
melancólico. Mas esta entrada não é para tratar disto.
Hoje
venho falar (quem dera que isto fosse falar) sobre as leis e costumes que nos
impõe que não sejamos nós e sim quem se espera que sejamos, o que, no fim das
contas, é o dever de todo político: moldar as atitudes e vontades individuais
em prol do que se acredita que seja o bem maior para todos os cidadãos de uma
nação.
Pois
bem.
Quando
eu estava no Senado Federal, passei uma lei que hoje, 60 anos depois, está
sendo revogada. A tal lei garantia que todo ser humano brasileiro, ao completar
21 anos poderia escolher o seu nome. Se ele quisesse manter o seu, poderia, mas
se quisesse mudá-lo também poderia. Mais do que atender a Clédstons e
Jhonniestons, a lei tinha o claro propósito de facilitar a vida do jovem
transexual ou crossdresser que tinha de enfrentar um desgastante processo civil
toda vez que gostaria de ver no extinto RG um nome correspondente à orientação
sexual que seus pais não tinham como reconhecer em um recém-nascido.
Com
o tempo, a lei denotou a presciência dos seus redatores – a modéstia me obriga
a salientar que foi uma presciência que previu o que aconteceria até um futuro
a médio prazo, apenas – e fez parte de um movimento ainda mais amplo. Dentro de
um contexto onde os jovens brasileiros se politizaram e passaram a reconhecer o
seu papel de protagonistas no futuro da nação – estes mesmos que agora são os
novos coronéis da política e legislam em favor dos seus próprios
umbigos-centro-do-universo – a lei serviu para que os jovens adotassem nomes
que bradassem o que de fato eram ou queriam ser.
Forte
de Albuquerque, Águia Meniscepal, Tupã Magalhães e Fogo Fátuo Silveira são
exemplos de uma cultura que se instalou entre os jovens que remete às nossas
mais verdadeiras raízes indígenas. Somada à uma diversidade de outras medidas,
propiciou o que hoje entendemos como Cultura de pré-Identificação Digital, ou
“C PID”, como chamamos mais comumente.
A
princípio, hoje, pode parecer uma lei inútil e sem propósito (ou é isso que os
parlamentares que a derrubaram insistem em afirmar), afinal, qual é a diferença
que faria modificar o nome civil se é possível mudar o seu avatar ao seu
bel-prazer?
"Na
época de sua aprovação a pertinência da lei 0056/3 de 2015 não poderia ser
questionada, com todas as confusões causadas pelo movimento transgênere,
conhecido pelo caráter subversivo de seus conceitos. Hoje, esta lei só
contribui para o acúmulo de normas prescritas na prática que insistem em pesar
o judiciário com sua teoria ultrapassada". Cito o excrementíssimo Deputado
Federal Lofre Buba, senhor conhecido por sua luta contra os direitos
individuais dos outros, em prol do seu individual sem escrúpulos.
Eu,
claramente, discordo da visão do Deputado. A questão da escolha é fundamental.
O livre-arbítrio de ser quem se é ou de ser quem se quer ser é fundamental em
qualquer sociedade que preze pela constituição de seus indivíduos, na medida em
que, a partir do momento em que esse direito lhe é retirado, ele passa a ser
apenas o que se quer – o outro quer – que ele seja. Talvez hoje em dia, o
conceito tenha caído em desuso, mas o nome das coisas devem representar quem
elas são em seu âmago mais imutável. Todos devem ter o direito de se dizer o
que quer que queiram e participar dos movimentos que se chamem como querem que
se chamem. E nada nem ninguém deveriam se colocar no meio disto.
Estou
mesmo muito ultrapassado ao acreditar que as pessoas possam querer construir
uma autoimagem individualizada no âmbito carnal? Será que somente o digital –
e, portanto, o que os outros veem ou sabem a nosso respeito – importa hoje em
dia? Não vejo como uma sociedade pode conseguir se sustentar sem que seus
integrantes se vejam olhos nos olhos? Mesmo que fossem eyescopes.
E,
entrando no mérito de trocar partes saudáveis do seu corpo por partes biônicas,
será que não trocamos também a nossa humanidade por um pragmatismo robótico?
Talvez
a nossa ânsia de nos manter vivos e saudáveis, longe de doenças, presos em
cápsulas herméticas, esteja nos fazendo simplesmente menos humanos. Nem tudo
pode ser gente. Nem mesmo toda gente o pode.
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Os comentários postados abaixo são abertos ao público e não expressam a opinião do blog e de seus autores.
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